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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Ad arbitrium...




  Ad arbitrium...  




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     Felicidade independente     

Das coisas que há no mundo, umas estão na nossa mão e outras não. 
Na nossa mão estão a opinião, a suspeita, o apetite, o aborrecimento, o desejo e, numa palavra, todas as obras que são nossas. 
Não estão na nossa mão o corpo, a fazenda, nem a honra (reputação), nem o senhorio, nem com efeito nenhuma das que não são obra nossa. 
As coisas que estão na nossa mão, da sua natureza são livres e senhoras sem impedimento nem embaraço. 
E as que não estão na nossa mão, de si são fracas, servis, embaraçadas e sujeitas. 
Pois olha que, se tiveres por livre o que da sua natureza não o for, e por teu o que em efeito não o é, haverás de embaraçar-te, e lamentar-te, e queixar-te dos deuses e dos homens. 
Mas se só o que é teu tiveres por tal, e por alheio, como o é, o que não é teu, não haverá nunca quem te faça força, a ninguém acusarás, de ninguém te queixarás, nenhuma coisa farás contra tua vontade, não terás nenhum inimigo, ninguém te fará mal, nem receberás nenhum dano nem perda.
Se vires algum homem muito honrado, ou poderoso, ou por qualquer outra via engrandecido, olha que não te deixes levar por essas aparências e o tenhas por bem-aventurado, porque se a importância, e ser do sossego se puder ser no que está na nossa mão, nem a inveja, nem a emulação terão lugar em nada, e tu mesmo, antes que ser imperador, cônsul, ou senador, tomarias ser livre e senhor de ti mesmo: para o que há um só caminho, que é o desprezo de todas as coisas que não estão na nossa mão. 
Traz sempre diante dos olhos a morte, desterros e tudo o que se tem por trabalho, e mais que tudo a morte. 
E com isto nem terás nenhum pensamento baixo, nem desejarás nada com muita força. 
Das coisas que servem ao corpo não se há-de tomar mais de quanto convenha para o ânimo, como de comer, beber, vestido, e casa, e serviço: o que não serve senão de vaidade, ou de delícias, deita-o de ti. 
Quando alguém te fizer mal, ou disser de ti, lembra-te que cuidava que fazia bem naquilo, e assim lhe pareceu, porque não pode ser que ele siga o teu entendimento, senão o seu. 
E se ele julga mal das tuas coisas, sua é a perda, pois que vive enganado. 
Porque se um julga a verdade por mentira, não é por isso ofendida a verdade, senão o que a não conheceu. 
Com esta consideração sofrerás com ânimo o que disser mal de ti, e a tudo dirás: assim lhe pareceu a ele. 
Se a razão, que deve regular todas as coisas, é desregrada, quem a regulará a ela? 

 
 Epicteto 
"Manual"































TITO COLAÇO
III ___ VII ___ MMXIV






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