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terça-feira, 29 de maio de 2012

Como se o modo como se diz, alterasse o que existe!






Acabo de ouvir num canal televisivo que uma determinada empresa construtora "rescindiu com 300 colaboradores". Está tudo errado nesta frase. No espírito e na letra. O mundo laboral parece ter sido liofilizado no discurso jornalístico corrente. Como se a palavra trabalho queimasse. Como se trabalhar fosse algo indigno. Como se um trabalhador devesse ocultar esta sua condição numa sociedade - e num continente inteiro, como bem revelam as estatísticas europeias - onde um posto de trabalho é um bem cada vez mais escasso.

Trabalho, palavra bíblica. "Bem basta a cada dia o seu trabalho", diz Jesus no Sermão da Montanha. Reescrita à luz da novilíngua dominante, quem trabalha deixou de ser trabalhador: é "funcionário" ou, de modo ainda mais eufemístico, "colaborador". Pela mesma lógica, não pode ser despedido mas "dispensado". Ou, de modo ainda mais eufemístico, alguma Alta Entidade da corporação empresarial "prescinde" dos seus serviços. Ou da sua colaboração.

Sempre me ensinaram que o discurso jornalístico, para ser eficaz e competente, devia descodificar todo o jargão encriptado, que obscurece a mensagem em vez de a tornar transparente. Nos dias que correm, sucede precisamente ao contrário: o jornalismo abdica demasiadas vezes de clarificar a mensagem, obscurecendo-a por cumplicidade activa com as "fontes" ou por mera preguiça intelectual.

No reino dos eufemismos, não se trabalha: "colabora-se". E ninguém é despedido: há apenas quem "cesse funções" ou veja os seus préstimos "prescindidos" por alguma entidade empregadora em fase de "reestruturação" ou "reavaliação" das potencialidades do mercado. Mas as coisas são o que são, mesmo que as palavras ardilosas procurem camuflar uma realidade nua e crua.

A empresa construtora despediu 300 trabalhadores. Assim mesmo, ponto final. A realidade, só por si, já é suficientemente dura. Não juntemos ao drama do despedimento a injúria de ver esta palavra banida do dicionário jornalístico quando está mais presente que nunca na vida real.




Publicado no Blogue: Delito de Opinião
Por por Pedro Correia 
 28.05.12

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Em resposta a este texto, oferece-me o seguinte comentário que enderecei ao autor do mesmo, apesar de entender o seu ponto de vista, tendo a minha ousadia de realçar, na minha opinião, o meu delito de opinião, o seguinte:


Não sei qual o problema, da terminologia das palavras que se empregue, quando se sabe o sentido da frase.
Não sei qual o problema, de quem escreve que opte por esta ou aquela palavra, sendo a intenção do significado, o importante.
Não sei qual o problema, de quem lê, quando sabe e entende o que se quis dizer.
O problema é este: muito se fala, fala-se e fartam-se de falar.
Os canais televisivos, as rádios, os blogues,..., há comentadores, comentaristas, especialistas, curiosos, académicos, políticos, e quem seja tudo isto junto, ex-tudo desde ex-políticos, ex-professores, ex-desportistas, ex-qualquer coisa,..., toda a gente, "todo o mundo" como dizem os brasileiros. Fala-se, falam e fartam-se de falar...
É este o problema, fala-se demais.
Não é que a livre expressão esteja mal, não! é o excesso dela. De falar por falar. Todos querem o seu tempo de antena. Todos e ao mesmo tempo.
É este o problema, fala-se muito e faz-se pouco.
Pouco, do que se deveria fazer: fazer-se mais e falar menos.
Não interessa trabalhar muito, muitas horas, pode-se trabalhar menos e melhor.
Não se devia dar importância à forma, mas ao conteúdo, não à estética mas ao interior, da realidade patente, visível a todos excepto a quem estiver enclausurado no seu universo imaginário, precisará de ouvir, de ler, de tanta notícia, de tantos comentários, de tantas pessoas, a toda a hora.
Como se fosse o modo como se diz, mudasse o que existe.



TITO COLAÇO
29.05.12

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O genial Almada Negreiros (1893 - 1970) - Pintor e Poeta


O genial Almada Negreiros, conhecido como «Mestre Almada»




Artista e escritor polifacetado, José de Almada-Negreiros nasceu a 7 de abril de 1893, em S. Tomé e Príncipe, e morreu a 15 de junho de 1970, em Lisboa.







"ROSA DOS VENTOS"

http://www.truca.pt/ouro/s_outros/almada_negreiros_rosa_dos_ventos.mp3


Não foi por acaso que o meu sangue veio do sul
se cruzou com o meu sangue que veio do norte
não foi por acaso que o meu sangue que veio do oriente
encontrou o meu sangue que estava no ocidente
não foi por acaso nada do que hoje sou
desde há muitos séculos se sabia
que eu havia de ser aquele onde se juntariam todos os sangues da terra
e por isso me estimaram através da História
ansiosos por este meu resultado que até hoje foi sempre futuro.
E aqui me tendes hoje
incapaz de não amar a todos
um por um
que todos são meus e me pertencem
e por isso mesmo lhes não perdoo faltas de amor!
Mas porque maldição me não entendem
se eu os entendo a todos?
Eu sei, eu sei porquê:
Falta-lhes a eles terem, como eu, a correr-lhes pelas veias todos os sangues da terra.
A lei é clara: ninguém ama senão os seus.
E os meus são os de todos os sangues da terra
mas, ó maldição que pesa sobre mim,
cada um dos sangues da terra não me inclui entre os seus!
Não pertenço a nenhum sangue de raça
sou da raça de todos os sangues,
o meu amor não tem condições que excluam criaturas
não é amor natural
é amor buscado por boas mãos
desde o primeiro dia das boas mãos
através de tempos desiguais e de estilos que se contradizem
com os olhos no futuro melhor
e a esperança convicta de que se ainda hoje não são todos como eu
é questão apenas de a humanidade viver outra vez
tanto como viveu até hoje,
ou de mais ainda,
é questão de mais tempo,
ainda mais tempo,
é o tempo que há-de fazer
o que apenas se pode atrasar,
Entretanto deixai que se convençam
aquelas experiências que ainda não se tinham feito
e ainda tão longe do realismo da redondeza da terra!
Entretanto deixai que os números se espantem
de que a totalidade seja sempre ainda mais pr'além!
Deixai os números instruir-se da verdadeira capacidade do infinito
deixai que a ciência prossiga em sua loucura galopante
explicando todas as suas falhas com desculpas geniais
enquanto não esgota a sua especialidade,
a especialidade de nos meter a todos nela,
o que é um estilo
um estilo mais
e não o último
porque nenhum estilo é o último senão a liberdade!
Deixai que milhões se juntem para formar uma força
enquanto outros isolados se reconheçam o bastante para ter a liberdade,
deixai-os a ambos que nada os deterá,
eles são duas metamorfoses minhas
das quais mais conservo uma vaga memória.
Tal qual eles agora, eu já estive num e noutros antigamente,
quando na História
nos altos e baixos da minha ascendência
tomei também cada metamorfose minha
por minha definitiva realidade.
Deixai primeiro que o sangue deles
leve tanto tempo a dar a volta ao mundo
como o que levou o meu sangue ou a História do Homem.
Deixai que a natureza consinta ainda em parcialidades que o tempo consente temporariamente.
Deixai que o ardente desejo de totalidade, não possa ainda funciona
senão pelo meio ou pelas pontas.
Deixai que cada especialidade acabe de vez com a sua impertinência Deixai que os sangues mais intactos morram por isolamento
ou espalhem morte e terror com o verdadeiro medo a certeza de acabar.
Deixai que a Democracia e a Aristocracia
se cansem de não caber isoladas em parte nenhuma
já que não cabem juntas no nosso entendimento.
Deixai que Uma e Outra esgotem todos os quadriláteros onde a Democracia não cabe
e, por conseguinte, a Aristocracia não sai.
Deixai sumir-se até ao fim a confusão de Nobreza e Fidalguia com
Aristocracia.
Deixai que a Democracia repare que é um corpo sem cabeça
e que a Aristocracia uma cabeça sem corpo.
E é o corpo que há-de buscar a cabeça
ou a cabeça que há-de buscar o corpo?
Esperai que venha esta resposta.
Entretanto deixai que a liberdade também esteja à espera desta resposta.
Deixai que se expliquem por si coisas terrenas que nada mais ultrapassem do que o nosso entendimento
condenado a acreditar nos sentidos
mais do que em todo o trajecto desde o princípio do mundo até hoje.


 Da autoria de Almada Negreiros:  Famoso retrato de FERNANDO PESSOA


"ODE A FERNANDO PESSOA"

Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.
De verdade, e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre depois da idade
e tu quiseste acertar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era de hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhado por ti.
Tu sonhaste a continuação do sonho português
somados todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho predisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
E Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho
a bandeira de Portugal
vertical
sem pender para nenhum lado
o que não é dado pra portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
Nesta nossa querida terra onde ninguém a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é maneira de acabar com partidos
e de ficar talvez o partido de Portugal
mas não ainda talvez Portugal!

Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.


Almada Negreiros



quinta-feira, 17 de maio de 2012

Não é menos Estado, mas sim melhor Estado!


Ocupar o comum


Para os defensores do neoliberalismo, não faz mal acabar com serviços e actividades reconhecidamente eficientes, de qualidade e utilidade social, desde que estejam reunidas pelo menos uma destas condições: que seja um modo de transferir para a esfera do privado recursos que antes pertenciam ao público, promovendo oportunidades de negócio; que seja um modo de eliminar do campo das experiências dos cidadãos formas de fazer em comum que possam favorecer o seu apego a instituições públicas, a finalidades não-lucrativas, a lógicas cooperativas e participativas.


É nesta engenharia de reconfiguração da sociedade que se enquadram o anunciado encerramento da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, ou o despejo da Es.Col.A. da Fontinha, no Porto. Por muito que a violência demolidora da vida em sociedade a que estamos a assistir o possa sugerir, o que está em causa não é, para o projecto neoliberal, acabar com o Estado, mas antes desviá-lo das suas funções sociais e redimensioná-lo à medida da avidez de mercados instáveis e de interesses privados. Não está também em causa acabar com toda e qualquer iniciativa de cidadãos que se mobilizem autonomamente para intervir na sociedade, mas tão-somente a daqueles que o fazem, até em regime de voluntariado, associando a supressão das falhas dos poderes públicos a propostas transformadoras das comunidades que não sejam redutíveis aos valores do pensamento único, à forma económica da troca mercantil e do lucro, ao formato de gestão do «empreendedorismo social».


O neoliberalismo nada tem contra haver Estado suficiente para parcerias público-privadas desastrosas para o erário público; para tráficos de influências e garantias de proveitosas carreiras; para salvamentos de bancos nacionais impostos por um sistema financeiro internacional que confisca a democracia; para sistemas educativos que formem elites ou para sistemas de saúde que se ocupem dos doentes que não são rentáveis para a medicina privada. O neoliberalismo nada tem contra haver na sociedade autonomia suficiente canalizada para o assistencialismo ou a caridade, desde que essa acção não questione intelectualmente, nem abale através de práticas, o imobilismo trágico das desigualdades socioeconómicas e a irracionalidade de um modelo económico iníquo.


Valores, práticas e finalidades são o que distingue os projectos em confronto nas sociedades. São eles que separam, por um lado, os que concebem uma comunidade como organização em que se afere, de acordo com modalidades democráticas e participadas, quais os bens comuns a prosseguir; e, por outro, os que nela vêem um somatório de interesses individuais e privados em que os mecanismos da competição farão emergir os mais fortes e, supletivamente, obrigarão a encontrar as formas de assistência aos mais fracos que eternizarão a rigidez dos lugares sociais. É neste antagonismo quanto a valores, práticas e finalidades que reside o essencial das escolhas de sociedade. Tudo o mais diz respeito aos actores que dão corpo a essas escolhas e às alianças e contágios entre as diferentes esferas em que os actores se movem; no quadro das relações de força em cada momento existentes, essas alianças e contágios podem ser potenciados ou impedidos.


Se os efeitos que se quer alcançar forem a densificação da democracia, a restauração dos serviços públicos e do Estado social e a reconstrução de comunidades de bem-estar, será que mantém utilidade e capacidade explicativa uma grelha de análise que encerre nos vértices de um triângulo três pólos que não se sobrepõem nem têm afinidades a aproximá-los ou separá-los? Com efeito, a imagem que nos habita tende a ser a de um triângulo − mesmo que o possamos ver equilátero, isósceles ou escaleno. Ele representa três sectores da sociedade separados e estanques: o público, o privado e o terceiro sector (ou economia social). A mesma figura geométrica ressurge se pensarmos em termos de três esferas de actividade traduzidas no Estado, no mercado e na actividade cooperativa ou solidária. Dada a correlação de forças, esta imagem tem estado revestida por uma capa de naturalidade e fixidez, quando ela traduz uma visão que não é neutral, mas política. E tem servido, sobretudo, para permitir que ocorram longe da visibilidade do debate público todas as formas de disputa e de captura que o poder, cada vez mais forte, dos mercados (isto é, dos interesses privados que estes representam) tem vindo a operar em relação aos sectores público e cooperativo.


Há por isso vantagem em encontrar arranjos e parcerias alternativas que estilhacem estas lógicas que se encontram em acção e que, mantendo a noção de que todos estes três pólos são construções em aberto, desloque a aliança estratégica para o lado do público e do cooperativo. As modalidades dessa redefinição de alianças podem ir da simples cedência de espaços públicos até outras mais entrosadas, como por exemplo a extensão dos âmbitos de actividade em que se ensaiam formas económicas não-mercantis e em que se beneficia mutuamente de economias de escala.


A constituição desta aliança, mais ou menos formal, fará com que o campo do público e da cidadania tenha mais condições para disputar ao privado o conjunto de valores, práticas e finalidades que projecta para a sociedade. Talvez seja dos contágios entre racionalidades de serviço público, participação democrática, organização cooperativa, não desbaratamento de recursos com a exploração e o lucro, e prossecução de objectivos de sustentabilidade ecológica e de bem-estar social que possam vir a surgir alianças duradouras entre o Estado e as organizações de cidadãos − movimentos, associativismo, economia social − que fortaleçam ambos em detrimento dos interesses privados. 

Ocupar este espaço do comum é uma forma de romper com o consenso neoliberal assente no pensamento único, na prática única. É, certamente, uma forma de reapropriação do futuro.



Le Monde diplomatique - edição portuguesa
por Sandra Monteirosexta-feira 4 de Maio de 2012




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Não é menos Estado, mas sim melhor Estado 

Recomendo leitura:

Economia e Política: Uma Abordagem Dialética da Escolha Pública - Uma abordagem dialética da escolha pública


Ao texto publicado no "Le Monde Diplomatique" supra-mencionado, teço o seguinte comentário ou seguintes considerações:

Coloca-se antes demais, não uma questão ideológica, mas a da teoria da escolha pública que ao longo das últimas décadas, a colocou como principal crítica teórica de outra corrente (essa essencialmente económica) que fundamenta a intervenção do Estado na economia — a economia do bem-estar (welfare economics).

Enquanto esta se centrava na análise dos «fracassos de mercado» que justificavam a intervenção correctora do Estado, a teoria da 
escolha pública veio clarificar os «fracassos do governo» e os limites da intervenção desse mesmo Estado.

Naturalmente a public choice foi aproveitada ideologicamente por todos aqueles que defendem uma menor intervenção 
do Estado na economia, em particular pelos neoliberais. Contudo, a teoria da escolha pública não deve ser confundida com o pensamento neoliberal. A pergunta é ambígua, pois a teoria da escolha pública é um programa de investigação (no sentido utilizado por Lakatos) e o neoliberalismo é uma ideologia.
A teoria da escolha pública é usualmente definida como a aplicação do método económico a problemas que geralmente são estudados no âmbito da ciência política: grupos de interesse, sistemas eleitorais, partidos políticos e a constituição, entre outros. Este método é aquele que tem sido utilizado com algum sucesso na microeconomia: o individualismo metodológico.

Este método assenta, em primeiro lugar, em que a unidade base de análise é o indivíduo, ou seja, que só este é sujeito de acções individuais ou colectivas e só ele tem preferências, valores, motivações. Neste sentido, grupos, organizações ou instituições privadas ou públicas são sempre um conjunto de indivíduos, não existindo nenhuma concepção orgânica «acima»
desses indivíduos que seja observável e analisável.

A postura metodológica individualista resulta de que para muitos economistas é a única operacional, ou seja, mesmo que, por hipótese, se aceite a existência de entidades orgânicas supra-individuais com vontade própria (grupos, povos, sociedades), torna-se impossível determinar qual seria essa vontade. A incapacidade de a conhecermos não pode logicamente levar à negação dessas entidades, mas leva muitos economistas a adoptarem a posição de que qualquer análise deve basear-se numa postura metodológica individualista.

A abordagem da teoria da escolha pública é sobretudo processual, cada escolha colectiva, no processo político, é resultado das preferências dos agentes envolvidos na escolha (cidadãos num referendo, autarcas numa câmara municipal, deputados no parlamento) e das regras e procedimentos que permitem passar de preferências diversas de cada indivíduo para uma única escolha 
colectiva.
Um segundo elemento do individualismo metodológico é o postulado de que os indivíduos são instrumentalmente racionais, ou seja, que são capazes de escolher acções apropriadas para os objectivos que pretendem alcançar.

Se se considerasse que certas vezes os indivíduos são racionais e outras irracionais, qualquer análise que se pretendesse fazer previsão seria votada ao fracasso.

Finalmente, existe um terceiro elemento que muitas vezes vem sendo confundido com o de racionalidade, mas que convém distinguir, que é o de os indivíduos serem egoístas, ou seja, cuidarem essencialmente dos seus interesses pessoais.

Egoísmo e racionalidade nas escolhas são os principais atributos do homo oeconomicus.

Da mesma forma que há várias noções de racionalidade, há também diversas formas de entender o postulado motivacional do egoísmo. Uma delas, defendida por Stigler, pode ser posta nos seguintes termos: as pessoas são basicamente egoístas, o que não exclui a possibilidade de poderem ser em certas ocasiões altruístas, mas, quando em
situação de conflito interno entre duas acções que se excluem mutuamente, optarão pela egoísta.

Outra abordagem é defender o egoísmo como motivação fundamental da conduta, baseado numa perspectiva evolucionista de que num ambiente competitivo, os indivíduos adoptando motivações egoístas têm uma maior probabilidade de sucesso (real ou aparente) e isso leva a que indivíduos com outras motivações sintam um efeito de emulação e adoptem atitudes egoístas. Neste caso não se trata de uma perspectiva ontológica (ser egoísta), mas sim do 
resultado de um processo de evolução num determinado ambiente (tornar-se egoísta).
Dito por outras palavras, parece existir uma inconsistência em assumir que os agentes, quando actuam nos mercados privados, são egoístas, mas, quando actuam no «mercado» político, são altruístas e prosseguem o «interesse público». Esta tem sido a posição defendida por Buchanan em vários escritos que sustentam a sua abordagem da política «sem romance», onde defende que é necessário manter os mesmos postulados em relação à conduta humana, independentemente do contexto institucional.

Modelizar os agentes no processo político como egoístas é, na perspectiva de Buchanan, uma atitude de precaução. Ao pensar o sistema político do ponto de vista de que os indivíduos poderão querer utilizar o sistema em proveito próprio, leva a pensar em regras, procedimentos e instituições que evitem os piores abusos de poder e outras tentações políticas.


Neste sentido, o modelo pioneiro da Constituição americana, com a separação de poderes entre o executivo, o legislativo e o sistema judicial e as limitações constitucionais ao poder do executivo, baseou-se precisamente nos checks and balances necessários para que nenhuns indivíduos, numa qualquer instituição, possam estar numa situação de abuso de poder.
A versão «moderna» da democracia é mais simples e pragmática: trata-se apenas de um processo pelo qual certos indivíduos adquirem poder de decidir em nome de outrem através de um processo de competição pelo voto.
Pode-se dizer que está introduzida a ideia de que a democracia, o processo político democrático, pode ser analisado como um mercado competitivo, onde os agentes que nele actuam (políticos, cidadãos, funcionários públicos) têm basicamente motivações egoístas, onde, por exemplo, se assume que os políticos pretendem maximizar os votos.

Este postulado é por vezes criticado na base de que a motivação fundamental dos políticos é servir o «bem comum» e não maximizar votos. Há dois tipos de argumentos para defender o postulado da maximização dos votos. Em primeiro lugar, um político (ou um partido) que queira efectivamente implementar a sua noção de «bem comum» terá, antes de mais, de ser eleito 
e, portanto, deverá maximizar os votos com esse fim. Por outro lado, não há necessariamente contradição entre servir o interesse comum e maximizar votos.


De facto, o objectivo egoísta da maximização de votos está a servir a vontade da maioria (ou da maior minoria) numa forma semelhante à «mão invisível» de Adam Smith, onde o objectivo egoísta de maximização de lucros leva (em mercados competitivos) ao bem-estar colectivo.
Como em qualquer mercado privado, a competição política não é perfeita, mas em todo o caso em democracia existe sempre um certo grau de competição pelo voto do povo.
Este processo competitivo desenvolve-se não só no «mercado» político formal, o do voto nas eleições, como também no mercado
político informal, onde competem grupos de interesse.
A teoria da escolha pública veio clarificar os problemas inerentes à tomada de decisão colectiva e pôr a nú alguns problemas que hoje identificamos como os «fracassos do governo», ou melhor, do sector público e do sistema político: ineficiência da administração pública, ausência de incentivos, problemas com obtenção de informação acerca das preferências dos cidadãos, 
rigidez institucional, permeabilidade à actuação de lobbies, financiamento ilegal de partidos políticos, etc.


Esta visão mais realista do processo político, de certa forma, tem alterado um pouco o ideal democrático, e tem mostrado 
que eventualmente as aspirações desse ideal estavam demasiado elevadas em relação àquilo que o método democrático permite.


Na perspectiva da teoria da escolha pública, trata-se de comparar os «fracassos do governo» com os «fracassos do mercado», ou seja, perceber que, quer o mercado, quer o sector público, são instituições imperfeitas de afectar os recursos, e como tal o objectivo da análise é desenvolver uma análise institucional comparada, para que se consiga diminuir e clarificar estas imperfeições.
É preciso não confundir a teoria da escolha pública com a vulgarização neoliberal, que, naturalmente, utilizou os argumentos desenvolvidos no âmbito da teoria para reforçar a sua posição ideológica de apoiar o desenvolvimento dos mercados, com cada vez menos restrições de qualquer natureza, e ao mesmo tempo defender a redução da intervenção do Estado na economia.

O reducionismo ideológico é precisamente a redução, com um objectivo de persuasão política, de problemas que são por natureza pluridimensionais a uma única dimensão. Essa única dimensão é geralmente identificada, no espaço ideológico unidimensional, com a oposição: mais Estado versus mais mercado, e esta última opção é geralmente defendida pelos autores neoliberais.

É natural que, no contexto redutor desta oposição ideológica, os argumentos desenvolvidos no âmbito da teoria da escolha pública tenham sido utilizados pelos defensores de um maior papel para os mercados. Contudo, da mesma maneira que é falacioso o argumento (utilizado pelos economistas do bem-estar) de que a existência de «fracassos de mercado» leva logicamente a concluir que a intervenção governamental é necessária e superior, também é falacioso o argumento de que os «fracassos do governo»
indicam, por si só, que o alargamento dos mercados terá efeitos benéficos.

Qualquer generalização é abusiva e a tarefa, eventualmente árdua, da análise institucional comparada é precisamente a de estudar, caso a caso, as vantagens e as limitações de cada arranjo institucional.

Aquilo que a teoria da escolha pública aponta não é para menos Estado, mas sim para melhor Estado, sendo um aspecto amplamente consensual.
Facilmente entendível, a dificuldade crescente que um governo tem (qualquer que ele seja) em implementar as políticas que considera as mais correctas para o país e sobretudo as reformas que são necessárias (na educação, na saúde, na segurança social, no sistema fiscal, etc) serem implementadas mesmo que por via de um recurso de ajuda financeira internacional, obrigando a perdas de soberania nessas mesmas políticas nacionais, visando colmatar políticas reestruturativas, muitas das quais, medidas impopulares, das que não captam votos, por isso, tendo sido evitadas por sucessivos governos.

Para além das consequências imediatas na relativa incapacidade de resolver certos problemas, existe um outro problema sério: a desconfiança crescente que muitos cidadãos vão tendo em relação à capacidade das instituições democráticas, em resolver os seus problemas, por outras palavras, um certo descrédito na democracia, que se manifesta, entre outros factos, no alheamento crescente do exercício da cidadania, e simultaneamente em crescentes radicalicazações, notoriamente elucidativos pelos recentes acontecimentos nalguns países da União Europeia.


TITO COLAÇO
17.05.12