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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Fala ( Dra. Maria José Morgado) quem sabe...

Crime e lixo informático

Maria José Morgado - Há mais de trinta anos, quando entrei para o Ministério Público, impressionaram-me as montanhas de papel com que tínhamos que trabalhar. Quase nada mudou passado todo este tempo. Na verdade, o tão proclamado salto tecnológico revelou uma mudança nas nossas secretárias: um computador individual ao lado das resmas e resmas de papel.
Esta é a caixa negra do fracasso das chamadas reformas da justiça: a incapacidade política de construção de uma rede informática da justiça penal, com os custos de todo o processo em papel, da investigação ao julgamento e recurso.

O sistema informático actual é um conjunto de transferências electrónicas de actos de secretaria sem racionalidade, sem memória nem aderência às funções judiciais e do Ministério Público.
É uma manta de retalhos composta hoje por 400 bases de dados atomísticas, correspondentes ao número de tribunais existentes.
Não há base de dados nacional de gestão de inquéritos-crime.
Todas as aplicações informáticas da área crime estão isoladas entre si. O Ministério Público não tem nenhuma plataforma de ligação com as polícias ou com os tribunais e vice-versa.
Não há perfis de segurança. Tudo pode acontecer.
Nos cerca de 23 órgãos de polícia criminal, propagaram-se aplicações informáticas atomísticas, sem nenhuma perspectiva de integração com o Ministério Público ou com os tribunais.

Não é possível fazer notificações automáticas.
Não há acesso directo às bases de dados de informação do Ministério da Justiça.
Este monumental desperdício criminoso comprometeu uma justiça moderna e eficiente.
Há impossibilidade absoluta de análise e tratamento da informação criminal.
Não há mecanismos automáticos de gestão de prazos do processo, de controlo de prazos da prisão preventiva, de controlo dos mandados de detenção, de controlo dos prazos das intercecções telefónicas, etc. A mesma pessoa pode ser detida várias vezes ao abrigo do mesmo mandado de detenção, ou podem ocorrer libertações com existência de mandados de detenção.
Todo o trabalho é realizado de forma manual, arcaica, insegura e de morosidade crónica.
Gastaram-se milhões em sistemas informáticos paralelos, isolados, que obrigam à repetição do registo dos dados cada vez que o processo circula para um serviço distinto.
As aplicações bloqueiam frequentemente, geram irracionalidade na utilização dos recursos humanos, até com desaparecimento de despachos. São mais as horas sem ligação à rede do que com ligação.
Não acreditemos em qualquer reforma da justiça sem resolução deste funcionamento absurdo. Sem compreensão de que este lixo informático mata as ferramentas de trabalho modernas e capazes.
E crucial construir um sistema de informatização da vida do processo-crime que inclua as ligações com as polícias e com os tribunais e com as bases de dados de informação do Ministério da Justiça. Alicerçado nos actos processuais a praticar, feito com a participação dos utilizadores, em vez da habitual fórmula da empresa amiga.
Em maré de desgraça não valerá a pena fazer mais nada na justiça penal sem a resgatar deste lixo informático paralisador.

Maria José Morgado | Expresso | 16.04.2011
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Governo promete substituir “manta de retalhos” do sistema informático da Justiça.

O secretário de Estado da Justiça, José Magalhães, rejeitou, as queixas feitas pela procuradora Maria José Morgado que criticou o sistema informático do sector, classificado pela magistrada como uma “manta de retalhos”.
Numa resposta na sua página online de rede social, o governante diz que o novo sistema informático vai corrigir muitos dos erros denunciados hoje pela procuradora, num texto de opinião no jornal Expresso, que se queixou de “gasto de milhões em sistemas informáticos” que não reduzem a burocracia e o trabalho dos funcionários e magistrados.
Em resposta, José Magalhães recorda que está em conclusão uma “aplicação para a gestão do inquérito-crime” que “vai ser testada no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal] de Lisboa” que é dirigido pela própria Maria José Morgado.

O governante recorda que a aplicação já teve o visto do Tribunal de Contas e “pretende garantir que o sistema nasça e se expanda de forma profissional” por todo o sistema de justiça, com “interacções com as polícias”.
No seu artigo, a procuradora critica a “incapacidade politica de construção de uma rede informática da justiça penal”, com um sistema informático que “é uma manta de retalhos composta por 400 bases de dados atomísticas, correspondentes ao número de tribunais, sem base de dados de gestão de inquéritos-crime, aplicações informáticas isoladas” que “bloqueiam” e “sem possibilidade de fazer notificações automáticas”.
A 28 de Fevereiro deste ano e em resposta a críticas da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o Ministério da Justiça (MJ) já tinha esclarecido que a Aplicação para a Gestão de Inquéritos-Crime (AGIC) está “a ser desenvolvida no sentido de colmatar uma necessidade há muito sentida e referida pelo Ministério Público (MP) de gestão informática dos processos exclusivamente da sua competência”.


Jornal de Notícias | 17.04.2011

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