Tempus
longum vitiat lapidem...
Se todo o indivíduo pudesse escolher entre o seu próprio aniquilamento e o do resto do mundo, não preciso dizer para que lado, na maioria dos casos, penderia a balança.
Conforme essa escolha, cada um faz de si o centro do universo, refere tudo a si mesmo e considera primeiramente tudo o que acontece, por exemplo, as maiores mudanças no destino dos povos, do ponto de vista do seu interesse.
Ainda que este seja muito pequeno e remoto, é nele que pensa acima de tudo.
Não existe contraste maior do que aquele entre a alta e exclusiva divisão, que cada um faz dentro do seu próprio eu, e a indiferença com a qual, em geral, todos os outros consideram aquele eu, bem como o primeiro faz com o deles.
Chega a ter o seu lado cómico ver os inúmeros indivíduos que, pelo menos no aspecto prático, consideram-se exclusivamente reais e aos outros, de certo modo, como meros fantasmas.
(...)
O único universo que todos realmente conhecem e do qual têm consciência é aquele que carregam consigo como sua representação e que, portanto, constitui o seu centro.
É justamente por isso que cada um é em si mesmo tudo em tudo.
Arthur Schopenhauer
"A arte de insultar"
O universo é o sonho de um sonhador infinito
1. Não conhecemos senão as nossas sensações. O universo é pois um simples conceito nosso.
2. O universo porém, ao contrário de e em contraste com, as nossas fantasias e os nossos sonhos, revela, ao ser examinado, que tem uma ordem, que é regido por regras sem excepção a que chamamos leis.
3. Àparte isso, o universo, ou grande parte dele, é um "conceito" comum a todos os que são constituídos como nós: isto é, é um conceito do espírito humano.
4. O universo é considerado objectivo, real, por isso e pela própria constituição dos nossos sentidos.
5. Como objectivo, o universo é pois o conceito de um espírito infinito, único que pode sonhar de modo a criar. O universo é o sonho de um sonhador infinito e omnipotente.
6. Como cada um de nós, ao vê-lo, ouvi-lo, etc., cria o universo, esse espírito infinito existe em todos nós.
7. Como cada um de nós é parte do universo, esse espírito infinito, ao mesmo tempo que existe em nós, cria-nos a nós. Somos distintos e indistintos dele.
8. A "Causa imanente", como é definida, tem que, ao criar, criar infinitamente. Em si mesma é infinita como uma, extra-numericamente, nos seres é infinita como inúmera, numericamente. Num caso é o indivisível, no outro infinitamente divisível. As almas são pois em número infinito.
9. Tudo o que é criado é infinito, pois a Causa Infinita não pode criar senão infinito. Por isso tudo material, se tudo de natureza oposta à Causa Infinita, é infinitamente divisível e multiplicável (eternidade do tempo, infinidade do espaço). Só pode criar finitos em número infinito. Por isso tudo espiritual, isto é, não-espacial, como é da natureza da Causa, é indivisível. É portanto imortal.
Fernando Pessoa
"Textos filosóficos"
TITO COLAÇO
XVIII ___ V ___ MMXIV
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