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quinta-feira, 24 de março de 2011

Quando se enriquece de forma ilícita
Em Abril de 1974 o poder judicial no nosso país funcionava com um número exíguo de juízes, constituindo o Mº Pº a estrutura judicial que dava início à "caminhada" para se chegar a juiz.

Os agentes do Mº Pº eram nomeados pelo ministro da tutela e os melhores classificados, por norma, tinham por destino serem inspectores da PJ. O baixo número de juízes devia--se, no essencial, ao facto de os tribunais serem vistos não como o garante dos direitos, liberdades e garantias, mas sim e quase exclusivamente como o garante da ordem e do regime.



É assim fácil de constatar que a investigação criminal, da competência exclusiva da PJ, tinha na respectiva direcção agentes do Mº Pº que, por sua vez, eram para aí designados pelo poder executivo. Ou seja, a investigação criminal fugia à direcção de um poder independente do executivo e, desta forma, submetia-se aos seus interesses, fossem eles de natureza administrativa ou política.
Com o verificado aumento acentuado da litigância judicial e com o aprofundamento das regras democráticas, seja por mero pragmatismo ou por razões atinentes ao funcionamento do Estado de Direito, avançou-se para a criação de uma magistratura autónoma (Mº Pº) e paralela à de juiz, não só com a finalidade de poder dar resposta a esse elevado número de processos, como também para afirmar a independência do poder judicial através da existência de uma magistratura autónoma que garantisse uma efectiva separação de poderes, designadamente, no que à investigação criminal dizia respeito. 

Desta forma se começou a fazer o "caminho das pedras", que foi o de o poder judicial deixar de ficar acantonado na investigação e julgamento da pequena e média criminalidade, para passar a competir-lhe com carácter efectivo também a criminalidade mais grave e complexa, como é a relativa aos crimes de natureza económica, independentemente da qualidade da pessoa ou pessoas que nela estivesse envolvida. 


Aprofundou-se a autonomia da investigação criminal, reforçaram-se os seus meios, criaram-se novos tipos de crime de modo a abranger o maior número possível de situações passíveis de serem objecto de incriminação. Hoje, investiga-se e julga-se com resultados a criminalidade do chamado "colarinho branco", embora muitas vezes o que fica é uma sensação de impotência perante obstáculos que vão criando a convicção que de que não se foi até às últimas consequências, de que não se chegou a todos os responsáveis e de que existem impedimentos administrativos que prejudicam as investigações e a procura atempada dos criminosos. 

Criada que está esta convicção é urgente usar de todos os meios jurídicos passíveis de serem incluídos nas regras do Estado de Direito para que a investigação criminal vá verdadeiramente até ao fim, custe o que custar, sendo que a incriminação das situações de enriquecimento ilícito constitui um instrumento fundamental para que tal aconteça. 

Acautelando-se a obrigação de produção da respectiva prova pelo Mº Pº respeita-se a democracia, melhorando a qualidade da investigação criminal e com ela o uso deste instituto jurídico incrementa-se a confiança dos cidadãos na justiça e, por fim, consagrando-se esta situação como crime não só passaremos a ter cidadãos responsáveis mais avisados, como também uma investigação criminal implacável por ser determinada e isenta! 

23/03/2011
Correio da Manhã

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