Porque a questão está na ordem do dia e tem interesse público, importa fazer três simples perguntas: os vídeos particulares colocados nas redes sociais, com cenas graves de violação gratuita, entre jovens, têm ou não validade jurídico-penal?
Valem ou não como prova em processo penal, mesmo recolhidos sem o consentimento do visado?
Ou são nulos por constituírem prova proibida?
Nos termos da lei, são consideradas nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, com ofensa da integridade física ou moral das pessoas e, ainda, aquelas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. Na primeira previsão fulmina-se a prova com nulidade absoluta; na segunda hipótese a nulidade é relativa, podendo o titular do direito violado sanar o vício, consentido a gravação ex post facto.
As formas por meio das quais o Processo Penal se manifesta em sociedade têm sofrido desenvolvimentos ao longo da história, decorrentes das condições sociais, políticas e religiosas de cada época.
Não faz sentido continuarmos a viver os traumas impostos pelo período negro da ditadura, em que não existia um verdadeiro Estado de Direito nem separação de poderes e em que grande parte da prova era recolhida sob tortura ou coacção, com desprezo pelos direitos e liberdades das pessoas. Por isso, justificava-se a sua proibição. A democracia e os seus valores vieram para ficar e estão consolidados.
A justiça e os juízes estão impregnados dessa ética de valores, no respeito pela pessoa humana e pelo equilíbrio dos princípios constitucionais. Não há que ter medo. O caminho é de um processo penal de verdade, materializado num sistema de prova livre e não num positivismo ou formalismo bacoco que tem sido o causador do estado comatoso em que se encontra a justiça criminal. O juiz deve gozar de uma folga de livre arbítrio na validação da prova, sendo este um risco que as democracias civilizadas têm de correr. Bem sei que a descoberta da verdade também não é um valor absoluto. Só vale a verdade obtida de forma processualmente válida.
A validade da prova e as suas consequências não podem ficar ao sabor de teorias académicas nem amarradas a velhos e impeditivos preconceitos constitucionais. A Constituição não pode ser um empecilho à verdade e à realização da justiça. Não faz sentido falar de prova proibida quando um vídeo é gravado no espaço público, sendo um meio normal de prova.
Nestas condições, esta prova não faz parte do grupo de prova proibida. Por isso, o vídeo particular foi apresentado como prova e validado pelo juiz de instrução que decretou as medidas de coacção, não existindo qualquer obstáculo à sua utilização como meio de prova, porque foi gravado no espaço público, o que exclui qualquer intromissão na vida privada. Não validar essa prova única, num crime grave, e deixar a vítima desprotegida, seria um absurdo e a negação de um processo penal moderno ao serviço da paz e da ordem social.
Rui Rangel | Correio da Manhã | 09.06.2011
Nos termos da lei, são consideradas nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, com ofensa da integridade física ou moral das pessoas e, ainda, aquelas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. Na primeira previsão fulmina-se a prova com nulidade absoluta; na segunda hipótese a nulidade é relativa, podendo o titular do direito violado sanar o vício, consentido a gravação ex post facto.
As formas por meio das quais o Processo Penal se manifesta em sociedade têm sofrido desenvolvimentos ao longo da história, decorrentes das condições sociais, políticas e religiosas de cada época.
Não faz sentido continuarmos a viver os traumas impostos pelo período negro da ditadura, em que não existia um verdadeiro Estado de Direito nem separação de poderes e em que grande parte da prova era recolhida sob tortura ou coacção, com desprezo pelos direitos e liberdades das pessoas. Por isso, justificava-se a sua proibição. A democracia e os seus valores vieram para ficar e estão consolidados.
A justiça e os juízes estão impregnados dessa ética de valores, no respeito pela pessoa humana e pelo equilíbrio dos princípios constitucionais. Não há que ter medo. O caminho é de um processo penal de verdade, materializado num sistema de prova livre e não num positivismo ou formalismo bacoco que tem sido o causador do estado comatoso em que se encontra a justiça criminal. O juiz deve gozar de uma folga de livre arbítrio na validação da prova, sendo este um risco que as democracias civilizadas têm de correr. Bem sei que a descoberta da verdade também não é um valor absoluto. Só vale a verdade obtida de forma processualmente válida.
A validade da prova e as suas consequências não podem ficar ao sabor de teorias académicas nem amarradas a velhos e impeditivos preconceitos constitucionais. A Constituição não pode ser um empecilho à verdade e à realização da justiça. Não faz sentido falar de prova proibida quando um vídeo é gravado no espaço público, sendo um meio normal de prova.
Nestas condições, esta prova não faz parte do grupo de prova proibida. Por isso, o vídeo particular foi apresentado como prova e validado pelo juiz de instrução que decretou as medidas de coacção, não existindo qualquer obstáculo à sua utilização como meio de prova, porque foi gravado no espaço público, o que exclui qualquer intromissão na vida privada. Não validar essa prova única, num crime grave, e deixar a vítima desprotegida, seria um absurdo e a negação de um processo penal moderno ao serviço da paz e da ordem social.
Rui Rangel | Correio da Manhã | 09.06.2011