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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Acidentes de trabalho VS Mentalidades e Atitudes

Retirado do sítio e autora abaixo referidos:
Professora Doutora Teresa Pizarro Beleza
Sítio da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
:  http://www.fd.unl.pt
Pontos de vista
"Os acidentes de trabalho continuam a matar muita gente em Portugal. E muitos serão muito provavelmente evitáveis"
02 de Janeiro de 2012


Este texto foi por mim publicado no jornal ‘PÚBLICO’ em Novembro 1997, se não estou em erro. Lembrei- me dele ontem à tarde ao ouvir, descoroçoada e triste, a notícia da morte de um jovem operário (20 anos de idade) nas Minas da Panasqueira. Ficou soterrado por um desabamento de pedras e não resistiu aos ferimentos. Um representante do Sindicato invocou logo de seguida a falta de formação dos mineiros
principiantes. O jornalista referiu que um colega da infeliz vítima ficara ferido ao tentar salvá-lo.

Os acidentes de trabalho continuam a matar muita gente em Portugal. E muitos serão muito provavelmente evitáveis.
Algumas coisas que então escrevi seriam premonitórias – mas na verdade era muito fácil prevê-las.
Outras consumaram-se mais depressa do que eu esperava: caso evidente da existência de uma disciplina de Direito da Igualdade Social na FDUNL. E caso ainda do Curso de Pós-graduação em Direitos Humanos 
da Faculdade de Direito de Coimbra, por cuja direcção científica sou co-responsável e onde a FDUNL tem
importante participação em várias matérias. No seu programa cabem muitas das questões a que aqui me refiro.
À data da publicação do texto, esta Faculdade, a NOVA, estava a dar os primeiros passos. Eu ensinava na ‘Clássica’, onde fiz parte da licenciatura (que terminei em Coimbra) e onde me doutorei. 



OBRAS PÚBLICAS (1997)

Até há uns dois anos, quando eu passava na Ponte dita ‘25 de Abril’, a caminho de Lisboa e do
trabalho, a imagem que mais frequentemente me ocorria eram cenas do Metropolis, de Fritz Lang. O rolar 
incessante dos automóveis, a agitação preguiçosa dos navios, lá em baixo, que a distância torna quase irreal, e sobretudo as ruidosas aproximações à pista da Portela dos aviões bem em cima das nossas cabeças – na Faculdade, quando o vento está de Sudoeste, aterram no meio das aulas; espero que continue a ser só metaforicamente, até Ota e Rio Frio se resolverem... As aeronaves, dizia eu, a que por vezes se juntam uns zepelins publicitários e uns helicópteros que nos dizem a grande novidade de que estamos numa fila compacta de trânsito – o que dá um enorme alívio, não fosse pensarmos que estamos a ter um pesadelo a dormir – faziam-me pensar que, se fosse precisa, essa seria a prova do génio visionário do grande cineasta alemão. 
 Depois, é claro, por associação mental e (de)formação profissional, revia imaginariamente com 
enorme gozo as cenas finais do ‘M’ – da palavra alemã ‘Mord’, que em português se pode traduzir por ‘assassinato’): De frente a um temível Tribunal Popular de mendigos e bandidos, o assassino das crianças finalmente descoberto sente o alívio da mão pesada da lei quando o polícia lhe toca no ombro, no mesmo gesto o prendendo e lhe oferecendo a protecção do Estado de Direito: ‘In Nahmen des Gesetzes...’ (‘Em nome da lei’). 
É um homem cego que acaba por encontrar o assassino, porque a sua impossibilidade de ver com 
os olhos o fez aprender a ‘ver’ com os ouvidos. (Eu tive um colega de curso na Faculdade de Direito que era invisual e que nos conhecia a todos pelo timbre da voz). A sua capacidade de ouvir fá-lo notar a coincidência da melodia de um assobio sempre que uma criança é raptada – homenagem, também, ao cinema sonoro, certamente. E a sensibilidade e a inteligência do realizador enchem-me de espanto e admiração, enquanto presto cuidadosamente atenção aos condutores nas faixas estreitas, a meu lado, tentando adivinhar pela sua posição ao volante, pela expressão facial (quando estão muito próximos!) ou pelo simples evoluir da sua condução se tencionam atirar-se para cima de mim. É um pouco cansativo, mas também é divertido e já me salvou de um condutor de camião (provavelmente) adormecido na estrada de Sesimbra – não ganhei para o susto, é claro, mas lá me safei com uma guinada instintiva para a berma e um concerto prolongado da (minha) buzina. 
Mas a partir do início das obras de alargamento e do comboio na Ponte, e da Expo, e da outra
ponte, e de tudo o mais que faz parecer Lisboa, que já foi linda, um estaleiro permanente e eterno (eu sei: 
três quartos das actuais obras deveriam ter sido feitas há vinte e cinco anos ou mais; outras nunca deveriam sê-lo, é claro, como a sistemática vandalização da arquitectura das Avenidas Novas e outras ‘graças’ que destruíram irremediavelmente boa parte do nosso património urbano)... Só consigo pensar em duas coisas: uma delas é qual vai ser a próxima camioneta da pedra a partir-me o pára-brisas ou a levar- me um dos espelhos laterais. 
 A outra, muito mais tragicamente, é qual vai ser, de aqueles operários que ali andam suspensos 
entre a vida e a morte, e que às vezes me sorriem quando passo por volta do meio-dia, quando interrompem o trabalho, qual deles vai ser a próxima vítima. Eu sei que empreendimentos desta envergadura comportam necessariamente riscos, mas também sei que em Portugal o respeito pelas regras de segurança – e em particular as da segurança no trabalho – é considerado, em geral, como um esoterismo dalgum país longínquo e brumoso. A urgência de acabar obras, o recurso sistemático à subcontratação, que leva os operários a trabalhar numa cadeia infinda de organizações sem rosto nem responsabilidade, a facilitação das coisas, tão portuguesa e tão trágica, tantas vezes... Vendo bem, não sei se não deveria criar-se outro Projecto Vida, não relacionado com a Droga, mas com a Segurança no Trabalho. Qual faz mais vítimas? Para já, lembrarei que à magistratura do Ministério Público cabe a 
responsabilidade de não deixar que as regras de segurança e as suas violações sejam letra morta nuns 
Códigos que ninguém lê e muito poucos cumprem. 
(Para este efeito, e para outros - como a pompa das inaugurações e o inacabado dos arredores e a violência sobre os vizinhos, obras como as do Centro Comercial Colombo também são ‘públicas’. Só há uma coisa que me faz espécie: já revogaram o Small is beautiful ? Quando em Portugal, daqui a muitos anos, se proibir a construção de centros comerciais - como me dizem que já aconteceu num país escandinavo, não me lembro qual - choraremos os disparates urbanos que agora ninguém quer ver?) 
Mas talvez a minha maior aflição seja: E quando todas estas obras estiverem prontas e a euforia 
fontista deste fim-de-século tiver esmorecido? Quando o síndrome de Schengen atacar em força, porque já não precisamos dos imigrantes, legais ou ilegais, que suportaram o esforço acrescentado de todas estas construções de ‘fim de império’? Que xenofobia despontará neste recanto da ‘fortaleza europeia’? Será com a sua expulsão que os próximos Governos irão – finalmente... – cumprir a pateticamente repetida promessa de ‘erradicar as barracas’? Naturalmente, ainda não foi compreendido que uma planta cortada no caule cresce outra vez, a menos que se arranque a raiz. E a raiz longínqua das barracas e do racismo que ameaça tomar conta de nós numa versão mais violenta do que o tradicional racismo português, ambíguo e paternalista, que oficialmente afinal nunca existiu, é a mesma. Múltipla, é claro, como as raízes difíceis de arrancar, mas a mesma. 
Na Universidade de Kent, Inglaterra (em Cantuária), onde passei um ano a estudar, existe uma das 
Faculdades de Direito mais abertas e modernas (no melhor sentido do termo) que conheço. No curso de mestrado em Direito, uma das cadeiras tinha por tema Race Relations. Terá chegado a hora de os (e as) juristas do meu País começarem a pensar nestas coisas? 

Teresa Pizarro Beleza
Faculdade de Direito
Universidade Nova de Lisboa 


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Retirado do mesmo sítio acima referido, comentário feito por TITO COLAÇO:

Tal como o texto da Professora Doutora Teresa Pizarro Beleza, datado nos anos noventa do século passado, conforme a própria ressalva, continua no seu conteúdo (infelizmente) tão actual como se o tivesse escrito hoje mesmo. Explica-se esta intemporalidade pelo simples facto de que no essencial, nada mudou. A mentalidade do povo português mantém-se inalterável. 

O combate aos acidentes e doenças profissionais é um combate que exige uma estratégia e uma acção multi-disciplinares e persistentes de longo prazo. A mudança efectiva do comportamento dos empregadores e dos trabalhadores só será possível com uma progressiva mudança de mentalidade e de cultura. 

O trabalho mata mais pessoas do que as guerras, cerca de 5000 pessoas por dia, ou uma pessoa em cada 15 segundos, morrem em consequência de acidentes no trabalho e doenças profissionais, cada ano são registados quase 270 milhões de acidentes, dos quais 350 000 com consequências fatais, no mundo.

A globalização da economia está a alterar o modo como as pessoas trabalham e os riscos que têm de enfrentar, estas mudanças na vida profissional de todos exigem uma abordagem integrada que combine os aspectos técnicos e médicos tradicionais com questões sociais, psicológicas, económicas e jurídicas.

É exigido forçosamente, abordagens criativas, holísticas, que tenham em conta as transformações em curso no mundo do trabalho e a emergência de novos riscos, com o objectivo de se promover a criação de sinergias entre todas as partes envolvidas, bem como a partilha de informações e experiências sobre boas práticas. 

A mentalidade e a cultura portuguesa não abona a favor da segurança e saúde no trabalho, os portugueses têm uma tendência natural para a fatalidade, ou seja, acredita-se demasiado no “destino”, tenta-se justificar o injustificável com a “má sorte” ou com “os altos desígnios da divina previdência”, assumindo-se geralmente esta atitude passiva e conformista, quando se devia tomar uma atitude preventiva, activa e racional.

De um modo geral, verifica-se que na sociedade portuguesa há uma forte carência de cultura de segurança, que apesar de toda a legislação existente, tende a resistir ao planeamento, tendo uma notável característica portuguesa para o improviso e para o “desenrasca”, ao invés de planear e programar, pelo que resulta estar logo à partida comprometida a aplicação efectiva em matérias de segurança no trabalho e as doenças profissionais.

É necessário mudar a mentalidade do povo português, pode-se discutir até senão em muitas e variadas vertentes, mas em matéria de segurança, de certeza, sabendo que tais mudanças são muito lentas, podendo mesmo levar gerações a efectivá-las, o que obriga a actuar junto dos mais jovens, logo desde os primeiros anos de escolaridade e de uma forma pedagógica e sistemática.

Apelando-se a todos os responsáveis pela tutela do ensino e docência deste país, para que sejam implementadas acções nesta área, indo às sementes da tal ávida “Mudança de mentalidades” que o nosso povo, em termos culturais e pedagógicos, terá de evoluir, ter ao nível do plano curricular, disciplinas de sensibilização de segurança , higiene e saúde no mundo do trabalho, passando pela formação dos próprios futuros professores, enquanto detentores da informação, da sensibilização, transformação e criação de valores, têm um papel determinante.

TITO COLAÇO
03.01.12

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