Eu, tu e nós... V
Uma verdade só o é quando sentida, não quando apenas entendida. Ficamos gratos a quem no-la demonstra para nos justificarmos como humanos perante os outros homens e entre eles nós mesmos. Mas a força dessa verdade está na força irrecusável com que nos afirmamos quem somos antes de sabermos porquê.
Assim nos é necessário estabelecer a diferença entre o que em nós é centrífugo e o que apenas é centrípeto.
Nós somos centrifugamente pela irrupção inexorável de nós com tudo o que reconhecido ou não, e de que serve reconhecê-lo ou não?Como centripetamente provindo de fora, se nos recriou dentro no modo absoluto e original de se ser.
Só assim entenderemos que da "discussão" quase nunca nasça a "luz", porque a luz que nascer é normalmente a de duas pedras que se chocam.
Da discussão não nasce a luz, porque a luz a nascer seria a que iluminasse a obscuridade de nós, a profundeza das nossas sombras profundas.
Decerto uma ideia que nos semeiem pode germinar e por isso as ideias é necessário que no-las semeiem. Mas a sua fertilidade não está na nossa mão ou na estrita qualidade da ideia semeada, porque o que somos profundamente só se altera quando isso que somos o quer, e não quando nós o deliberamos. Assim nasce um desencontro quantas vezes entre a mecânica dos nossos raciocínios e a verdade que em nós já é morta.
No hábito dos gestos, as mãos tecem ainda na exterioridade de nós a plausibilidade do que em nós já não é plausível.
Então nos é necessário substituirmos toda a aparelhagem de que nos serviríamos e já não serve.
Surpresos olhamos quem fomos porque já nos não reconhecemos.
Atónitos perguntamos como foi possível?
Quando, onde, porquê?
Ao espanto da nossa transfiguração, ao incrível da cilada que nós próprios nos armámos, mesmo quando foi a vida que a armou, porque tudo quanto é da vida, e dos outros, e dos mil acontecimentos que quisermos, só existe eficaz e real quando abre em evidência na profundidade de nós.
Como aceitar assim a força da razão, se a força dela está onde ela não está?
Vergílio Ferreira
"Invocação ao meu corpo"
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- Se um dia pensares que és uma luz que ao acender se ilumina, e que a fonte de onde provem é infinita, o que deves fazer?
- Nunca pensei em mim dessa forma.
- Que acontece a uma luz que dentro de um receptáculo está por acender, e que só espera pela ignição?
- Que algo faça acontecer essa ignição, suponho.
- Se tiveres conhecimento que ela está contida em ti, que fazes?
- Essa luz?
- Sim.
- Se me fôr útil, acenderia.
- Só se te fosse útil?
- Sim, se não porque o faria?
- E que valor podes dar a algo que contem infinitamente essa energia?
- Sim, não o saberia dar. Sendo assim, não tendo nada a perder, acenderia.
- Se o valor fosse aquilo porque nunca deste valor, só porque não tinhas essa noção, mas estivesse contido em ti, terias dúvida que não seria importante?
- Talvez.
- Então o que possuis, não tem valor?
- Tem.
- Então porque duvidas?
- Talvez porque não é possível valorizar fisicamente.
- Quando amas uma mulher, ou o teu filho, não sentes esse amor? Quando tens afeição pelo teu animal de estimação, não o sentes também?
- Sim.
- Então porque duvidas do valor do que contens?
- Sim, não posso.
- Já consegues sentir e valorizar essa energia infinita que podes acender em ti?
- Visto dessa forma, sim!
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|Autoria de TITO COLAÇO |
XXVI ___ VII ___ MMXIV
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