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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A pluralidade humana...




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|    A pluralidade humana...    |
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    A pluralidade humana    

A pluridade humana, condição básica da acção e do discurso, tem o duplo aspecto da igualdade e diferença. 
Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus antepassados, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. 
Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da acção para se fazerem entender. Com simples sinais e sons poderiam comunicar as suas necessidades imediatas e idênticas.
Ser diferente não equivale a ser outro, ou seja, não equivale a possuir essa curiosa qualidade de "alteridade", comum a tudo o que existe e que, para a filosofia medieval, é uma das quatro características básicas e universais que transcendem todas as qualidades particulares. 
A alteridade é, sem dúvida, um aspecto importante da pluralidade, é a razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem a distinguir de outra. 
Na sua forma mais abstracta, a alteridade está apenas presente na mera multiplicação de objectos inorgânicos, ao passo que toda a vida orgânica já exibe variações e diferenças, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. 
Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se, só ele é capaz de se comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa, como sede, fome, afecto, hostilidade ou medo. 
No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidades e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade dos seres singulares. 


(...)



 Bondade e sabedoria devem ser inocentes 

Quando a bondade se mostra abertamente já não é bondade, embora possa ainda ser útil como caridade organizada ou como acto de solidariedade. 
Daí: "Não dês as tuas esmolas diante dos homens, para seres visto por eles". 
Bondade só pode existir quando não é percebida, nem mesmo por aquele que a faz, quem quer que se veja a si mesmo no acto de fazer uma boa obra deixa de ser bom, será, no máximo, um membro útil da sociedade ou zeloso membro de uma igreja. Daí: "Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita."

(...) 

O amor à sabedoria e o amor à bondade, que se resolvem nas actividades de filosofar e de praticar boas acções, têm em comum o facto de que cessam imediatamente, cancelam-se, por assim dizer, sempre que se presume que o homem pode ser sábio ou ser bom. 
Sempre houve tentativas de dar vida ao que jamais pode sobreviver ao momento fugaz do próprio acto, e todas elas levaram ao absurdo.



Hannah Arendt
"A condição humana"
























  O eterno é a própria vida  

Segundo a expressão de Lavelle, a morte dá "a todos os acontecimentos que a precederam esta marca do absoluto que nunca possuiriam se não viessem a interromper-se". 
O absoluto habita em cada uma das nossas empresas, na medida em que cada uma se realiza de uma vez para sempre e não será nunca recomeçada. 
Entra na nossa vida através da sua própria temporalidade. 
Assim o eterno torna-se fluido e reflui do fim ao coração da vida. 
A morte já não é a verdade da vida, a vida já não é a espera do momento em que a nossa essência será alterada. 
O que há sempre de incoactivo, de incompleto e de constrangedor no presente não é já um sinal de menor realidade.
Mas então a verdade de um ser já não é aquilo em que se tornou no fim ou a sua essência, mas o seu devir activo ou a sua existência. 
E se, como Lavelle dizia em tempos, nos julgamos mais perto dos mortos que amámos do que dos vivos, é porque já nos não põem em dúvida e daqui para o futuro podemos sonhá-los a nosso gosto. 
Esta piedade é quase ímpia. 
A única recordação que lhes diz respeito é a que se refere ao uso que faziam de si próprios e do seu mundo, o acento da sua liberdade na incompletude da vida. 
O mesmo frágil princípio faz-nos viver e dá ao que fazemos um sentido inesgotável. 


Maurice Merleau-Ponty
"O elogio da filosofia"




























TITO COLAÇO
XXIX ___ VIII ___ MMXIV











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