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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Fragmento do Homem...




Fragmento do Homem...
Fragmento do Homem...

Fragmento do Homem...




























Fragmento do Homem



Que tempo é o nosso? 
Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. 
A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. 
Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? 
Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida? 
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! 
Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão. 



Eugénio de Andrade
"Os afluentes do silêncio"


































TITO COLAÇO
03__September__2013








Fragmento do Homem...

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