Ad
astra et ultra...
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Que tempo é o nosso?
Há quem diga que é um tempo a que falta amor.
Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado.
Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros.
Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem.
A sua grandeza reside nessa denúncia, a sua dignidade, em não pactuar com a mentira, a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo?
Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à "sabedoria" do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em "cadáver adiado que procria", como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem!
Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser, nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis, nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem.
Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.
Eugénio de Andrade
"Os afluentes do silêncio"
TITO COLAÇO
XIII ___ V ___ MMXIV
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