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quinta-feira, 15 de março de 2012


"Singing in the rain", a balada da justiça e da política.

  

A inquisição geral que a opção pela judicialização da política pressupõe atingiria,
por certo, muitos dos que a reclamam .


A notícia do julgamento do antigo primeiro-ministro da Islândia desenvolveu, entre nós, uma corrente favorável a uma judicialização radical da vida política.

Não sabemos ainda por que crimes responde, afinal, o ministro islandês.

Se responder por crimes previamente tipificados na lei, isso só pode ser considerado normal num Estado de direito.

Se o julgamento se dirige, porém, a uma avaliação judicial abstracta das opções políticas tomadas, já o caso se nos afigura mais problemático.

Para o cidadão afobado pela miséria recente, tal ideia pode, contudo, fazer sentido.

É, com efeito, incompreensível que os que mais contribuíram para a situação actual possam continuar, invisíveis e irresponsáveis, a cantarolar entre as gotas de uma chuva que, aliás, teima em não cair.

Os riscos para a justiça de uma criminalização radical das opções e práticas políticas dominantes ao longo de anos não são, porém, desconhecidos e imprevisíveis.

A regulamentação económica e financeira e a própria lei penal espelham hoje condutas e comportamentos mal delimitados.

A desestatização preconizada pela ortodoxia liberal pressupõe, em muitos casos, uma contratualização pública de serviços onerosa e mal determinada.

As leis com incidência financeira incorporam, cada vez mais, conceitos técnicos de difícil tradução jurídica e, além disso, em permanente mutação conceptual, doutrinária e jurisprudencial.

Um jurista que hoje leia, por exemplo, o novo Código da Contratação Pública perceberá do que estou a falar. O cidadão comum nem mesmo o sistema do código entenderá.

A inquisição geral que a opção pela judicialização da política pressupõe atingiria, por certo, muitos dos que a reclamam. Limitar-lhe o alcance passaria, de imediato, a ser o seu objectivo, o que, conseguido, a tornaria judicial e politicamente ilegítima.

Devido à complexidade do ordenamento jurídico, avultaria a dificuldade prática de se atribuírem aos verdadeiros infractores as mais ardilosas e lucrativas malfeitorias apuradas, o que impediria a sua punição pelos tribunais.

Investigações bloqueadas, julgamentos de ideias e não de factos criminais, absolvições deslegitimadoras do papel dos tribunais seriam o resultado de tal aventura.

Os magistrados depressa passariam de justos a justiceiros e porventura a réus, enquanto os responsáveis pelo actual estado de coisas assumiriam o simpático papel de vítimas e ofendidos.

O caso Garzón é disso um precedente.

Dada a gravidade da situação, exigem--se e são possíveis decisões. Antes do mais, medidas políticas.

Opte-se, de novo, por um rigoroso controlo jurídico-administrativo e económico-financeiro das despesas públicas.

Alargue-se a obrigação de concurso para os contratos públicos.

Obriguem-se os ordenadores da despesa a decidir baseados em pareceres de técnicos estatais especializados e de carreira, que possam por eles ser também responsabilizados.

Prescinda-se em regra das consultorias em outsourcing a gabinetes jurídicos, económicos, técnicos e artísticos privados, muitos com interesse directo ou indirecto na concretização dos negócios que aconselham.

Diminuem-se os danos e os gastos, impede-se a deslegitimação do Estado de direito e encontra-se, afinal, uma base efectiva e eficaz para a responsabilização judicial dos que tiverem agido culposamente contra as finanças públicas e o bem comum.

A justiça julgará os crimes; os cidadãos, os maus políticos.




Por António Cluny, publicado em  iInformação  13 Mar 2012 
António Cluny





Jurista e presidente da MEDEL     



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Faço minhas, as palavras do Dr. António Cluny.
A responsabilização e a co-responsabilização judicial de todos os intervenientes políticos, nas suas acções e gestões, seriam a chave-mestre para a transparência e boa saúde para o bom funcionamento da nossa democracia!

TITO COLAÇO
14.03.12

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