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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Arbor bona fructus bonos facit...






 Arbor bona fructus bonos facit... 
















  A verdadeira divisão humana...  


Sois vós um daqueles a quem se chama feliz? 
Pois bem, vós estais tristes todos os dias. Cada dia tem uma grande amargura e um pequeno cuidado. 
Ontem tremíeis pela saúde de alguém que vos é caro, hoje receais pela vossa, amanhã será uma inquietação de dinheiro, depois a diatribe de um caluniador ou a infelicidade de um amigo, mais tarde o mau tempo que faz, qualquer coisa que se quebrou ou se perdeu, uma vez um prazer que a vossa consciência e a coluna vertebral reprovam, outra vez a marcha dos negócios públicos. 
Isto sem contar as penas de coração. 
E assim sucessivamente. 
Uma nuvem que se dissipa e outra que se forma logo. 
Apenas um dia em cem de plena felicidade e cheio de sol. 
E sois desse pequeno número que é feliz!
Quanto aos outros homens, envolve-os a noite estagnante.
Os espíritos reflectidos usam pouco desta locução: os felizes e os infelizes. 
Neste mundo, evidentemente vestíbulo de outro, não há felizes. 
A verdadeira divisão humana é esta: os iluminados e os tenebrosos. 
Diminuir o número dos tenebrosos e aumentar o dos iluminados, eis o fim. 
É por isso que nós gritamos: ensino, ciência! 
Aprender a ler, é alumiar com fogo, toda a sílaba soletrada cintila. 
De resto, quem diz luz não diz, necessariamente, alegria. 
Também se sofre com a luz; em demasia queima. 
A chama é inimiga da asa. 
Queimar-se sem deixar de voar, é o prodígio do génio. 
Quando conhecerdes e quando amardes, sofrereis ainda. 
O dia nasce em lágrimas. 
Os iluminados choram quando mais não seja sobre os tenebrosos. 


 Victor Hugo 
"Os miseráveis"









































































TITO COLAÇO
XXVI ___ V ___ MMXIV









sexta-feira, 23 de maio de 2014

Silentii tutum praemium...





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Silentii tutum praemium...





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   Uma alma grande e corajosa   


Um espírito corajoso e grande é reconhecido principalmente devido a duas características: uma consiste no desprezo pelas coisas exteriores, na convicção de que o homem, independentemente do que é belo e conveniente, não deve admirar, decidir ou escolher coisa alguma nem deixar-se abater por homem algum, por qualquer questão espiritual ou simplesmente pela má fortuna. 
A outra consiste no facto, especialmente quando o espírito é disciplinado na maneira acima referida, de se dever realizar feitos, não só grandes e seguramente, bastante úteis, mas ainda em grande número, árduos e cheios de trabalhos e perigos, tanto para a vida como para as muitas coisas que à vida interessam. 
Todo o esplendor, toda a dimensão (devo acrescentar ainda a utilidade), pertencem à segunda destas duas características, porém, a causa e o princípio eficiente, que os tornam homens grandes, à primeira.
Naquela está, com efeito, aquilo que torna os espíritos excelentes e desdenhosos das coisas humanas. Na verdade, pode isto ser reconhecido por duas condições: em primeiro lugar, se estimares alguma coisa como sendo boa unicamente porque é honesta, em segundo lugar, se te encontrares livre de toda a perturbação de espírito. 
Consequentemente, o facto de se ter em pouca conta aquelas coisas humanas e de se desprezar, com uma atitude de espírito firme e sólida, essas mesmas coisas, que a muitos parecem ilustres e exímias, deve constituir apanágio de uma alma grande e corajosa. 
Suportar aquilo que parece acerbo, que de muitas e variadas maneiras aflige a vida e a sorte dos homens (de modo por assim dizer a não renunciares à ordem natural e à dignidade do sábio), é próprio de um espírito robusto e de grande constância. 


 Marcus Cícero 
"Dos deveres"
















TITO COLAÇO
XXIII___V___MMXIV




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Alea jacta est...







  Alea jacta est...  









 O mais fundo de nós mesmos 

A uma certa altura do auto-conhecimento, quando estão presentes outras circunstâncias que favorecem a auto-segurança, invariavelmente e sem outra hipótese sentimo-nos execráveis. 
Todas as medidas do bem, por muito que as opiniões possam diferir sobre isto, parecerão demasiado altas. 
Vemos que não passamos de um ninho de ratos feito de dissimulações miseráveis. 
O mais insignificante dos nossos actos não deixa de estar contaminado por estas dissimulações. 
Estas intenções dissimuladas são tão horríveis que no decurso do nosso exame de consciência não vamos querer ponderá-las de perto, mas, pelo contrário, ficaremos contentes de as avistar de longe. 
Estas intenções não são todas elas feitas apenas de egoísmo, o egoísmo em comparação parece um ideal do bem e do belo. 
A porcaria que vamos encontrar existe por si só, reconheceremos que viemos ao mundo pingando este fardo e sairemos outra vez irreconhecíveis, ou então demasiado reconhecíveis, por causa dela. Esta porcaria é o fundo mais profundo que encontraremos, nos fundos mais profundos não haverá lava, não, mas porcaria. 
É o mais fundo e o mais alto e até as dúvidas que o exame de consciência origina em breve enfraquecerão e se tornarão complacentes como o espojar de um porco na imundície. 

 Franz Kafka 
"Diário (07 Fev 1915)"





























TITO COLAÇO
XXIII___V___MMXIV







quarta-feira, 21 de maio de 2014

Elephantem ex musca facere...









Elephantem ex musca facere...























   Elephantem ex musca facere...   


Defina para si próprio, desde o início uma marca definida ou um estilo de conduta que
mantenha quando está sozinho e também quando na sociedade dos homens. Esteja 
em silêncio na maior parte do tempo, ou, se tiver de falar, fale apenas aquilo que é 
necessário e em poucas palavras. 
Fale, mas raramente, se a ocasião assim o exige, mas 
não fale de coisas ordinárias, de gladiadores, corridas de cavalo, ou atletas, ou de 
carnes ou bebidas, estes são tópicos que surgem em todos os lugares, mas acima de 
tudo, não fale dos homens seja em acusação ou elogios ou comparações.
Se puder, 
conduza a conversação que ocorre na sua presença para algum assunto apropriado, e se
, por acaso se encontrar no meio de estranhos,permaneça em silêncio.
Não ria 
muito, nem frente a muitas coisas, nem sem algum tipo de controle.
Recuse-se em fazer juramentos,sempre que possível, mas se não puder evitar, na medida
em que as circunstâncias o permitirem.
Recuse o entretenimento de estranhos e do vulgar. 
Mas se surgir a ocasião de aceitá-los,
então tente intensamente evitar recair no estado do vulgar. 
Saiba que, se o seu camarada
possui uma nódoa sobre ele, aquele que se associa com ele necessariamente compartilha
da nódoa com ele, mesmo que de início esteja limpo.
Para o seu corpo tome apenas aquilo que as suas necessidades básicas exijam, tais como
comida, bebida, vestuário, casa, empregados, mas corte fora tudo o que conduza ao luxo 
e ao exibicionismo.
Evite a impureza ao máximo das suas capacidades antes do casamento e se
abandonar à paixão, permita que se expresse de maneira correcta. 
Mas não seja
agressivo ou censurador contra aqueles que se envolvem (na paixão licenciosa), e não 
esteja sempre a demonstrar a sua castidade.
Se alguém lhe chama a atenção disso e fala 
mal de si, não se defenda contra o que ele lhe acusa, mas responda, "Ele não conhece 
as minhas outras faltas, ou então ele não teria mencionado apenas estas".
Não é necessário na maioria das vezes ir até aos jogos (entretenimento), mas se 
nalguma ocasião deve ir, mostre que a sua primeira preocupação é para com si mesmo, 
ou seja, deseje que apenas venha a acontecer aquilo que acontece, e que vença aquele 
que deve vencer, porque assim não irá sofrer qualquer tipo de angústia. Mas 
controle qualquer impulso para o aplauso, ridículo ou ao entusiasmo prolongado.
quando se for embora, não fale muito sobre o que ocorreu ali, excepto naquilo que 
permite o seu aperfeiçoamento (no controle dessas qualidades).
Porque falar muito 
sobre isto (e qualquer assunto) implica que o espectáculo excitou a sua imaginação.
Não vá a ouvir palestras com atitude superficial ou causal, mas se for, mantenha a sua
seriedade e dignidade e não se torne um indivíduo ofensivo aos demais.
Quando fôr 
encontrar-se com alguém, e particularmente com alguém de eminência reconhecida, 
coloque frente à sua mente o pensamento, "O que é que Sócrates e Zeno teriam feito? " 
e não terá dificuldade em tirar o proveito apropriado da ocasião.
Quando fôr visitar algum grande homem, prepare a sua mente ao pensar que talvez
não venha a encontrá-lo, e se o encontrar, que ele talvez seja atirado fora da sua 
casa, as portas lhe sejam fechadas violentamente contra o seu rosto, que ele não lhe dará 
nenhuma atenção. E se apesar de tudo, ainda achar que deve ir até lá, vá e suporte 
o que vier a a acontecer, e nunca se diga internamente "Não valeu a pena", porque isso 
demonstra uma mente vulgar e uma pessoa em luta contra coisas externas.
Na sua conversação evite menções frequentes e desproporcionadas das suas próprias
actividades e aventuras, porque as outras pessoas não tem o mesmo prazer em ouvir as 
coisas que lhe aconteceram na mesma medida que obtém ao contá-las.
Evite causar o riso dos homens, este é um vício que rapidamente recai na vulgaridade e 
serve muito bem para diminuir o respeito que os seus vizinhos lhe devotam.
É também perigoso fazer uso de linguagem obscena, quando algo desse tipo acontecer,
chame a atenção do ofensor, se a ocasião o permitir e se não, faça ficar claro para ele, 
pelo seu silêncio, ou então um ruborizar-se ou mesmo um franzir de testa, que está 
irado pelas suas palavras.


(...)


Quando faz uso da profecia, lembre-se que mesmo que não saiba qual será o
resultado final e veio apreendê-lo do profeta, ainda assim sabe, antes mesmo de 
chegar à frente dele, que tipo de coisa (ou situação) tem em frente, se é
realmente um filósofo. 
Isto porque se o evento não está debaixo do seu controle, ele não
pode nem ser bom nem mau. 
Portanto, não traga consigo, frente ao profeta, a vontade de
obter ou a vontade de evitar, e não se aproxime dele tremendo, mas com a sua mente 
resoluta, que o assunto todo é indiferente e não lhe afecta e que, seja qual for o resultado,
estará dentro das suas possibilidades fazer um bom uso dele e assim ninguém será capaz 
de distorcer isto. 
Com confiança, então, aproxime-se dos deuses como conselheiros e
mais, quando o conselho lhe for dado, lembre-se de quem este conselho proveio e quem
estaria desconsiderando caso venha a desobedecer. E consulte o oráculo, 
como pensava Sócrates que os homens deveriam fazer, somente quando a questão 
inteira se projecta em assuntos de eventos que nem a razão nem as artes do homem são 
capazes de prover oportunidades para a descoberta daquilo que está à sua frente.
Portanto, quando for o seu dever arriscar a sua vida frente ao amigo ou ao país, não
pergunte ao oráculo se deve arriscar ou não a vida.
Porque se o profeta lhe avisar
que o sacrifício é desfavorável, já que é claro que isto (a situação que gerou a pergunta) 
implica na morte, exílio ou injúria a alguma parte do seu corpo, ainda assim a razão 
exige que mesmo este preço deve ser pago, que esteja ao lado do seu amigo ou 
compartilhe dos riscos do seu país.
Portanto, preste atenção ao maior dos profetas, 
Pythian Apollo, que atirou fora do seu templo o homem que não ajudou ao seu amigo, 
quando este estava a ser morto.

(...)

Em tudo leva em consideração aquilo que vem primeiro e o que se segue, e esta é a maneira pela qual se aproxima das coisas.
De outra forma irá delas se 
aproximar com um bom coração de início, porque não reflectiu sobre nenhuma das 
consequências, e depois, quando as dificuldades apareceram, irá desistir, para sua 
vergonha.
Deseja vencer em Olímpia (Jogos Olímpicos). Eu também, pelos deuses, 
porque é uma coisa boa.
Mas considere os primeiros passos que conduzem a isto, e as 
consequências, e depois, mãos à obra.
Deve se submeter à disciplina, comer de acordo, não tocar em doces, treinar debaixo de rigores, numa hora fixa, no calor e frio, não beber água fria, nem vinho, a não ser quando receber a ordem de fazer isso, deve-se entregar completamente ao seu treinador assim como o faria para o seu médico e depois, quando chega a hora da competição, deve-se arriscar a magoar e algumas vezes ter a sua mão deslocada, torcer o tornozelo, engolir um bocado de areia, algumas vezes ser batido, e junto com isso tudo, ser derrotado.
Quando considerar tudo isto muito bem, então 
ingresse numa trajectória de atleta, se ainda o desejar.
Se actuar sem pensar, 
estará a comportar-se como uma criança, aquela que um dia brinca de ser lutador, 
noutro dia de gladiador, agora toca a trombeta e logo de seguida se pavoneia no meio 
da arena.
Como ela, agora será um atleta e depois um gladiador, orador, depois 
filósofo, mas no fundo não será nada, frente a sua alma.
Como um macaco, imita 
cada gesto que vê e uma coisa depois da outra atrai o seu capricho. Quando dá 
início a alguma coisa, o faz casualmente e sem muita convicção, ao invés de 
considerá-la (seriamente), olhando de todos os lados.
Da mesma forma algumas 
pessoas, quando vêem um filósofo e ouvem um homem falar como Euphrates (e 
realmente, quem consegue falar como ele?), desejam elas próprias ser filósofos.
Homem, considera primeiro o que é que está iniciando, depois olhe para os seus 
próprios poderes e se é capaz de suportar a tarefa.
Deseja competir no pentatlo 
ou nas lutar corpo-a-corpo?
Olhe para os seus braços e coxas, veja o que se parece a sua 
cintura. Pois para diferentes homens nascem para diferentes tarefas.
Imagina que 
se fizer isso, poderá viver como vivia até agora, comer, beber como faz 
agora, se permitir aos prazeres e descontentamentos tal como antes? (Se deseja 
ser um filósofo) deve ficar sentado (a estudar) até tarde, trabalhar duro, abandonar a sua própria gente, ser desrespeitado por um mero escravo, ser 
ridicularizado pelas pessoas que o encontram, obter o pior das coisas em tudo, na 
honra, no cargo, na justiça, em todas as coisas possíveis.
Isto é o que deve levar 
em conta: se estiver disposto a pagar este preço para obter a paz da mente, 
liberdade e tranquilidade.
Se não, não se aproxime, não seja como as crianças, primeiro 
um filósofo, depois um colector de impostos, depois um orador e logo após um dos 
procuradores de César.
Essas vocações não se harmonizam.
Deve ser um homem, 
bom ou mau, dever ou desenvolver o seu Princípio Governante ou as suas 
características externas, dever ou estudar o seu homem interno ou as coisas 
externas, numa palavra, deve escolher a posição de um filósofo ou a de um mero 
espectador externo.


 Epicteto 
"Manual"




































TITO COLAÇO
XXI      V     MMXIV