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sexta-feira, 25 de maio de 2012

O genial Almada Negreiros (1893 - 1970) - Pintor e Poeta


O genial Almada Negreiros, conhecido como «Mestre Almada»




Artista e escritor polifacetado, José de Almada-Negreiros nasceu a 7 de abril de 1893, em S. Tomé e Príncipe, e morreu a 15 de junho de 1970, em Lisboa.







"ROSA DOS VENTOS"

http://www.truca.pt/ouro/s_outros/almada_negreiros_rosa_dos_ventos.mp3


Não foi por acaso que o meu sangue veio do sul
se cruzou com o meu sangue que veio do norte
não foi por acaso que o meu sangue que veio do oriente
encontrou o meu sangue que estava no ocidente
não foi por acaso nada do que hoje sou
desde há muitos séculos se sabia
que eu havia de ser aquele onde se juntariam todos os sangues da terra
e por isso me estimaram através da História
ansiosos por este meu resultado que até hoje foi sempre futuro.
E aqui me tendes hoje
incapaz de não amar a todos
um por um
que todos são meus e me pertencem
e por isso mesmo lhes não perdoo faltas de amor!
Mas porque maldição me não entendem
se eu os entendo a todos?
Eu sei, eu sei porquê:
Falta-lhes a eles terem, como eu, a correr-lhes pelas veias todos os sangues da terra.
A lei é clara: ninguém ama senão os seus.
E os meus são os de todos os sangues da terra
mas, ó maldição que pesa sobre mim,
cada um dos sangues da terra não me inclui entre os seus!
Não pertenço a nenhum sangue de raça
sou da raça de todos os sangues,
o meu amor não tem condições que excluam criaturas
não é amor natural
é amor buscado por boas mãos
desde o primeiro dia das boas mãos
através de tempos desiguais e de estilos que se contradizem
com os olhos no futuro melhor
e a esperança convicta de que se ainda hoje não são todos como eu
é questão apenas de a humanidade viver outra vez
tanto como viveu até hoje,
ou de mais ainda,
é questão de mais tempo,
ainda mais tempo,
é o tempo que há-de fazer
o que apenas se pode atrasar,
Entretanto deixai que se convençam
aquelas experiências que ainda não se tinham feito
e ainda tão longe do realismo da redondeza da terra!
Entretanto deixai que os números se espantem
de que a totalidade seja sempre ainda mais pr'além!
Deixai os números instruir-se da verdadeira capacidade do infinito
deixai que a ciência prossiga em sua loucura galopante
explicando todas as suas falhas com desculpas geniais
enquanto não esgota a sua especialidade,
a especialidade de nos meter a todos nela,
o que é um estilo
um estilo mais
e não o último
porque nenhum estilo é o último senão a liberdade!
Deixai que milhões se juntem para formar uma força
enquanto outros isolados se reconheçam o bastante para ter a liberdade,
deixai-os a ambos que nada os deterá,
eles são duas metamorfoses minhas
das quais mais conservo uma vaga memória.
Tal qual eles agora, eu já estive num e noutros antigamente,
quando na História
nos altos e baixos da minha ascendência
tomei também cada metamorfose minha
por minha definitiva realidade.
Deixai primeiro que o sangue deles
leve tanto tempo a dar a volta ao mundo
como o que levou o meu sangue ou a História do Homem.
Deixai que a natureza consinta ainda em parcialidades que o tempo consente temporariamente.
Deixai que o ardente desejo de totalidade, não possa ainda funciona
senão pelo meio ou pelas pontas.
Deixai que cada especialidade acabe de vez com a sua impertinência Deixai que os sangues mais intactos morram por isolamento
ou espalhem morte e terror com o verdadeiro medo a certeza de acabar.
Deixai que a Democracia e a Aristocracia
se cansem de não caber isoladas em parte nenhuma
já que não cabem juntas no nosso entendimento.
Deixai que Uma e Outra esgotem todos os quadriláteros onde a Democracia não cabe
e, por conseguinte, a Aristocracia não sai.
Deixai sumir-se até ao fim a confusão de Nobreza e Fidalguia com
Aristocracia.
Deixai que a Democracia repare que é um corpo sem cabeça
e que a Aristocracia uma cabeça sem corpo.
E é o corpo que há-de buscar a cabeça
ou a cabeça que há-de buscar o corpo?
Esperai que venha esta resposta.
Entretanto deixai que a liberdade também esteja à espera desta resposta.
Deixai que se expliquem por si coisas terrenas que nada mais ultrapassem do que o nosso entendimento
condenado a acreditar nos sentidos
mais do que em todo o trajecto desde o princípio do mundo até hoje.


 Da autoria de Almada Negreiros:  Famoso retrato de FERNANDO PESSOA


"ODE A FERNANDO PESSOA"

Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.
De verdade, e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre depois da idade
e tu quiseste acertar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era de hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhado por ti.
Tu sonhaste a continuação do sonho português
somados todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho predisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
E Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho
a bandeira de Portugal
vertical
sem pender para nenhum lado
o que não é dado pra portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
Nesta nossa querida terra onde ninguém a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é maneira de acabar com partidos
e de ficar talvez o partido de Portugal
mas não ainda talvez Portugal!

Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.


Almada Negreiros



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