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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Crimes contra o património.

Crimes contra o património.


I. Generalidades.

No título II da parte especial do código, sob a designação genérica de crimes contra o património, o legislador incluiu
—os crimes contra a propriedade;
—os crimes contra o património em geral;
—os crimes contra direitos patrimoniais; e
—os crimes contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente.
Existem outros tipos de ilícito que não foram incluídos no título apontado mas que reflectem, mais ou menos acentuadamente, a lesão ou o pôr em perigo de bens jurídicos patrimoniais. Os que mais claramente fazem parte deste elenco são as falsificações (artigos 255º e ss.) e alguns dos crimes de perigo comum (artigos 272º e ss.), que se dirigem a uma pluralidade indeterminada de bens jurídicos, incluindo de índole patrimonial.
No capítulo dos crimes contra a propriedade distingue o Código, desde logo, o furto (artigo 203º, nº 1) do abuso de confiança (artigo 205º, nº 1).
Objecto da acção é em ambos os ilícitos uma coisa móvel.
Mas enquanto o furto supõe a subtracção, e a consequente quebra, por parte do agente, da posse que sobre a coisa era exercida pelo seu detentor e a integração da coisa na sua esfera patrimonial ou de terceiro (ou, numa outra formulação, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa).
No abuso de confiança a coisa, objecto da apropriação, tinha sido entregue ao agente por título não translativo da propriedade. O elemento por assim dizer mais significativo do abuso de confiança é a apropriação ilegítima.
Para se verificar o crime de furto basta porém a subtracção da coisa com ilegítima intenção de apropriação.
Ambos os ilícitos de natureza exclusivamente dolosa, o abuso de confiança é, por assim dizer, um crime de apropriação sem subtracção, ao passo que, no furto, à subtracção preside sempre uma intenção de apropriação.
Podemos agora concluir que o ilícito em que mais claramente se protege a propriedade é o do artigo 205º, nº 1.
 No furto, também é protegido aquele que tem a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica. De qualquer modo, é o furto a figura matricial e de referência na construção dos crimes patrimoniais operada pelo legislador português.
Nestes  crimes, como o abuso de confiança, o furto ou o roubo alguns autores chamam crimes de deslocação patrimonial (“deslocação” da coisa de que o agente, ao contrário do que acontece no dano, tem intenção de se apropriar),
O objecto da acção é uma coisa determinada: um relógio, um maço de notas, a mobília duma moradia, dois camiões, vinte toneladas de algodão, cinco ovelhas dum rebanho, etc.
 Também no crime de dano em coisas o objecto da acção é uma coisa determinada.
Todos eles são tipos de ilícito que, na óptica ainda hoje corrente, têm a propriedade como o bem jurídico protegido.
O dano e o abuso de confiança podem ser entendidos como puros crimes contra a propriedade, mas no roubo viola-se ainda a liberdade de determinação da vítima.

A classificação segundo a modalidade da acção mostra que no dano a lesão da propriedade se esgota num acto unilateral de feição negativa, enquanto noutros a subtracção tem por fim a deslocação patrimonial da coisa alheia de que o agente, ao contrário do que acontece no dano, se quer apropriar.

No abuso de confiança, o agente, a quem a coisa alheia foi entregue por título não translativo da propriedade, passa a dispor dela animo domini, de tal forma que o crime é, estruturalmente, a forma de apropriação mais simples, chama-se-lhe mesmo apropriação indevida.

Outra distinção passa pela punição do furto qualificado, onde se desenham dois escalões de diferente gravidade, reflectida nas correspondentes molduras penais.

A mesma construção típica espelha-se no abuso de confiança, onde a forma mais grave goza dum tratamento ainda assim menos severo face à norma homóloga do furto.

As situações de privilégio (artigo 207º), referidas tanto ao furto simples como ao abuso de confiança simples, não têm expressão própria ao nível da moldura penal, mas o respectivo procedimento criminal depende de acusação particular.

A restituição da coisa ou a reparação do prejuízo (artigo 206º), se forem integralmente realizadas, conduzem à especial atenuação da pena, que é apenas facultativa no caso de restituição ou reparação parcial.

O Código prevê ainda, por um lado, o furto de uso, mas unicamente de veículo (artigo 208º). A diferença entre uso e apropriação da coisa é importante na prática.

Exemplo -  objecto do furto


A, que se encontra a cumprir pena, em ocasião propícia consegue fugir, levando consigo a roupa que vestia, fornecida pelos Serviços Prisionais e propriedade do Estado, como A muito bem sabia.

Haverá crime de furto? Ou será abuso de confiança?

O uniforme dos serviços prisionais é coisa móvel, alheia, relativamente a A.
 É irrelevante saber se a actuação de A, ao fugir com a roupa que trazia vestida, integra o elemento "subtracção" (típico do furto) ou se, pelo contrário, existem os elementos objectivos do abuso de confiança ("entrega", etc.), pois A não terá actuado com "intenção de apropriação", e esta é comum às duas incriminações.

 Este elemento subjectivo, específico do furto, a "intenção de apropriação", é a "ponte" que projecta a "subtracção" no âmbito do ilícito penal. Sem ele não há furto, ainda que à actuação sobre a coisa se possa seguir, por ex., dano, ou ficar-se pelo furto do uso.
Suponhamos, ainda assim, que A agiu dolosamente e com aquela intenção, inclusivamente, também levou consigo uma muda de roupa que lhe estava distribuída.
Perante uma situação tão peculiar, somos tentados a afirmar que A tirou a coisa da posse do respectivo dono, contra a vontade deste, e a colocou na sua posse.
Em suma, houve a subtracção, característica do furto.


A apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada (artigo 209º) é também sancionada, mas de forma menos severa do que o furto simples.

Perdidos e achados; coisas escondidas; coisas esquecidas.
        É alheia  a coisa que está na propriedade de outrem. Decisivo é aqui o direito civil. Não são alheias as coisas que pertencem exclusivamente ao agente. Também não constitui objecto de furto a res nullius, a que não tem dono, nem a que foi voluntariamente abandonada pelo seu dono, a res derelicta  (1318º e ss. do Código Civil). Não são alheias as “res communes omnium”, como o ar que respiramos.

        Mas para efeito de furto são alheias as coisas perdidas, as escondidas, por exemplo no jardim duma residência, e as simplesmente esquecidas.

Sem dono é o conteúdo do caixote de lixo, mas não são sem dono as flores que se deixam num túmulo. Também não são sem dono os animais domésticos nem os do jardim zoológico.  E um enxame de abelhas?  E os tesouros?

         As coisas achadas têm um regime próprio que vincula o achador (artigo 1323º do Código Civil), equiparando-se a apropriação ilegítima de coisa achada à apropriação ilegítima em caso de acessão (artigo 209º, nºs 1 e 2, do Código Penal).
 Existe legislação própria para os achados em estradas e a para os achados no mar, no fundo do mar ou por este arrojados.

Casos especiais ( mas muito frequentes).

1. Subtracção de coisa comum por comproprietário. Crime de furto entre cônjuges? Subtracção de coisa da sociedade por um sócio.


Segundo uma opinião, sendo a coisa comum, a subtracção integrará o crime de furto desde que preenchidos os restantes elementos do respectivo tipo, apesar de não existir no direito português uma norma a prever expressamente a punibilidade para tais casos.

Alguns autores falam em falta de norma orientando-se para a não punibilidade.

Para aqueles que ainda assim argumentam que a norma existe, sendo aplicável a que prevê o furto, “a razão da punibilidade está em que o ladrão não tira apenas a parte que lhe pertence, mas também se apropria da dos outros contitulares” (Carlos Codeço, p. 154 e 155).
Entre nós, as soluções jurisprudenciais não têm sido uniformes. Assim, para o acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 1993, BMJ-423-203, "O crime de furto entre cônjuges, como crime de furto que é, tem de se traduzir na subtracção de coisa móvel alheia, isto é, não pertencente ao agente.
 Compreende-se perfeitamente a possibilidade da sua existência em relação aos bens que sejam da propriedade exclusiva do cônjuge lesado (artigos 1722º, 1723º, 1726º a 1729º, 1733º e 1735º do Código Civil), mas já a mesma se configura, à primeira vista, como muito duvidosa quanto aos bens comuns, por estes serem propriedade comum dos cônjuges. Pode, porém, defender-se que os bens comuns correspondem à concretização da existência jurídica de um património comum (...) e que, nessa medida, tais bens acabam por ter a natureza de bens alheios, relativamente a cada um dos cônjuges.
Para o acórdão do STJ de 3 de Julho de 1996, CJ, ano IV (1996), t. 2, p. 218, e BMJ-459-170, "cada um dos cônjuges tem sobre a comunhão um direito de propriedade. Por isso, não podem os bens móveis respectivos, enquanto a comunhão persistir, ter a natureza de “coisa alheia” em relação a qualquer dos cônjuges e, assim, serem objecto de crime de furto por parte do cônjuge que os retira.
A questão deve ser resolvida no inventário para partilha dos bens do casal, com a sua restituição ou com a entrada do respectivo valor (cf., também, o acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Julho de 1994, CJ 1994-IV, p. 135, e o acórdão da Relação do Porto de 26 de Novembro de 1997, CJ 1997-V, p. 232). Do mesmo modo, o acórdão da Relação do Porto de 26 de Novembro de 1997, BMJ-471-457: os cônjuges são os titulares do direito de propriedade sobre os bens comuns do casal; por isso, enquanto a comunhão persistir, os bens não têm a natureza de coisa alheia. A retirada por um dos cônjuges de bens móveis contra a vontade do outro, não constitui crime de furto por falta do elemento “coisa alheia”.

Crime de Abuso de confiança – artigo 205º do CP

Acórdão do STJ de 18 de Outubro de 2000, CJ-STJ, ano VII (2000), tomo III, p. 209: bens comuns do casal — comete o crime de abuso de confiança o marido que ao separar-se da mulher levanta e leva consigo certificados de aforro do casal, depositados num banco e que administrava durante o tempo de vida em comum.

Subtracção de coisa da sociedade por um sócio
Mas não há dúvida que "comete um crime de furto aquele que subtrai fraudulentamente uma máquina que, embora por si comprada, passara a integrar o património de uma sociedade de que é sócio" (acórdão da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 1988, BMJ 376-668).

Utilização da rede telefónica pública sem pagar


Desde de alguns meses que , A, B e C começaram a utilizar a rede telefónica pública, através de linha destinada a outro telefone, sem pagarem as chamadas efectuadas e a respectiva assinatura mensal, usando um telefone instalado na sua residência que se encontrava desligado (fora de serviço) e através de ligação clandestina.

Punibilidade de A, B e C ?
Actualmente tais condutas depois das alterações de 1998, são punidas pelo  artigo 221º, nº 2 do CP.

 Furto de cadáver? Furto de um órgão de uma instituição hospitalar?


E, estudante de medicina, leva subrepticiamente um cadáver do Instituto de Anatomia para o dissecar em casa e aprofundar os seus conhecimentos.

O artigo 254º prevê a profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, castigando a subtracção (e a destruição ou ocultação) de cadáver ou parte dele, ou cinza de pessoa falecida.
 O "descanso" e a lembrança dos mortos são praticamente as últimas coisas com algum significado religioso que o Direito Penal ainda protege.
No artigo 204º, nº 1, alínea c), o furto é qualificado por se encontrar a coisa, afecta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos, em lugar destinado ao culto ou em cemitério.

Em geral, entende-se que o cadáver, ou a parte de um cadáver, não é uma coisa, ou que pelo menos não é nunca coisa alheia. O cadáver será ainda a projecção da pessoa (Rückstand der Persönlichkeit).
 De qualquer forma, estará sempre fora do comércio — a não ser que se encontre na posse de um instituto anatómico, diz uma parte da doutrina.
O Decreto-Lei nº 411/98, de 30 de Dezembro, estabelece o regime jurídico da remoção, transporte, inumação, exumação, trasladação e cremação. Aí se define cadáver como “o corpo humano após a morte, até estarem terminados os fenómenos de destruição da matéria orgânica”. O acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Janeiro de 2003, CJ 2003, tomo I, p. 13, entendeu que o cadáver de uma pessoa é qualificável como coisa, embora sujeita a um regime particular, traduzido, desde logo, na sua extracomercialidade, devendo ser considerada fora do comércio.

 Furto de electricidade.

A jurisprudência de varios países, incluindo a portuguesa, hoje ao que parece com entendimento pacífico (cf. acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Fevereiro de 1986, BMJ-374-545; e acórdão da Relação do Porto de 14 de Julho de 1989, BMJ-388-595), teve inicialmente dificuldades em lidar com a questão, pela polissemia do conceito de “coisa” e pela incerteza quanto à natureza da electricidade - fluído ou energia (cf. Cunha Rodrigues, p. 528;  acórdãos do STJ de 18 de Janeiro de 1944, Boletim Oficial-4-56, e de 20 de Abril de 1955, BMJ-48-444).
A criminalização autónoma do furto de água, gás e electricidade, prevista em alguns outros códigos estrangeiros, não se impôs como inevitável à Comissão Revisora do Código Penal Português. A explicação estriba-se na adopção do critério civilístico de coisa, que é o tradicional, e na compreensão do respectivo conceito a esse nível; depois, pela rigidez que um regime específico de incriminação e sancionamento poderia representar em termos de comércio jurídico.
Nesta categoria de coisa móvel susceptível de apropriação individual estão incluídas outras  forças ou energias naturais, como o vapor e a energia nuclear. Mas já a captação de uma onda radiofónica ou televisiva não constitui objecto do crime de furto, porquanto a energia da respectiva estação emissora não fica diminuída (cf. Cons. Manso-Preto, p. 547).

 


 Encher o depósito de um veiculo.
 A decide-se a não pagar a gasolina com que acaba de encher o depósito do seu carro numa estação de abastecimento a funcionar em sistema de self service. Numa retirada rápida, A alcança a auto-estrada sem se deter no ponto de pagamento.

A gasolina (coisa móvel) era para A alheia, já que no momento de encher o depósito era propriedade do dono do posto de abastecimento.
Uma das dificuldades da resolução do caso, tal como se configura, consiste em o A não ter actuado com intenção de apropriação no momento em que se abasteceu.
Para alguns autores, o caso configura um abuso de confiança.
Diferente seria se o A, desde início, tivesse a intenção de se apropriar da gasolina sem a pagar, sendo os casos mais frequentes. Neste enquadramento temos a pratica de um crime de furto simples, p. e p. pelo artº 203º do C.P

De qualquer modo: qual a semelhança deste caso com o daquele que furta um pacote de lâminas num supermercado, passando a zona de caixas sem pagar?
E se A, já abastecido, se dirige ao ponto de pagamento, constatando entretanto que não trazia a carteira e é por isso que resolve “pôr-se ao fresco”?

Crime de subtracção de documento do artigo 259º, nº 1; crime de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, alínea a).

 A, tendo-se apercebido de que na caixa do correio de uma sua vizinha tinha sido depositado um vale postal dos CTT, consegue dali retirá-lo, ficando na posse do mesmo. Depois de ter forjado um falso endosso, apondo no verso do título, pelo seu punho, uma assinatura com o nome do beneficiário, depositou-o numa sua conta bancária, onde lhe foi creditado.
O artigo 259º (danificação ou subtracção de documento ou notação técnica), pela sua amplitude, poderia estar incluído no capítulo dos crimes contra direitos patrimoniais, mas, por uma questão de atracção material (razões sistemáticas), achou-se preferível incluí-lo nas falsificações (Actas, acta da 14ª sessão).
O preceito tem uma grande amplitude, que porém se pode resumir pela consideração teleológica da protecção da destinação probatória do documento.

Não está em causa o prejuízo resultante da sua destruição ou inutilização (Actas, acta da 14ª sessão), isto é, uma perspectiva essencialmente económica, que faria reverter a actuação para o âmbito dos crimes patrimoniais.

É neste domínio que se fala na função de filtro  do conceito de documento. Logo se vê que pode haver subtracção de documento (coisa) que integre o crime de furto (ou de roubo) e não o do artigo 259º.

O desenho típico do artigo 259º acompanha em parte o do artigo 212º (dano). O legislador combinou também aí diversas formulações teóricas, do mais grave ao menos grave, para melhor traduzir o dano/violação (cf. as palavras do Prof. Faria Costa), igualmente implícito no crime patrimonial de dano (“quem destruir, danificar ou tornar não utilizável coisa alheia”).

De acordo com o teor do Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 192,  parece que a subtracção é de documento, ficando preenchido o ilícito do artigo 259º, nº 1, incluído nos crimes de falsificação.

Tenha-se presente que se a coisa (no caso, o vale postal) for descaracterizada, isto é, se não prevalecer a sua função de documento, a conduta do agente recai na previsão dos artigos 203º (furto) ou 212º (dano), ambas infracções contra o património.
 Nos casos em que o agente subtraiu a coisa; todavia, teve intenção de a utilizar e não de se apropriar.
   A, médico, que no exercício de funções num Hospital levou consigo uma cera quantidade de  sangue desse hospital para a Casa de Saúde, onde o utilizou.
   
    Ocorreu uma subtracção; sem dar conhecimento disso à direcção do hospital, sendo tal subtracção ilícita, uma vez que o sangue pertencia ao Estado, como o A, bem sabia — era coisa alheia.
Acontece que A, mercê do desempenho de funções numa e noutra instituição,  tinha promovido a prática de cedências de unidades de sangue, seguidas da sua reposição, e isso foi até, em certa altura, objecto de negociações para a conclusão de um protocolo.

      No caso em apreço, o médico teve apenas intenção de utilizar e não de se apropriar.
Depois de muitos anos de discussão, é hoje pacífico que a intenção de apropriação, como a intenção de matar ou outra que seja elemento de crime, é matéria de facto.
 Porém, como elemento subjectivo, a intenção é um facto muito especial, que se revela por outros factos. Daí muitos admitirem com relutância que possa ser questionada directamente, pelo que mais gostariam que fosse uma conclusão do que um facto.
No caso concreto o facto que nos parece revelar mais fortemente a falta de intenção de apropriação é a reposição do sangue, através de dadores enviados para o efeito, como sempre era feito. Ou seja, com decisão de reposição anterior ao facto da subtracção.
A reposição decidida depois não interessa, mas a programada antes é reveladora de falta de intenção de apropriação, antes indica o intuito de uso apenas, como foi o caso” (acórdão da Relação de Évora de 29 de Novembro de 1994, CJ 1994. tomo V, p. 292).

Outro exemplo :
  A proibiu expressamente a sua sublocatária B de entrar no quarto que reservou para si e onde, na gaveta de um dos móveis, tem diversos valores, incluindo dinheiro. Um dia, B precisou de trocar dinheiro. Não obstante a proibição, tirou quatro notas de 5 euros da gaveta e deixou no seu lugar uma nota de 20 euros. Foi porém surpreendida e A apresentou queixa.

Haverá furto (artigo 203º, nº 1)?
 As notas de 5 euros eram coisa móvel que pertencia a outrem, eram coisa alheia para B.
Esta subtraiu-as e integrou-as no seu património dolosamente - agiu com ilegítima intenção de apropriação, sem qualquer causa de exclusão da ilicitude.
O próprio consentimento presumido está afastado, até porque A fez queixa.
Aparentemente, B cometeu um acto típico e ilícito. Todavia, tal comportamento, do ponto de vista do “âmbito de protecção da norma” não cai na previsão da norma incriminadora. De acordo com as perspectivas do tráfico, o que é decisivo é o valor “incorporado” e por isso não se pode afirmar que actua com intenção de apropriação quem substitui moedas ou notas por outras de valor idêntico. Para o proprietário o valor é o mesmo.

Outro exemplo:
 A, pastor, por ordem do dono do gado, levou os animais a pastar no terreno de um vizinho deste: o dono das ovelhas e das cabras apropriou-se, segundo o acórdão da Relação de Évora de 6 de Novembro de 1990, CJ 1990, tomo V, p. 275, das ervas que os animais comeram:

“subtracção dolosa, aferida pela intenção apropriativa de alimentar o seu gado em pastagens de outrem”.

        Há no entanto quem sustente que no caso se trata de dano. Seja como for, o nosso Código não tem uma incriminação como o artigo 164º do Código brasileiro onde se pune autonomamente quem introduzir animais em propriedade alheia.

Mas se alguém, inspirando-se nas cabras e nas ovelhas alentejanas, for a um restaurante sem dispor de recursos, considera-se que os alimentos consumidos não são subtraídos e o que pode haver é burla para obtenção de alimentos (artigo 220º). Cf. ainda o acórdão da Relação do Porto de 14 de Julho de 1999, BMJ-489-404:

Assim, pastor que conduz um rebanho para um olival, a fim de os animais ali se alimentarem com rebentos de oliveira e em que é manifesto o propósito de apropriação em proveito do gado das folhas e rebentos, que (o pastor!) bem sabia serem de outrem, pratica um crime de furto simples.

Furto qualificado. Furto em veículo; furto de coisa móvel fechada em automóvel; tentativa.


A foi surpreendido pela polícia no interior do automóvel de B. Para entrar, A rebentou a fechadura da porta do carro, provocando-lhe danos.
Desta forma, A detinha já em seu poder um auto-rádio e as respectivas colunas, tudo com o valor de 60 contos, instalados no carro, só não levando tais bens com ele  por ter sido surpreendido pela autoridade policial.

Punibilidade de A ?

A cometeu, pelo menos, um crime de furto na forma tentada:
A quis apropriar-se do rádio e das colunas, sabendo que eram alheios e que não tinha autorização do proprietario. Para tanto entrou no automóvel, rebentando a fechadura da porta e só não conseguiu os seus intentos por ter sido surpreendido pela polícia.
Resta saber se se trata de furto simples (artigos 22º, 23º, 73º e 203º, nºs 1 e 2), punido com recurso à moldura penal da tentativa, e dependente de queixa (artigo 203º, nº 3), ou se o furto é qualificado por qualquer das circunstâncias do artigo 204º - (1º nível de agravação);  ou (2º nível de agravação), mas sempre com recurso à atenuação especial.

2. Furto qualificado tentado (artigos 22º, 23º, 73º, 203º e 204º, nº 1, alínea b)?


"Quem furtar coisa móvel transportada em veículo...". Nesta alínea — nº 1, b)

  Nesta alínea,  exige-se que a coisa móvel alheia seja transportada em veículo, o que significa a necessidade de uma relação de transporte, que o veículo sirva ao transporte do objecto subtraído. Não basta o facto de os objectos subtraídos terem sido simplesmente deixados dentro do veículo.
Assim, esta alínea não abrange a subtracção de peças ou acessórios dos veículos, como por exemplo as baterias (acórdão da Relação de Coimbra de 12 de Novembro de 1986, BMJ-361-617).
 A subtracção de um triângulo de pré-sinalização de dentro do porta-bagagem de um veículo pertencente a outrem não integra o crime de furto qualificado, por não ser coisa ou mercadoria por ele transportada (acórdão. do STJ de 25 de Novembro de 1993, CJ, ano I (1993), p. 248).

"Apesar das diferenças de situações pressupostas nos diversos segmentos da norma [204º, nº 1, alínea b)], toda ela visa a protecção do bem jurídico da livre disponibilidade da fruição das utilidades das coisas móveis transportadas em veículo, quer sejam subtraídas directamente deste, quer o sejam de depósito de objectos transportados ou a transportar em veículo, quer, no caso de os sujeitos passivos serem passageiros utentes de um transporte colectivo mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais.

Elemento comum às diversas situações típicas é pois que a coisa móvel se encontre numa relação de transporte com um veículo e não numa qualquer outra relação com este, designadamente a derivada da circunstância de a coisa móvel ter sido deixada no veículo.
As razões da agravação parecem residir na acentuada maior fragilidade da possibilidade de guarda segura das coisas transportadas, resultante do entrecruzar dos vários factores que diminuem o grau de eficácia das defesas normais desse poder de guarda com os relativos ao aumento da intensidade e da possibilidade de êxito das acções contra esse património, por virtude da existência dessa maior fragilidade e seu conhecimento por parte dos eventuais agentes.
 E ainda pela ideia tradicional da paz dos caminhos." Acórdão do STJ de 1 de Março de 2000, CJ 2000, ano VIII, tomo I, p. 216.

         No caso de A o rádio e as colunas estavam instalados no veículo, pelo que falta o pressuposto de que se tratava de coisas nele transportadas no sentido apontado. A circunstância em análise não tem aqui aplicação.

3. Furto qualificado tentado (artigos 22º, 23º, 73º, 203º e 204º, nº 2, alínea e)?

Será um automóvel um espaço fechado para efeitos da alínea e) do nº 2?

Como se sabe, o furto qualificado prevista no segundo nível de qualificação) por esta alínea (alínea e) do nº 2), ocorre quando o agente penetra em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas.
Como A entrou depois de rebentar a fechadura da porta do carro deve ter-se presente o disposto na alínea d) do artigo 202º: “arrombamento é o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente”.
Trata-se da redacção introduzida na revisão de 1995, que restringiu o âmbito da anterior definição. Desta forma, o arrombamento de veículo automóvel deixou de estar contemplado no artigo 204º, nº 2, alínea d), do Código Penal revisto: a expressão espaço fechado acolhida neste artigo, nas alíneas f) do nº 1 e d) do nº 2, passou a ser compreendida com o sentido restrito de lugar fechado dependente de casa, ficando arredada a inclusão da noção de veículo automóvel no referido conceito legal actual de espaço fechado. (Cf. o acórdão do STJ de 1 de Outubro de 1997, CJ-1997-III, p. 181; e agora o Assento nº 7/2000, de 19 de Janeiro de 2000, publicado no DR I série-A de 7 de Março de 2000).
A não cometeu o crime de furto qualificado, previsto nesta alinea.

Assento nº 7/2000, de 19 de Janeiro de 2000, publicado no DR I série-A de 7 de Março de 2000: Não é enquadrável na previsão da alínea e) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal a conduta do agente que, em ordem à subtracção de coisa alheia, se introduz em veículo automóvel através do rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada no interior daquele veículo.

 Furto qualificado tentado (artigos 22º, 23º, 73º, 203º e 204º, nº 1, alínea f)?


Será o automóvel em questão uma habitação, ainda que móvel, ou um espaço fechado, para efeitos da alínea f) do nº 1?

Nesta alínea prevê-se a subtracção de coisa móvel alheia, introduzindo-se o agente ilegitimamente "em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado..."
No caso de A, os factos não são susceptíveis de integrar o conceito de habitação, ainda que móvel, e já se viu que, também para este efeito, fica arredada a inclusão da noção de veículo automóvel no conceito legal actual de espaço fechado.

Presentemente, o arrombamento só pode qualificar o crime a que corresponde prisão de 2 a 8 anos se for de casa ou lugar fechado dele dependente (acórdão da Rel. do Porto de 18 de Março de 1998, CJ, 1998, tomo II, p. 237). Cf..
No entanto, o acórdão do STJ de 15 de Dezembro de 1998, processo nº 1044/98, BMJ-482-85: o âmbito do conceito de casa ou de lugar fechado dela dependente, para os efeitos da alínea d) do artigo 202º do CP, não se restringe às casas de habitação, nele se incluindo, ainda, os estabelecimentos comerciais ou industriais (como entidades físicas).
Uma casa para arrecadação é, também, "casa" para os efeitos da apontada alínea d). Para além das "casas" expressamente contidas na alínea e) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal, outras realidades aí se incluem como "casas", a subsumir na categoria de "outro espaço fechado"; no conceito de "outro espaço fechado" em conexão com a norma definitória de arrombamento cabem as casas de habitação, estabelecimento comercial e industrial e ainda as outras casas que não podem incluir-se nessas realidades, bem como os lugares fechados delas dependentes, compreendendo, por exemplo, os jardins murados e fechados anexos às "casas".

5. Furto qualificado tentado (artigos 22º, 23º, 73º, 203º e 204º, nº 1, alínea e)?


A Jurisprudência entende que esta qualificativa (alínea e) do nº 1) opera relativamente à subtracção do próprio recipiente onde a coisa móvel se encontra fechada.
Tanto comete este crime qualificado quem furta a coisa que se encontra fechada e deixa o receptáculo, como quem subtrai o receptáculo contendo a coisa e de tudo se apropria; não se vislumbra razão para distinguir entre coisa furtada fechada em gaveta ou cofre ou fechada em uma viatura automóvel equipada com fechadura destinada à sua segurança — à segurança, não apenas do próprio veículo, como também obviamente dos objectos que se encontram no seu interior e nomeadamente os acessórios nele instalados.
E em certos casos entendeu-se que estando um automóvel com as portas fechadas e trancadas, encontrando-se guardados no interior os objectos que alguém dele quis furtar, o automóvel funcionava como "receptáculo" no sentido de lugar onde se guarda alguma coisa. Não seria portanto necessário que a coisa estivesse fechada, por ex., no porta-luvas ou no porta-bagagens do automóvel.
Assim, constitua-se autor de um crime de furto qualificado na forma tentada quem, com intenção de se apropriar de um rádio e respectivas colunas instalados num veículo automóvel rebenta a fechadura da respectiva porta só não concretizando os seus propósitos por ter sido surpreendido por agentes policiais (acórdão do STJ de 1 de Outubro de 1997, CJ-1997-V, p. 181).

A teria cometido, nesta perspectiva, o crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido nos artigos 22º, 23º, 73º, 203º e 204º, nº 1, alínea e), do Código Penal.

No entanto, o acórdão do STJ de 1 de Março de 2000, CJ 2000, ano VIII, tomo I, p. 216: "(revendo anterior posição) entendeu que o veículo automóvel, quando ao serviço da sua normal utilização, não deve ser considerado "receptáculo" para os efeitos dessa disposição [204º, nº 1, e)], principalmente em relação a objectos nele deixados sem ser na gaveta "porta-luvas" ou na "mala" ou "bagageira", se fechados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança".
Também Faria Costa, Conimbricense, PE, tomo II, p. 66, considerando que é incompreensível sustentar que um automóvel com as portas fechadas deva ser considerado como um receptáculo, no sentido "que aqui se empresta".

Diferença entre o crime de furto e o crime de roubo
Exemplo:

No dia 18 de Maio de 2009, A, com uma chave de fendas, abriu uma das portas do automóvel de B, que o estacionara, fechado, na Rua 1, e dali tirou diversos objectos no valor de 45€. Pouco depois, entrou no automóvel que C deixara estacionado na Rua 2 com as portas fechadas, e com o auxílio da mesma chave de fendas com que arrombou uma delas, dali tirando objectos diversos no valor de 40€. Ainda em 18 de Maio de 2009, mas já durante a noite, A, aproveitando o facto de D ter deixado o seu automóvel estacionado, fechado à chave, na Rua 3, entrou no interior do mesmo, forçando uma das portas com um instrumento cuja natureza se não apurou, e só não tirou dali diversos objectos no valor de 100€, como pretendia, por ter sido surpreendido. Logo a seguir, o A, empunhando uma navalha com uma lâmina de 9 centímetros, acercou-se do automóvel de E e, estando este no interior da viatura, apontou-lhe a navalha, que lhe encostou ao pescoço, intimando-o a entregar-lhe 50€, o que ele só fez por se sentir dominado e temer pela sua integridade física. O A, aproveitando o facto de o E não poder reagir, retirou ainda do interior do carro um telemóvel no valor de 20€. No entanto, quando o A já se retirava com as coisas, o E resolveu oferecer-lhe resistência, envolvendo-se com ele fisicamente. Foi no decurso desse envolvimento que o A, pretendendo eximir-se à acção da justiça e conservar os bens subtraídos, empunhou a navalha e voluntariamente atirou-se ao E, golpeando-o por diversas vezes em várias partes do corpo, em termos de lhe provocar lesões determinantes de doença por 8 dias. No decurso da altercação, F tentou separar os contendores, segurando o braço do A, mas este, empunhando a navalha, ameaçou-o, como quem lha ia espetar, ao mesmo tempo que dizia “conto até três, se não me largas, corto-te”. Já com dois soldados da GNR presentes, o A disse-lhes “já chamaram estes filhos da puta, estes cabrões de merda ”.

Analise a responsabilidade jurídico – penal de A?

A praticou, desde logo, 2 crimes de furto consumado, na medida em que, com intenção de apropriação e sabendo que se tratava de coisas alheias, retirou diversos objectos do interior do automóvel de B e do de C. E praticou um crime de furto tentado, no que respeita ao carro de D.
Embora o A tenha usado uma chave de fendas (ou outro instrumento com as mesmas características) para abrir as portas dos carros, que tinham ficado estacionados com elas fechadas e trancadas, a verdade é que se não verifica a circunstância qualificativa da alínea e) do nº 2 do artigo 204º.
Diz-se no acórdão de 1 de Março de 2000, BMJ-495-58 (relator: Conselheiro Armando Leandro):
O elemento "outro espaço fechado", referido no artigo 204º, nº 2, alínea e), só pode considerar-se integrado por qualquer espaço fechado semelhante à "habitação" ou "estabelecimento comercial ou industrial" ou dependente de um destes tipos de "casa". Considerar que a circunstância "chave falsa" implicaria uma agravação, nos termos do art.º 204.º, n.º 2, alínea e), que o "arrombamento" e o "escalamento" não determinam, seria ilógico e injustificado, à luz dos valores e razões de política criminal subjacentes à relevância das citadas agravantes qualificativas, pois que, do ponto de vista do grau de ofensividade pressuposto da agravação, nada justifica essa diferença de tratamento.
O cerne do problema não está nas diferenças dos referidos meios de "penetração", mas na natureza do local onde esta se verifica por qualquer desses meios.
Esse local não pode deixar de ser, no critério teleológico que nos deve orientar na apreensão do conteúdo dessa noção, "casa" ou espaço fechado dela dependente, entendida aquela como todo o espaço físico, fechado, apto a ser habitado ou onde se desenvolvam outras actividades humanas para que, histórico - culturalmente foi criado.
 Não pode pretender-se que um veículo automóvel, não usado como habitação ou como estabelecimento comercial mas antes na sua utilização habitual como meio de transporte, possa considerar-se abrangido no grupo valorativo das realidades integráveis naquela noção de "espaço fechado".

2. Também é errado pretender-se que no caso concorre a circunstância qualificativa da alínea b) do nº 1 do artigo 204º. Diz ainda o mesmo acórdão:
Elemento comum às diversas situações típicas da alínea b) do n.º 1 do art.º 204.º, é que a coisa móvel se encontre numa relação de transporte com um veículo e não numa qualquer outra relação com este, designadamente a derivada da circunstância de a coisa móvel ter sido deixada no veículo. O veículo automóvel, quando ao serviço da sua normal utilização, mesmo quando fechado e contendo objectos aí deixados, não deve ser considerado "receptáculo" para os efeitos da alínea e) do n.º 1 do referido artigo 204º, pois tal conceito está intimamente conexionado, na economia do preceito, com as outras previsões dele constantes: "fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo...". Sob pena de extensão para além dos limites pressupostos pelo legislador ao usar aquela expressão genérica, o sentido em que é tomada no contexto específico da respectiva alínea exige naturalmente que a previsão do preceito só possa ser integrada por "outros receptáculos" que tenham um mínimo de semelhança material com os especificamente enunciados na norma, como, relativamente ao veículo automóvel, poderá eventualmente suceder com o "porta-luvas" e a "mala" ou "bagageira", se fechados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à segurança.

Assim, a apropriação ilícita de bens, que se encontravam no interior de dois primeiros carros, e a tentativa de apropriação de bens encontrados no terceiro, todos de proprietários diferentes, mediante a introdução do A nessas viaturas após abrir uma das portas com se relatou, integra a prática de três crimes de furto simples (artigo 203º, nº 1), sendo um deles na forma tentada (artigos 22º, 23º, nº 2, e 203º, nº 1).

3. O A cometeu também um crime de roubo na pessoa de E.
     O roubo é o agravado dos artigos 210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 2, alínea f).
O desenho típico do roubo junta os elementos do furto e da coacção num só crime — crime complexo, de dois actos, em que o ladrão constrange a sua vítima a ficar sem a coisa de que se quer apropriar. O atentado contra a liberdade ou a integridade física da pessoa é posto ao serviço de um fim, como meio de atingir a subtracção e impedir ou neutralizar a reacção do visado.
 O roubo é assim (cf. J. Wessels, AT, p. 79) a subtracção de coisa móvel alheia para o agente dela se apoderar (= ataque à coisa) mediante a actuação descrita no artigo 154º, nº 1 (= ataque à pessoa).

Discute-se, a propósito, o momento em que do ponto de vista jurídico-penal se devem considerar consumados os crimes de furto ou de roubo.
Tratar-se-á de um crime instantâneo? Será necessário para a consumação que a coisa esteja na mão do ladrão em pleno sossego? Ou deveremos atender mais coerentemente à “multiplicidade das realidades fácticas”?

Não obstante, as concepções de hoje serem bem diferentes das do século dezanove — uma vez que se avançou para a desmaterialização da noção de subtracção. Mesmo assim, ocorre perguntar: quando é que, em geral, se realiza a troca de detenção, passando o furto da fase da tentativa para a consumação? No início do século vinte seguia-se ainda a teoria da contrectatio, para a qual bastava o contacto físico do ladrão com a coisa para se poder afirmar o momento consumativo. Para haver apropriação, considerava-se suficiente “pôr a mão na coisa com "maus" propósitos”.  A teoria acabou por ser suplantada.
Com a apprehensio ultrapassa-se o simples contacto material do agente com a coisa ficando esta sob o controle de facto (exclusivo) do novo detentor, ou pelo menos este há-de ter algum poder sobre ela quando a desloca do seu lugar originário. Para alguns autores, a teoria é compatível com a ideia de que o objecto pode ser furtado mesmo quando a pessoa não o transporta consigo: se para a consumação do furto não basta o simples contacto, também não é necessário que o agente toque na coisa e a desloque fisicamente de lugar.
A teoria da ablatio exige uma actividade posterior à deslocação da coisa do seu lugar originário, ficando o objecto fora da esfera de custódia do seu proprietário ou detentor.
A teoria da illatio exige igualmente para a consumação um elemento posterior: que o ladrão leve o objecto para sua casa ou que o detenha em pleno sossego, por exemplo, escondendo-o.
Se a coisa (e o agente com ela) ainda se encontra na esfera espacial do proprietário ou do — até então — seu detentor, a nova relação de domínio (que exclui a do lesado) ocorrerá se não surgirem obstáculos à realização dos propósitos de apropriação do agente, por exemplo, quando já não haja o perigo de um terceiro se intrometer e impedir que o agente saia, levando a coisa do supermercado, ou a esconda num bolso enquanto por ali deambula.
Mas há coisas que pelas suas características, de peso ou de tamanho, se não compaginam com a solução apontada.

O furto não se consuma em geral com a apreensão (Ergreifen) desses objectos, mas só quando o ladrão passa com eles o círculo de poder do titular da coisa (a porta da casa, o muro da moradia). Até aí haverá tentativa.
Será assim quando o ladrão salta o muro da habitação com o saco ou passa a vedação com a bicicleta desmontada.
No caso de furto de viaturas a consumação dá-se quando o ladrão consegue arrancar, mas já não será assim se metros depois o condutor é surpreendido por um controlo ou não consegue passar um portão ou o motor se engasga e pára depois de andados uns metros.

Na teoria da subtracção por etapas haverá tentativa relativamente à 1ª actuação: a empregada domestica esconde a jóia no seu colchão para a levar depois para o exterior (2ª actuação),
Do mesmo modo, se numa carruagem de comboio o ladrão atira para a linha um objecto doutro passageiro para mais tarde o recolher

4 -  A agrediu o E à navalhada: tais factos integram desde logo a norma básica dos crimes contra a integridade física (artigo 143, nº 1). Invoca-se contudo o crime -padrão da alínea j) do nº 2 do artigo 132º, significativo de uma especial censurabilidade transmitida pela atitude do A.
O A apontou uma navalha ao pescoço do ofendido e intimou-o a entregar-lhe os 50€. O A ainda retirou do automóvel um telemóvel com o valor de 20€. E fê-lo com intenção de se apropriar de tais bens. Quando o A já se encontrava na posse deles o E, abandonando a viatura, decidiu oferecer-lhe resistência, envolvendo-se ambos em disputa física, tendo, passado algum tempo e em consequência de tais factos, comparecido no local os soldados da GNR.
Porque, no decurso do envolvimento físico entre o A e o E, aquele, com o desígnio de se eximir à acção da justiça e de manter na sua posse os bens de que acabara de se apoderar, com a mencionada navalha desferiu vários golpes atingindo o E, provocando-lhe várias lesões determinantes de oito dias de doença cometeu, ainda, um crime de ofensa à integridade física qualificada, do artigo 146.º, n.ºs 1 e 2, referido aos artigos 143.º e 132.º, n.º 2, alínea j), sendo a especial censurabilidade da atitude do arguido traduzida na persistência e escalada da sua actuação agressiva para com o ofendido, como meio de obter a estabilidade do seu domínio de facto sobre os bens roubados e eximir-se à acção da justiça.

         O crime de ofensa à integridade física qualificada, constituído por factos também integrantes do crime de roubo, está porém numa relação de concurso aparente com este.
Por outro lado, a utilização da navalha não constituiu, por si só, nas circunstâncias descritas, um "meio insidioso" para os efeitos do crime-padrão da alínea j) do n.º 2 do artigo 132º, porque, tendo ela sido usada imediatamente antes para constranger o ofendido a entregar o dinheiro, não se traduziu para este num meio de carácter enganador, sub-reptício, dissimulado ou oculto, caracterizador da insídia que a agravante pressupõe — escreve-se ainda no acórdão de 1 de Março de 2000.

O roubo é um crime complexo, na medida em que o seu autor viola não só um bem jurídico de carácter patrimonial, mas também um bem jurídico eminentemente pessoal, na parte em que se põe em causa a liberdade, integridade física ou até a própria vida da pessoa do ofendido.
 O roubo, embora se apresente juridicamente uno, integra na sua estrutura vários factos que podem constituir, em si mesmos, outros crimes, conjugando a norma, intimamente, a defesa da propriedade e a liberdade da pessoa.
Essa estrutura complexa faz recuar (é a fórmula do concurso de normas ou concurso aparente) a aplicação dessas outras normas.
O agente será punido pelo crime de roubo — que decidiu cometer —, e que é mais grave do que os crimes que lhe serviram de meio. Deste modo, a violência, quando se traduza em ofensa à integridade física, fica englobada na incriminação do roubo.
Inclui-se, na tese do acórdão que estamos a considerar, a própria ofensa do artigo 146º, tanto mais que a correspondente qualificação “não é determinada por considerações de ilicitude ligadas à gravidade do resultado das ofensas, mas antes por razões de agravamento da culpa, derivado da especial censurabilidade ou perversidade do agente.”

O acórdão envereda assim pelo entendimento de que estará englobada pela incriminação do nº 1 do artigo 210º toda a violência integrante de ofensa à integridade física da qual não resultem perigo para a vida ou, mesmo por negligência, ofensa à integridade física grave (alínea a) do nº 2 do artigo 210º).

5. Outra questão suscitada: a da continuação criminosa.

No crime continuado, um dos elemento aglutinadores estará na identidade das condutas, exigindo-se a violação de idêntica proibição e a lesão ou colocação em perigo do mesmo bem jurídico.

Tratando-se, porém, de bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida, a integridade física, a honra, a liberdade, as diversas actividades não podem unificar-se, a menos que se trate da mesma vítima.

 Ora, o roubo contém elementos patrimoniais e pessoais, como acabamos de ver — e isso é desde logo obstáculo à continuação criminosa, que in casu deverá ser afastada.

“A conduta integradora do crime de roubo não pode considerar-se estar numa relação de continuação criminosa com as que preenchem os crimes de furto, faltando desde logo um requisito essencial do crime continuado: implicando a natureza complexa do crime de roubo a ofensa não só de bens jurídicos patrimoniais, como acontece no furto, mas também pessoais, e considerando que o ofendido do roubo não é o mesmo em qualquer dos crimes de furto, falta a identidade fundamental do bem jurídico protegido pelo crime ou pelos vários tipos de crime que os factos integram de forma plúrima.”

6. A praticou ainda um crime de ameaça do artigo 153º, nº 1, e dois crimes (são dois os guardas ofendidos) de injúria, dos artigos 181º, 184º e 132º, nº 2, alínea h).

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CRIME DE BURLA
A burla porém não é crime contra a propriedade. Protege-se aí o património em geral.
A burla, a extorsão ou a infidelidade são autênticos crimes patrimoniais, onde está em causa, não tanto um determinado objecto, mas o património em geral.
Nestes não se pode dizer que o agente pretende subtrair coisa móvel alheia ou que a sua intenção se dirige à apropriação de uma coisa determinada, pois as relações de proprietário desempenham neles um papel menor.
Nos crimes contra o património em geral, do que sobretudo se trata é causar um prejuízo patrimonial como elemento do crime.
 Opera-se então com um critério de prejuízo referido à situação patrimonial do lesado entendida como um todo, onde a intenção do agente é dirigida a uma vantagem patrimonial.
O agente actua com ânimo de enriquecimento, embora haja excepções, como na "infidelidade", onde se prescinde deste elemento.
O bem jurídico protegido é assim o património, o património como um todo, mas na extorsão (artigo 222º) encontra-se ainda protegida a liberdade de determinação do sujeito.
No auxílio material (artigo 232º) o objecto do auxílio será normalmente uma vantagem patrimonial, mas na 1ª Comissão revisora reconheceu-se que a tutela estava igualmente associada a valores de ordem moral ou outros.
Na infidelidade (artigo 224º), há quem descortine a protecção de uma especial relação de confiança.
Na burla (artigo 217º), onde ressalta o elemento engano, já se apontou a verdade e a honestidade no tráfico como igualmente protegidas. E até certa altura com razão, pois a burla era vista como um crime de perfídia, era estelionato, à imagem da salamandra, animal que exposto aos raios solares toma cores diferentes.
Historicamente, a burla está associada às falsificações (crimen falsi) e ao furto, de que só começou a distanciar-se nos tempos da Revolução francesa.
 Na sua conformação actual, a burla é produto de uma sociedade evoluída, “é filha do século dezanove”.
Desprendeu-se a certa altura de uma específica actuação (por ex., a falsificação de um documento) e fixou-se num resultado — o prejuízo patrimonial. Reconheceu-se que era essencial agir “con altrui dano”

 Notas sobre o crime de dano.

O bem jurídico protegido no crime de dano simples (artigo 212º, nº 1) é a propriedade, esgotando-se a respectiva lesão num acto unilateral de feição negativa.
Por detrás da proibição legal que tutela o interesse do proprietário na manutenção do estado das suas coisas encontram-se as mais das vezes valores económicos, estéticos, ou mesmo a funcionalidade do objecto.
A norma incriminadora do dano simples compreende todas as coisas alheias (coisas que pertencem a outrem e não ao autor do dano), móveis ou imóveis, mas nos casos das alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 213º (dano qualificado) a lei não se refere à natureza “alheia” da coisa, face à especial destinação e utilidade dessas coisas.
 No furto, ao contrário do dano, a coisa, objecto da acção, é sempre móvel.
Quanto ao elemento alheio, o entendimento dominante é que o proprietário da coisa locada não comete nunca um crime de dano relativamente ao locatário, a quem resta o recurso aos meios civis para se ressarcir dos correspondentes prejuízos.
O locatário, de resto, não é o titular dos interesses especialmente tutelados pelo crime de dano, pelo que, em caso de dano em veículo a legitimidade para a queixa pertence ao dono e não também ao condutor (acórdão da Relação do Porto de 2 de Maio de 1998, CJ 1998, tomo 3, p. 232).
Em Portugal não existe o crime de dano em coisa própria, como acontece, por ex., no ordenamento penal espanhol:
Caso prático. A, na biblioteca que frequenta, pintalga as páginas dum dos livros que requisitou pouco antes.
É de crime de dano que se trata, mesmo que ainda se possa ler o texto. O livro é valorizado inclusivamente pelo seu bom aspecto, pela aparência.
 O A sabia que se tratava de coisa alheia e que da sua conduta iria resultar um dano.
O A quis provocar directamente o dano, não se exigindo no tipo qualquer motivação específica, nem há necessidade de um animus nocendi ou damnandi.
O A tanto pode ter actuado por raiva ou para se divertir ou ainda para ganhar uma aposta (onde, necessariamente, punha à prova a sua enorme estupidez).
Caso prático. Violência sobre coisas ou é dano ou é arrombamento.
A e B, na execução dum plano maduramente trabalhado por ambos, rebentam a porta de entrada da moradia de C, ausente com toda a família no Algarve, e acedem ao interior, mas só levam consigo pouco mais de mil euros em notas, que encontram na gaveta de um dos quartos.
A e B praticaram factos que integram os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto, em co-autoria.
Encontra-se previsto e punido pelo aÈ agravado do artigo 204º, nº 2, alínea d), o dano produzido na porta não ganha autonomia. O arrombamento é definido no artigo 202º, alínea d), como sendo o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente.
O exemplo mais importante dos crimes contra o património em geral é a burla (artigo 217º). Na burla o objecto da intenção do agente pode bem ser uma coisa determinada, mas o que marca a diferença é a perda patrimonial sofrida. Na burla são decisivos critérios de valor, não já a determinação da propriedade.
·             O crime de burla apresenta-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar. O burlado, nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiros por que tem um falso conhecimento da realidade. Simplesmente esse seu falso convencimento nasce, no caso do mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão. A vítima, ao ser induzida em erro toma uma coisa pela outra, pertencendo ao agente a iniciativa de causar o erro. Na manutenção do erro a vítima desconhece a realidade, o agente, perante o erro já existente, causa a sua persistência, prolongando-o, ao impedir, com a sua conduta astuciosa ou omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele.
·             O segundo momento do crime de burla é a prática de actos que causem prejuízos patrimoniais. Tem de existir uma relação entre os meios empregues e o erro e o engano, e entre estes e os actos que vão directamente defraudar o património de terceiros ou do burlado.
·              Mas se o engano é mantido ou produzido e se lhe segue o enriquecimento ilegítimo—no sentido civil do termo, aquele que não corresponde objectiva ou subjectivamente a qualquer direito—em prejuízo da vítima, não há lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerado abstractamente. Da mesma forma não importa apurar se esse meio era suficiente para enganar ou fazer cair em erro o homem médio suposto pela ordem jurídica, uma vez que uma eventual culpa da vítima não pode constituir uma desculpa para o agente.
·             No crime de burla é necessário que o elemento “agir astuciosamente” se junte limitativamente ao dolo específico, de tal forma que, mesmo havendo a intenção de enriquecimento ilegítimo, o modo pelo qual se realiza essa intenção se revele engenhoso, enganoso, criando a aparência de realidades que não existem, ou falseando directamente a realidade.

Em resumo este tipo de crime  tem como requisitos que o agente:
I.                    - tenha a intenção de obter para si, ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo; - com tal objectivo, astuciosamente, induza em erro ou engano o ofendido sobre factos; - e dessa forma determine o mesmo ofendido à prática de actos que causem a este, ou a outra pessoa, prejuízos patrimoniais.
II.                  Quanto ao elemento “astuciosamente”, estão a doutrina e a jurisprudência de acordo em que se trata de uma exigência que se vem juntar limitativamente ao dolo específico. (v. Actas da Comissão Revisora do Cód. Penal, 1979, pág. 138, e Cód. Penal Anotado, Maia Gonçalves, 3ª ed., 464), de tal forma que, “mesmo havendo a intenção de enriquecimento ilegítimo, o modo pelo qual se realiza essa intenção tem de se revelar engenhoso, enganoso, criando a aparência de realidades que não existem (dizendo ou fazendo crer que existe o que não existe) ou falseando directamente a realidade (manifestando expressamente uma mentira)”


Comete o crime de burla o arguido que faz publicar um anúncio num jornal para venda de um terreno, dizendo que este era óptimo para construção, disso convencendo o ofendido, que lho comprou, quando bem sabia que a construção era ali proibida (acórdão do STJ de 5 de Junho de 1996, CJ, ano IV (1996, t. 2, p. 191).
Toda a actuação demonstra um complexo estratagema destinado a enganar o sujeito passivo, iludindo a sua boa fé e levando-o a uma falsa representação da realidade de que resultou (e aqui está a chamada relação causa-efeito) agir ela contra o seu património.
Nessa actuação está patente o urdimento com exteriorização enganatória, significante da astúcia. As manobras foram colimadas a criar junto do ministério a "aparência" de uma determinada realidade não existente e se o ministério pagou no convencimento dessa realidade (e, portanto, devido a esse convencimento em que foi induzido por tais manobras), é inegável que existe uma relação de adequação de meio para fim. Se (primeiro momento), com a intenção de enriquecimento ilegítimo (e é ilegítimo aquele que não corresponde a qualquer direito), o agente convence o sujeito passivo de uma falsa representação da realidade (e o erro ou engano nisso consistem), mediante manobras (e estas podem ser as mais variadas, desde a simples mentira que as circunstâncias envolventes são de molde a tornar credível perante o homem médio até aos mais elaborados artifícios) realizadas, e com isso consegue (segundo momento) que esse sujeito pratique actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízos patrimoniais, está perfeito o crime de burla, sendo que o enriquecimento ilegítimo é em regra concomitante (como duas faces da mesma moeda) com o prejuízo patrimonial causado pelo acto e que deve existir uma relação de causa-efeito entre o primeiro e o segundo momentos (acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, BMJ-454-531; também publicado e anotado na RPCC 6 (1996).

Pratica o crime de burla o Advogado que, tendo sido nomeado patrono oficioso do ofendido para propor uma acção de divórcio e tendo proposto uma acção de divórcio por mútuo consentimento no âmbito do patrocínio, obteve do ofendido uma procuração em que este lhe concedia "amplos poderes forenses", sem lhe dar qualquer explicação sobre a finalidade a que a destinava e, depois, veio a conseguir que ele lhe entregasse a importância de 1000€ (acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Novembro de 1991, CJ, XVI (1991), t. 1, p. 91);

E pratica o crime de burla, e não de abuso de confiança, o advogado que, após receber da seguradora um cheque destinado ao seu cliente, o falsifica e obtém o seu pagamento junto do Banco (apôs no verso do cheque uma assinatura como se fosse a do ofendido e como se este lhe tivesse transmitido o título), causando prejuízos ao titular do cheque.

   Praticam um crime de burla os arguidos que, na sequência de contrato-promessa de compra e venda de fracção de um imóvel realizado com a queixosa, continuamente lhe asseguram a celebração da escritura do contrato prometido para o mês seguinte, sabendo, no entanto, que a sociedade não tinha capacidade financeira para distratar a hipoteca e que, por conta de tal contrato, dela vão recebendo diversas quantias em dinheiro. Acórdão do STJ de 24 de Abril de 1997, BMJ-466-257


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