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segunda-feira, 28 de julho de 2014

Terminus pendeo in exordium...









Terminus pendeo in exordium...









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    Da morte voluntária    



"Muitos morrem demasiado tarde e alguns morrem demasiado cedo. Ainda parece estranha a doutrina que diz: Morre a tempo!"
"Morre a tempo: é o que ensina Zaratustra.
"Mas como poderá morrer a tempo aquele que nunca viveu a tempo? Mais valera que nunca tivesse nascido! É o conselho que dou aos que estão a mais.
"Mas até os que estão a mais se fazem importantes com a sua morte, até a mais oca das nozes quer ser partida.
"Toda a gente toma a morte a sério: mas a morte ainda não é uma festa. Os homens ainda não aprenderam a consagrar as mais belas festividades.
"Mostro-vos a morte que é realização, a morte que se torna para os vivos um aguilhão e uma promessa.
"Aquele que conhece a realização passa a sua morte como vencedor, rodeado daqueles que esperam e prometem.
"Assim seria necessário aprender a morrer; e nunca deveria haver festa sem a presença dum que morresse deste modo, consagrando os juramentos dos vivos!
"Morrer assim é a melhor coisa; mas a seguir está esta: morrer em combate, dissipando uma grande alma.
"Mas, tanto para o combatente como para o vencedor, é odiosa essa vossa morte cheia de esgares, que se introduz como um ladrão e se apresenta, contudo, como senhora.
"Faço-vos o elogio da minha morte, da morte voluntária que chegará quando eu quiser.
"E quando a hei-de querer? Todo aquele que tem um fim e um herdeiro quer a morte a tempo, para esse fim e para esse herdeiro.
"E, por respeito pelo seu fim e pelo seu herdeiro, não colocará coroas murchas no santuário da vida.
"Na verdade, não quero assemelhar-me aos cordeiros: vão puxando o fio e, ao puxá-lo, eles próprios vão recuando.
"Vários envelhecem demasiado, mesmo para a sua vitória e para as suas verdades; uma boca desdentada já não tem direito de dizer todas as verdades.
"E todos aqueles que procuram a glória devem despedir-se da honra a tempo e praticar a difícil arte de partir no momento preciso.
"É no momento em que temos o melhor sabor que devemos deixar de servir de alimento: sabem-no aqueles que querem ser amados por muito tempo.
"É certo que também há as maças amargas, cujo destino é esperar até ao último dia do Outono: e então elas ficarão maduras, douradas e rugosas ao mesmo tempo.
"Para alguns é o coração que envelhece em primeiro lugar, para outros é o espírito. E alguns ficam velhos na sua juventude: mas quem se torna jovem tardiamente permanece mais tempo jovem.
"Há-os que falham a sua vida: um verme venenoso lhes rói o coração. Que, pelo menos, procurem ter êxito na sua morte!
"Há-os que nunca se tornam doces, apodrecem desde o Verão. É a cobardia que os mantém presos ao seu ramo.
"Há-os que vivem demasiado tempo e que longamente ficam suspensos dos seus ramos. Que venha uma tempestade para fazer cair da árvore todos esses frutos bichosos e apodrecidos!
"Venham os pregadores da morte rápida! Seriam eles as verdadeiras tempestades, os que abanam a árvore da vida!
Mas só ouço pregar a morte lenta e a paciência para todas as coisas ´terrestres´.
"Ah!, vós pregais a paciência para com as coisas terrestres? São antes as coisas terrestres que têm demasiada paciência para convosco, blasfemadores!
"Na verdade, morreu demasiado cedo esse Hebreu, assim como o ódio dos bons e dos justos - o Hebreu que os pregadores da morte lenta veneram, e desde a sua morte prematura tem sido fatal para muitos.
"Ainda só conhecia as lágrimas e a melancolia de Hebreu, assim como o ódio dos bons e dos justos - o Hebreu Jesus: e vede como o tomou o desejo da morte.
"Porque não terá ficado no deserto, longe dos bons e dos justos! Teria talvez aprendido a viver e a amar a terra - e, mais ainda, a rir!
"Acreditai-me, meus irmãos! Morreu demasiado cedo: ele próprio teria desautorizado a sua doutrina se tivesse vivido tanto tempo como eu! Ele tinha nobreza suficiente para se retratar!
"Mas não estava ainda amadurecido. O amor do jovem não é um amor maduro, por isso ele odeia a terra e os homens.
Nele a alma e as asas do pensamento ainda estão presas e pesadas.
"No homem há mais criança e menos tristeza do que no adolescente: ele sabe mais do que é viver e morrer.
"Livre para a morte e livre na morte, negador sagrado quando já não é tempo de dizer sim: deste modo ele sabe viver e morrer.
"Que a vossa morte não seja uma injúria ao homem e à terra, meus amigos: é o que imploro ao melhor da vossa alma.
"Que o vosso espírito e a vossa virtude inflamem ainda a vossa morte como o sol-poente inunda ainda a terra: de contrário, falhastes a vossa morte.
"É assim que eu próprio quero morrer, para que vós, por causa de mim, ameis mais a terra, meus amigos; e quero tornar-me de novo terra, para que possa encontrar repouso naquela que me gerou.
"Na verdade, Zaratustra tinha um alvo e para ele lançou a sua bola: agora, meus amigos, sois os herdeiros desse meu alvo, é a vós que lanço a bola de ouro.
"Mais do que qualquer outra coisa, gosto de ver-vos lançar a bola de ouro, meus amigos! Por isso me demoro ainda um pouco na terra: perdoai-mo!"

Assim falava Zaratustra.




 FRIEDRICH NIETZSCHE 
"Assim falou Zaratustra"
Tradução de M. de Campos
Publicações Europa-América
5ª Edição
2008
pp. 67-69






















































































































TITO COLAÇO
XXVIII ___ VII ___ MMXIV





















































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