Páginas

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Como é difícil ser natural...


                                                                                                                                                 















Como é difícil ser natural


É curioso como é difícil ser natural. Como a gente está sempre pronta a vestir a casaca das ideias, sem a humildade de se mostrar em camisa, na intimidade simples e humana da estupidez ou mesmo da indiferença. 
Fiz agora um grande esforço para dizer coisas brilhantes da guerra futura, da harmonia dos povos, da próxima crise. E, afinal de contas, era em camisa que eu devia continuar quando a visita chegou. 
No fundo, não disse nada de novo, não fiquei mais do que sou, não mudei o curso da vida. Fui apenas ridículo. Se não aos olhos do interlocutor, que disse no fim que gostou muito de me ouvir, pelo menos aos meus, o que ainda é mais penoso e mais trágico. 


Miguel Torga
"Diário (1947)"

























TITO COLAÇO
II__IX__MMXIII








Matter of emotion...


































"A metafísica pareceu-me sempre uma forma prolongada da loucura latente. Se conhecêssemos a verdade, vê-la-íamos; tudo o mais é sistema e arredores. Baste-nos, se pensarmos, a incompreensibilidade do universo; querer compreendê-lo é ser menos que homens, porque ser homens é saber que se não compreende.
Trazem-me a fé como um embrulho fechado numa salva alheia. Querem que o aceite para que o não abra. Trazem-me a ciência, como uma faca num prato, com que abrirei, com que abrirei as folhas de um livro de páginas brancas. Trazem-me a dúvida, como pó dentro de uma caixa; mas para que me trazem a caixa se ela não tem senão pó?
Na falta de saber, escrevo; e uso os grandes termos da Verdade, conforme as exigências da emoção. Se a emoção é clara e fatal, falo, naturalmente, dos deuses, e assim a enquadro numa consciência do mundo múltiplo. Se a emoção é profunda, falo, naturalmente, de Deus, e assim a engasto numa consciência una. Se a emoção é um pensamento, falo, naturalmente, do Destino, e assim a encosto à parede.
Umas vezes o próprio ritmo da frase exigirá Deus e não Deuses; outras vezes, impor-se-ão as duas sílabas de Deuses, e mudo verbalmente de universo; outras vezes pesarão, ao contrário, as necessidades de uma rima íntima, um deslocamento do ritmo, um sobressalto de emoção, e o politeísmo ou monoteísmo amolda-se e prefere-se. Os Deuses são uma função de estilo."


Extracto do " Livro do Desassossego" de Fernando Pessoa






























































TITO COLAÇO
02__September__2013