"Quem dá ao sonho o equilíbrio da realidade, sofre da realidade de sonhar tanto como da realidade da vida e do irreal do sonho como do sentir a vida irreal.
Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho.
Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos."
Fernando Pessoa
"O rio da posse"
“If the teacher takes a real
interest in the child as an individual, the parents will have confidence in
him.
In this process, the teacher is educating the parents as well as himself,
while learning from them in return. Right education is a mutual task demanding
patience, consideration and affection.
Enlightened teachers in an enlightened
community could work out this problem of how to bring up children, and
experiments along these lines should be made on a small scale by interested
teachers and thoughtful parents.”
“You may be a sociologist,
an anthropologist or a scientist, with your specialized mind working away at a
fragment of the whole field of life.
You
are filled with knowledge and words, with capable explanations and
rationalizations.
And perhaps in the future the computer will be able to do all
this infinitely better than you can.
So education may have a different meaning
altogether, not merely transferring what is printed on a page to your brain.
Education may mean opening the doors of perception on to the vast movement of
life.
It may mean learning how to live happily, freely, without hate and
confusion, but in beatitude.
Modern education is blinding us; we learn to fight
each other more and more, to compete, to struggle with each other.
Right
education is surely finding a different way of life, setting the mind free from
its own conditioning.
And perhaps then there can be love which in its action
will bring about true relationship between man and man.”
Jiddu Krishnamurti
"Education and significance of life"
Right education...
"É facto, senhor, que se fizeram experiências em
Inglaterra e noutros países onde as escolas não tinham disciplina de espécie
alguma; permitia-se às crianças fazer o que bem entendiam, sem serem nunca
estorvadas.
Essas escolas não ignoram, naturalmente, que as crianças necessitam
de alguma espécie de disciplina, no sentido de orientação: não com rigorosos
deveres e proibições, mas disciplina consistente em alguma espécie de
advertência, sugestão ou alusão, afim de mostrar as dificuldades. Essa espécie
de disciplina, que de facto é uma orientação, é necessária.
A dificuldade surge quando a disciplina consiste apenas em
submeter a criança a um determinado padrão de acção, pela compulsão, pela
intimidação.
O carácter dessa criança, naturalmente, se deforma, a sua mente se
perverte, por causa da disciplina, por causa dos muitos tabus e restrições que
tem de observar; cresce, assim, a criança, como aconteceu com a maioria de nós,
temeroso e com um sentimento de inferioridade.
Quando a disciplina põe a
criança à força num determinado molde, ela não pode, naturalmente, tomar-se
inteligente mas, sim, um mero produto da disciplina; e como pode essa criança
ser viva, criadora, e por conseguinte tomar-se um homem `integrado´,
inteligente?
É mera máquina de funcionamento uniforme e eficiente, uma
máquina sem inteligência humana.
Assim, a questão da disciplina constitui problema muito
complexo, porquanto pensamos que sem disciplina na vida, cometeremos excessos e
nos tornaremos excessivamente sensuais. É este o único problema com que de
facto nos preocupamos: como não nos tornarmos excessivamente sensuais.
Podeis
ser desregrado em todos os outros sentidos, ambicionar posição, ser ganancioso,
violento, enfim, fazer qualquer coisa, contanto que vos mantenhais dentro de
certos limites, como em relação ao sexo.
É muito estranho, não achais?
É muito estranho que nenhuma religião se oponha
verdadeiramente à exploração, à ganância, à inveja, e todas se interessem pelo
acto sexual, todas manifestem um zelo terrível em relação à moral sexual.
É
muito singular a grande preocupação das religiões organizadas em relação a essa
moral, enquanto as outras coisas podem ter livre expansão. É fácil perceber
porque as religiões organizadas põem o seu principal interesse na moralidade sexual.
Não cuidam do problema da exploração, porque as religiões organizadas dependem
da sociedade e dela vivem, e não ousam por isso atacar a raiz e a base dessa
sociedade; por essa razão, preferem manobrar com a moral sexual.
Embora costumemos falar de disciplina, o que entendemos por
esta palavra? Quando tendes uma classe de cem alunos, necessitareis de
disciplina, de contrário será um caos completo.
Mas se tivésseis cinco ou seis
alunos em cada classe, com uma preceptora inteligente e de coração afectuoso,
capaz de compreensão, estou certo de que não haveria necessidade de disciplina;
ela haveria de compreender cada criança e ajudá-la pela maneira desejada.
A disciplina torna-se necessária nas escolas, quando há um
mestre para cem alunos e alunas, aí não há dúvida nenhuma que é mister ser mais
rigoroso.
Mas essa disciplina nunca produzirá um ser humano inteligente.
E a maioria de nós é simpatizante dos movimentos em massa,
das grandes escolas com milhares de alunos e alunas; não nos interessa a inteligência
criadora e por isso erigimos escolas colossais, com frequências descomunais.
Numa das universidades há, se não me engano, 45.000 estudantes. O que fazer,
senhores, quando se tem de educar todos numa escola tão vasta?
Em tais circunstâncias, naturalmente, é imprescindível a
disciplina. Não sou contrário à educação geral; seria estupidez minha dizer que
o sou.
Sou pela educação adequada, correcta, a que traz inteligência; e isso se
realiza, não pela educação em massa, mas somente pelo dispensar a cada criança
a necessária atenção, estudando-lhe as dificuldades, as idiossincrasias,
tendências, capacidades, velando por ela com afeição, com inteligência.
Só
então há possibilidade de se criar uma nova sociedade.
Conta-se um caso curioso, facto autêntico, de um bispo que
lia a Bíblia para os analfabetos dos mares do Sul, que ficavam encantados
com as narrativas.
Maravilhado com o facto, julgou que seria interessante
voltar à América, angariar dinheiro e fundar escolas em todas as Ilhas dos
Mares do Sul. Assim o fez: angariou muito dinheiro na América, voltou às ilhas
e ensinou o povo a ler.
E o resultado foi que deram para ler publicações cómicas, o
Saturday Evening Post, Look, e outras revistas excitantes e sugestivas!
É exactamente o que estamos a fazer! Outro facto
extraordinário é que, quanto mais o povo lê, tanto menos rebeldia há. Senhores,
já reflectistes sobre quanto veneramos a palavra impressa?
Se o governo emite uma ordem ou dá alguma comunicação, em
letra de forma, aceitamo-la tal e qual, nunca a pomos em dúvida. A palavra
impressa tornou-se sagrada. Quanto mais se ensina o povo, tanto menor a
possibilidade de revolução, o que não significa que eu seja contrário a que se
ensine o povo a ler. Mas cumpre perceber os perigos que isso implica.
Os
governos controlam o povo, dominam-lhe a mente e o coração por meio de astuta
propaganda. Isso acontece não apenas nos países totalitários, mas no mundo inteiro.
O jornal tomou o lugar do pensamento, os cabeçalhos tomaram o lugar da
verdadeira cultura e compreensão.
A dificuldade, por conseguinte, é que na actual estrutura
da sociedade, a disciplina se tornou um factor importante, porque desejamos
educar um grande número de crianças ao mesmo tempo e o mais rapidamente
possível. Educá-las para quê?
Para serem funcionários de bancos ou eficientes
super-vendedores, capitalistas ou comissários. Quando uma pessoa é um
super-homem de alguma espécie, um super-governador, ou um parlamentar muito
subtil no debate, qual o seu mérito?
É provavelmente uma pessoa muito inteligente, recheada de
factos. Ora, qualquer um pode acumular factos; mas nós somos entes humanos e
não máquinas de juntar factos, autómatos objectos da rotina.
Mas, senhores, repito-o, vós não tendes interesse. Ouvis e
sorris uns para os outros, e não fazeis coisa alguma no sentido de modificar
radicalmente o sistema educativo; e, nessas condições, continuará a arrastar a
sua existência até que venha uma revolução monstruosa, que será apenas outro
substituto, com controle muito mais rigoroso, uma vez que os governos
totalitários sabem muito bem moldar as mentes e os corações do povo, aprenderam
o jeito de o fazer.
Essa é a desgraça, essa a nossa lamentável fraqueza:
desejamos que outros façam as alterações, as reformas, desejamos que outros
edifiquem por nós.
Ouvimos e permanecemos inactivos; e quando a revolução logra
êxito e outros indivíduos edificaram uma nova estrutura, e há todas as garantias,
então nos solidarizamos.
Decerto, essa não é uma mentalidade inteligente, criadora:
a nossa mente, em tal caso, só está em busca de segurança, sob forma diferente.
O procurar segurança é um processo estúpido.
Para vos sentirdes seguros,
psicologicamente, precisais da disciplina, e a disciplina garante o resultado,
por ela os entes humanos são convertidos em rotineiros ocupantes de cargos:
funcionários de bancos, comissários, reis ou primeiros-ministros.
Sem dúvida,
esta é a mais alta expressão da estupidez, porque então assim os seres humanos são
simples máquinas.
Vêde o perigo da disciplina: o perigo é que a disciplina
torna-se mais importante do que o ente humano; o padrão de pensamento, o padrão
de acção torna-se muito mais importante do que os indivíduos que a eles são
ajustados.
Continuará a existir a disciplina, inevitavelmente, enquanto o
coração estiver vazio, porque ela é, então, um substituto da afeição.
Como somos em geral áridos, vazios, queremos disciplina. Um
coração afectuoso, um ente humano rico, `integrado´, é livre, não tem
discipliná.
A liberdade não vem por meio da disciplina, não precisamos
submeter-nos a disciplina alguma, para sermos livres.
A liberdade e a
inteligência começam muito perto e não longe de nós; e esta é a razão por
que, para chegarmos longe, precisamos começar inteligentemente, partindo de nós
mesmos."
Jiddu Krishnamurti
"A arte da libertação"
t.
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