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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Silêncio da Fraude - "O mentiroso admitiu a mentira"



O mentiroso admitiu a mentira


Usando a comunicação social que o tornou famoso, despiu-se da sua farsa e expôs-se. Ninguém foi capaz até ao momento de relevar a atitude deste mentiroso

Este é parte do título de um artigo de jornal, "Lance Armstrong: o mentiroso admitiu a mentira".

1. Sim o melhor ciclista de todos os tempos, admitiu publicamente que errou. Tem sido por isso, e merecidamente, torpedeado. Atacado sem dó nem piedade pela comunicação social, ciclistas, desportistas de outras modalidades e, por que não generalizar, pela opinião pública.

Admitiu, que deverá passar o resto da sua vida a recuperar a confiança das pessoas. Trata-se de um reconhecimento público de culpa, atitude rara nos dias de hoje. Usando a comunicação social que o tornou famoso, despiu-se da sua farsa e expôs-se. Ninguém foi capaz até ao momento de relevar a atitude deste mentiroso. Ora ele é mentiroso porque ele próprio o afirma. Sim, agora ele é verdadeiro; foi mentiroso durante a década em que dominou o ciclismo. Década em que a opinião pública o exaltava; em que exaltava um mentiroso...

Quem com ele competiu, muito provavelmente cometeu das mesmas fraudes. Dois treinam com empenho e técnicas semelhantes; um é melhor que o outro; ao segundo resta-lhe ser segundo - verdade - ou tenta por meios ilícitos - mentira - compensar a capacidade em falta. O segundo passa a primeiro, e passam a segundo dezenas, centenas de outros. O outrora primeiro, deixa de existir, mesmo sendo naturalmente o melhor. Se quiser competir tem então de passar a mentir, e volta a lutar pelas primeiras posições. Quem compete então? O homem? Não. Compete o homem e toda a informação e influência a que tem acesso e a que lhe dão acesso. Uns tomam café para se manterem mais alerta e trabalharem mais afincadamente. Outros fazem autotransfusões de sangue e tomam substâncias proibidas. Estarão todas as substâncias dopantes proibidas? Estarei a fazer uma comparação abusiva? A resposta à primeira é não, certamente. A resposta à segunda é sim, obviamente. Mas preciso de colocar "as coisas" em perspetiva. Talvez na obsessão pessoal e induzida por "amigos" e destaque social, ir de um simples e quotidiano estímulo, a um complexo e diário esquema para melhorar o desempenho físico, não seja assim tão distante...

Como ele, muitos mentem e mais ainda aldrabam para atingir desmedidas ambições pessoais. Ele fez-se notar, foi notícia, fez o que ninguém tinha feito. Outros cometem tropelias destas e doutras para serem o maior peixote lá do aquário!

2. Quantos homens e mulheres conseguiram brilhar apenas com esforço e empenho? Muitos certamente. Mas há outros que depenicam aqui e ali para, sem esforço, melhor que a cigarra, cantarem e amealharem sem esforço.

Competição desleal é o mais comum, sempre o foi e mais agora, com o culto pelo "eu" e com a sensação, talvez certeza, de impunidade. As fraudes são diárias, os seus relatos são hebdomadários, mas as penas ... essas nunca ocorrem. Poderia então, de vez em quando, um desses "atletas" retratar-se perante aqueles de quem se quis distinguir; assumir que mentiu e que está pronto para lutar e recuperar a confiança das pessoas...

Em Portugal temos um país de doutores. Muitos com mérito e com oportunidade trabalharam para obter as suas competências. Outros, quais pavões oportunistas, são finos a obter os seus diplomas. E aparentemente é fácil obter os canudos que certificam tudo menos a competência. Uns compram doutoramentos pela internet, outros fazem equivaler o seu percurso profissional a unidades curriculares formativas. Uns entram brutos num dia e saem brutos diplomados no seguinte. Outros são graduados ao fim de semana!

Jogam com os demais, que se dedicam e esforçam para aprender, que se penhoram e endividam para adquirir competências e conhecimento, que investem e sacrificam adiando a sua entrada no mundo do trabalho; trabalho esse que não existe em parte por ação destes "doutorzecos" que têm comandado o barco sem dominar a arte de marear. Em vez de prestarem um serviço público aproveitam-se dele em benefício próprio e de alguns grupelhos.

3. Foi possível, cercando, pressionando, conduzir o melhor ciclista de sempre a confessar a sua fraude de anos. Não será possível, cercar, pressionar, gestores defraudadores, políticos corruptos, falsos doutores e fingidos observadores de agências internacionais bem-falantes?

Se não são julgados, pelo menos que um dia alguém sobre eles escreva "O mentiroso admitiu a mentira".


VISÃO opinião
"Silêncio da fraude" por Paulo Vasconcelos
Quinta feira, 14 de Fevereiro de 2013 


Ler mais: http://visao.sapo.pt/o-mentiroso-admitiu-a-mentira=f712768#ixzz2Kv1jBbpw



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Faço minhas as palavras, do texto supramencionado.
É realmente notável, a capacidade de grandes artistas, iludirem os demais com os seus truques e artimanhas, recebendo louros e elogios.
É tamanha desfaçatez, que num país tão pequeno, haja tantos artistas que consagram a eloquência com que conseguem ludibriar com tanta permissividade.
Pior do que lhes deixar actuar com a sua habilidade artística, será ainda lhes aplaudir e gritar bis.
Quando as máscaras caiem, e por fim, a verdadeira face exposta, as luzes são ofuscadas, para que se continue em cena, e o artista possa findar eternamente a sua actuação.
Sem dúvida, há público que tem a arte que admira e merece.
E quem não admira, assiste incrédulo ao espectáculo, antevendo que se prolongará ad eternum, revezando de quando em vez, de artistas do mesmo calibre.

TITO COLAÇO
15.02.13

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A regra de ouro e a empatia (Anselmo Borges)




A regra de ouro e a empatia (Anselmo Borges)

Na Inglaterra, foi de tal modo valorizada que aí recebeu, nos inícios do século XVII, o nome por que é conhecida: "regra de ouro" (golden rule), com duas formulações, uma negativa: "não faças aos outros o que não quererias que te fizessem a ti", e outra positiva: "trata os outros como quererias ser tratado". Frédéric Lenoir faz, com razão, notar que a maior parte dos moralistas prefere a versão negativa, pois o perigo de auto-projecção sobre os outros pode levar a esquecer que cada um tem os seus gostos e a sua própria visão do que é bem. Neste quadro, Bernard Shaw escreveu com o seu sentido de humor: "Não façais aos outros o que quereríeis que vos fizessem; talvez não tenham os mesmos gostos que vós!"
É uma regra tão universal que o filósofo R.-P. Droit perguntava recentemente no Le Monde: "Existem regras morais presentes em todos os tempos e lugares, seja qual for a cultura ou a época? Isso é posto em dúvida a maior parte das vezes. No entanto, há uma excepção notável face ao relativismo generalizado." E apontava precisamente a regra de ouro.
De facto, ela encontra-se em todas as áreas culturais e religiosas do mundo. Apresentam-se exemplos, segundo Olivier du Roy, que acaba de publicar: La règle d'or. Histoire d'une maxime universelle.
Na China, com Confúcio, talvez o primeiro a formulá-la: "O que não queres que te façam não o faças aos outros." No budismo: "Uma situação que não é para mim agradável nem felicitante também o não poderia ser para o outro; como poderia então desejar-lhe isso?" No zoroastrismo: "Tudo o que te repugna não o faças também aos outros." No judaísmo: "Não faças a outrem o que não desejas que te façam a ti." No cristianismo: "Tudo o que quereis que os homens façam por vós, fazei-o igualmente por eles: eis a Lei e os profetas." No islão: "Ninguém entre vós é um crente enquanto não desejar para o seu irmão o que deseja para si próprio."
No estóico Séneca, encontramos esta reflexão admirável sobre como tratar os escravos: "Vive com o teu inferior como quererias que o teu superior vivesse contigo. Cada vez que pensares na extensão dos teus direitos sobre o teu escravo pensa que o teu senhor tem sobre ti direitos idênticos. 'Mas eu não tenho senhor', dizes. Talvez venhas a ter."
Todos os grandes reformadores cristãos a retomam. Pode ler-se num sermão de Martinho Lutero: "Não há ninguém que não sinta e não tenha de reconhecer que é justo e verdadeiro o que diz a lei natural: o que queres que te seja feito e poupado, fá-lo e poupa-o aos outros: esta luz vive e reluz no espírito de todos os seres humanos. E se quiserem tomá-lo em consideração, terão ainda necessidade de outro livro, de outro mestre, de outra lei? Têm um livro vivo neles, no fundo do coração, que pode bastar para ditar-lhes o que devem fazer, não fazer, aceitar ou rejeitar."
Com ela, argumentou John F. Kennedy contra a segregação racial, em 1963: "Se um americano, porque o seu rosto é negro, não pode almoçar num restaurante aberto ao público, mandar os seus filhos à melhor escola pública acessível, votar para os funcionários públicos que vão representá-lo, então quem de vós quereria ver mudar a cor do rosto e colocar-se no seu lugar? O coração do problema é este: vamos tratar os nossos companheiros americanos como queremos ser tratados?"
Atendendo à sua universalidade, Olivier du Roy conclui que ela "corresponde a uma espécie de maturidade moral da humanidade, que descobre ou exprime, por volta do século V a. C., um princípio fundamental de moralidade ou de vida em sociedade". O reconhecimento do outro humano pode ser considerado como "um dado cultural universal, o fundamento de uma verdadeira 'lei natural'". A sua base está na empatia, na capacidade de eu me colocar no lugar do outro, como que sentindo as consequências da minha acção sobre ele. Mas a ética propriamente dita começa, quando se vai para lá da simpatia e se alarga o círculo do humano ao que me não é próximo nem simpático.
Imagine-se o que seria o mundo regido por esta regra de ouro!


(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
Crónicas do padre Anselmo Borges
Retirado do blogue "Devaneios do Oriente" de Pedro Coimbra 
30 de Janeiro de 2013

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Texto interessante.
Realmente, esta questão do tratamento entre os seres-humanos, teve sempre uma tónica comum, desde que racionalmente se tenta conciliar o entendimento filosófico com o religioso, desde os primórdios, como exemplificou o autor do texto.
A consciência da suprema acção humana perante a inconsciência da maldade humana, esgrimindo a noção da dualidade Bem-Mal, que ao longo dos tempos foi mantendo um plano de fundo de matriz base, configurando essencialmente uma moralidade transversal a todas as religiões e pensamentos criados pelo Homem.
Regra de ouro aceite, dificilmente cumprida.
O ir para além do que não é próximo nem simpático, é algo como tentar tocar na Lua, é possível, mas tem de se chegar até lá. E digamos que ao ser-humano, não lhe falta o meio, mas sim a vontade.

TITO COLAÇO
01 de Fevereiro