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sábado, 30 de agosto de 2014

Only time...

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|Only time...|
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"Sócrates: Diz-me: Cada um dos sentidos por meio dos quais tu percebes o quente, o duro, o mole, o doce, não o atribuis ao corpo? Ou relaciona-lo com qualquer outra coisa?

Teeteto: Com nenhuma outra coisa.

Sócrates: Concordas em que aquilo que percebes por meio de uma faculdade te é imperceptível por meio de outra? Que a percepção que tens pelo ouvido não podes tê-la pela vista, que a que tens pela vista não podes ter pelo ouvido?
Teeteto: Como podia eu recusar isso?
Sócrates: Se o teu pensamento concebe alguma coisa que pertença às duas percepções simultaneamente, não era pela via do primeiro destes dois órgãos nem pela via do segundo que poderias obter essa percepção comum.

Teeteto: Certamente que não.

Sócrates: Assim, relativamente ao som e à cor, esse primeiro carácter comum é apreendido pelo teu pensamento como os dois são?

Teeteto: Certamente.

Sócrates: E também que cada um é diferente do outro, mas idêntico a si próprio?

Teeteto: Como é isso?

Sócrates: Que no conjunto são dois, e que cada um é um?
Teeteto: É verdade.

Sócrates: És capaz de examinar a sua dissemelhança ou semelhança mútua?

Teeteto: Talvez.

Sócrates: E qual será o meio por que tudo isso te vem ao pensamento? Nem pela vista, nem pelo ouvido pode ser apreendido o que neles há em comum. [...] Mas por qual instrumento se exerce a faculdade que te revelará o que há de comum nesses sensíveis como ao resto, e que tu designas por «é» ou «não é» e por todos os outros termos enumerados, a seu respeito, nas nossas últimas questões? Que órgãos impressionarão esses comuns e que servirão de meio para perceber cada um deles o que é que em nós percebe?

Teeteto: Tu queres falar do ser e do não ser, da semelhança e da dissemelhança, da identidade e da diferença, da unidade, enfim... Por tudo isso tu perguntas por meio de que órgão corpóreo nós temos, pela alma, a percepção.

Sócrates: Tu percebes maravilhosamente, Teeteto, é exactamente isso que pergunto.

Teeteto: Mas por Zeus, Sócrates, eu não podia encontrar resposta, senão que em minha opinião a primeira coisa a dizer é que os comuns não têm como os sensíveis órgão próprio. É a própria alma que por si me parece fazer, em todos os objectivos, este exame dos comuns.

Sócrates: Tu és belo, Teeteto.....Tu não és somente belo, mas bondoso para mim, pela abundância dos argumentos com que me respondes, se te parece, na verdade, que certas observações a alma as faz a ela própria e pela sua própria via que as outras são o resultado das faculdades do corpo. Era essa, com efeito, a minha própria maneira de pensar; mas eu desejava que tu lá chegasses por ti próprio.
Teeteto:
Mas é assim que a coisa me parece.
Sócrates: Em que plano pões então o ser? Porque é ele que tem maior extensão.

Teeteto: Coloco-o no número dos objectos que a alma se esforça por atingir por si própria e sem intermediário.

Sócrates: O semelhante também e o dissemelhante e o idêntico e o diferente?

Teeteto: Sim.
Sócrates: E o belo, o feio, o bem e o mal?

Teeteto: É de tais determinações, sobretudo, que a alma me parece examinar o ser, comparando-os mutuamente quando coloca na balança, no seu cálculo interior, passado, presente e futuro.

Sócrates: Pára aí. A dureza do duro não será sentida pelo tacto, o mesmo acontecendo com a moleza do mole?

Teeteto: Sim.

Sócrates: Mas sobre o seu ser, a dualidade do seu ser, a sua mútua oposição, é a própria alma que, num retorno frequente sobre cada um e por meio do seu confronto mútuo, experimenta tirar deles um juízo.

Teeteto: Perfeitamente.

Sócrates: Então, logo após o nascimento os homens e os animais têm o poder da sensação para todas as impressões que, pelo canal do corpo, caminham para a alma. Mas os raciocínios, que confrontam essas impressões nas suas relações com o ser e o útil, é pelo esforço e com o tempo, ao preço de um múltiplo labor e de uma longa aprendizagem, que chegam a formar-se naqueles em que se formam.

Teeteto: Absolutamente.

Sócrates: Aquele que não atinge o ser pode atingir a verdade?

Teeteto: Impossível.

Sócrates: E poderá alguma vez haver ciência onde se não atinge a verdade?

Teeteto: Como é que poderia, Sócrates?

Sócrates: Não é então nas impressões que reside a ciência, mas nos raciocínios sobre as impressões, porque o ser e a verdade, parece-me, podem atingir-se pelo raciocínio e não pelas impressões.

Teeteto: Com verosimilhança. E assim, está provado o mais manifestamente possível que a ciência é diferente da sensação."



Platão 
"Teeteto" 
pp. 184e-186e











 






































"Dizer que há verdades impressas na alma, que a alma não apercebe ou não entende, é, parece-me, uma espécie de contradição, pois a acção de imprimir não designa outra coisa senão fazer aperceber certas verdades. 

(...) 

Dizer que uma noção está gravada na alma e sustentar ao mesmo tempo que a alma não a a conhece e que não teve ainda nenhum conhecimento dela, é fazer desta impressão um puro nada. 
Não se pode de todo assegurar que uma certa proposição esteja no espírito , quando o espírito ainda não a apercebeu nem descobriu nenhuma ideia em si próprio. 

(...) 

E assim esta grande questão reduzir-se-á unicamente a dizer que aqueles que falam de princípios inatos falam muito impropriamente, mas que no fundo eles crêem na mesma coisa que os que negam que os haja, porque não penso que alguém tenha alguma vez negado que a alma fosse capaz de conhecer várias verdades. 
É esta capacidade, diz-se, que é inata, e é o conhecimento de tal ou tal verdade que se deve chamar adquirida. 
Mas se é isso tudo o que se pretende, para quê o entusiasmo em manter que há certas máximas inatas ? 

(...) 

Admitamos, pois, que, na origem, a alma é como que uma tábua rasa, sem quaisquer caracteres, vazia de qualquer ideia. 
Como é que adquire ideias? 
Por que meio recebe essa imensa quantidade que a imaginação do homem, sempre activa e ilimitada, lhe apresenta com uma variedade quase infinita? 
Aonde vai ela buscar todos esses materiais que fundamentam os seus raciocínios e os seus conhecimentos? 
Respondo com uma palavra: à experiência. 
É essa a base de todos os nossos conhecimentos e é nela que assenta a sua origem. 
As observações que fazemos no que se refere a objectos exteriores e sensíveis ou as que dizem respeito às operações interiores da nossa alma, que nós apercebemos e sobre as quais reflectimos, dão ao espírito os materiais dos seus pensamentos. 
São essas as duas fontes em que se baseiam todas as ideias que, de um ponto de vista natural, possuímos ou podemos vir a possuir.
E primeiramente, sendo os sentidos excitados por certos objectos exteriores, fazem entrar na alma várias percepções distintas das coisas, segundo as diversas maneiras por que estes objectos agem sobre os nossos sentidos. 
É assim que adquirimos as ideias que temos do branco, do amarelo, do quente, do frio, do duro, do mole, do doce, do amargo, e de tudo o que denominamos qualidades sensíveis. 
Direi que os nossos sentidos fazem entrar todas estas ideias na nossa alma, pelo que me parece que eles fazem entrar objectos exteriores na lama, o que produz nela estas espécies de percepções. 
E como esta grande fonte da maior parte das ideias que nós temos depende inteiramente dos sentidos e por meio deles se comunica ao entendimento, chamo-a sensação.
A outra fonte de que o entendimento vem a receber ideias é a percepção das operações da nossa alma sobre as ideias que recebeu dos sentidos : operações que, tornando-se o objecto das reflexões da alma, produzem no entendimento uma outra espécie de ideias, que os objectos exteriores não poderiam ter-lhe fornecido : tais são as ideias do que chamamos aperceber, pensar, duvidar, crer, raciocinar, conhecer, querer e todas as diferentes acções da alma. 

(...) 

Chamarei a esta fonte (do nosso conhecimento) reflexão, porque por seu intermédio a alma não recebe senão as ideias que adquire reflectindo sobre as suas próprias operações.
O entendimento não me parece ter absolutamente nenhuma ideia que lhe não venha de uma destas duas fontes... 

(...), embora talvez combinadas e aumentadas pelo entendimento, com uma variedade infinita."


John Locke
"Ensaio sobre o entendimento humano"



















TITO COLAÇO
XXX ___ VIII ___ MMXIV








sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A pluralidade humana...




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|    A pluralidade humana...    |
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    A pluralidade humana    

A pluridade humana, condição básica da acção e do discurso, tem o duplo aspecto da igualdade e diferença. 
Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus antepassados, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. 
Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da acção para se fazerem entender. Com simples sinais e sons poderiam comunicar as suas necessidades imediatas e idênticas.
Ser diferente não equivale a ser outro, ou seja, não equivale a possuir essa curiosa qualidade de "alteridade", comum a tudo o que existe e que, para a filosofia medieval, é uma das quatro características básicas e universais que transcendem todas as qualidades particulares. 
A alteridade é, sem dúvida, um aspecto importante da pluralidade, é a razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem a distinguir de outra. 
Na sua forma mais abstracta, a alteridade está apenas presente na mera multiplicação de objectos inorgânicos, ao passo que toda a vida orgânica já exibe variações e diferenças, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. 
Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se, só ele é capaz de se comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa, como sede, fome, afecto, hostilidade ou medo. 
No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidades e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade dos seres singulares. 


(...)



 Bondade e sabedoria devem ser inocentes 

Quando a bondade se mostra abertamente já não é bondade, embora possa ainda ser útil como caridade organizada ou como acto de solidariedade. 
Daí: "Não dês as tuas esmolas diante dos homens, para seres visto por eles". 
Bondade só pode existir quando não é percebida, nem mesmo por aquele que a faz, quem quer que se veja a si mesmo no acto de fazer uma boa obra deixa de ser bom, será, no máximo, um membro útil da sociedade ou zeloso membro de uma igreja. Daí: "Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita."

(...) 

O amor à sabedoria e o amor à bondade, que se resolvem nas actividades de filosofar e de praticar boas acções, têm em comum o facto de que cessam imediatamente, cancelam-se, por assim dizer, sempre que se presume que o homem pode ser sábio ou ser bom. 
Sempre houve tentativas de dar vida ao que jamais pode sobreviver ao momento fugaz do próprio acto, e todas elas levaram ao absurdo.



Hannah Arendt
"A condição humana"
























  O eterno é a própria vida  

Segundo a expressão de Lavelle, a morte dá "a todos os acontecimentos que a precederam esta marca do absoluto que nunca possuiriam se não viessem a interromper-se". 
O absoluto habita em cada uma das nossas empresas, na medida em que cada uma se realiza de uma vez para sempre e não será nunca recomeçada. 
Entra na nossa vida através da sua própria temporalidade. 
Assim o eterno torna-se fluido e reflui do fim ao coração da vida. 
A morte já não é a verdade da vida, a vida já não é a espera do momento em que a nossa essência será alterada. 
O que há sempre de incoactivo, de incompleto e de constrangedor no presente não é já um sinal de menor realidade.
Mas então a verdade de um ser já não é aquilo em que se tornou no fim ou a sua essência, mas o seu devir activo ou a sua existência. 
E se, como Lavelle dizia em tempos, nos julgamos mais perto dos mortos que amámos do que dos vivos, é porque já nos não põem em dúvida e daqui para o futuro podemos sonhá-los a nosso gosto. 
Esta piedade é quase ímpia. 
A única recordação que lhes diz respeito é a que se refere ao uso que faziam de si próprios e do seu mundo, o acento da sua liberdade na incompletude da vida. 
O mesmo frágil princípio faz-nos viver e dá ao que fazemos um sentido inesgotável. 


Maurice Merleau-Ponty
"O elogio da filosofia"




























TITO COLAÇO
XXIX ___ VIII ___ MMXIV











quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Alteri ne facias quod tibi fieri non vis…

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Alteri ne facias quod tibi fieri non vis…
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  O dever para nós próprios  


Influenciar uma pessoa é dar-lhe a nossa própria alma. 
O indivíduo deixa de pensar com os seus próprios pensamentos ou de arder com as suas próprias paixões. 
As suas virtudes não lhe são naturais. 
Os seus pecados, se é que existe tal coisa, são tomados de empréstimo. 
Torna-se o eco de uma música alheia, o actor de um papel que não foi escrito para ele. 
O objectivo da vida é o desenvolvimento próprio, a total percepção da própria natureza, é para isso que cada um de nós vem ao mundo. 
Hoje em dia as pessoas têm medo de si próprias. Esqueceram o maior de todos os deveres, o dever para consigo mesmos. 
É verdade que são caridosas. Alimentam os esfomeados e vestem os pobres. 
Mas as suas próprias almas morrem de fome e estão nuas. 
A coragem desapareceu da nossa raça e se calhar nunca a tivemos realmente. 
O temor à sociedade, que é a base da moal, e o temor a Deus, que é o segredo da religião, são as duas coisas que nos governam. 


Oscar Wilde
"O retrato de Dorian Gray"

























    Não tenhas medo do passado    



















Não tenhas medo do passado. Se as pessoas te disserem que ele é irrevogável, não acredites nelas. 
O passado, o presente e o futuro não são mais do que um momento na perspectiva de Deus, a perspectiva na qual deveríamos tentar viver. 
O tempo e o espaço, a sucessão e a extensão, são meras condições acidentais do pensamento. 
A imaginação pode transcendê-las, e mais, numa esfera livre de existências ideais. Também as coisas são na sua essência aquilo em que decidimos torná-las. 
Uma coisa é segundo o modo como olhamos para ela. 


Oscar Wilde
"De profundis"






































 TITO COLAÇO 
XXVIII ___ VIII ___ MMXIV