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sábado, 30 de outubro de 2010

NOÇÕES GERAIS DO PROCESSO PENAL



NOÇÕES GERAIS
1.°CAPÍTULO
MODELOS HISTÓRICOS DE PROCESSO PENAL


 O processo penal português tem estrutura acusatória, como disposto no art. 32.°, n." 5,
CRP. A explicação dessa disposição exige uma apresentação dos modelos de processo
penal, o que se fará de seguida.
Ao longo da história já foram concebidas realmente três estruturas diferentes de
processo penal, a saber:
- Modelo inquisitório;
- Modelo acusatório;
- Modelo misto, reformado ou napoleónico (a partir dos inícios do séc. XIX).
)
.' .
I. Modelo inquisitório
O modelo inquisitório teve origem no Baixo Império Romano, continuando no processo
inquisitório canónico da Idade Média (obviamente, a sua denominação é inspirada no
2
Santo Oficio da Inquisição'). Acabou por se transformar num processo inquisitório laico
ao ser transplantado paulatinamente para o direito comum europeu a partir do séc. XII,
mas sobretudo durante os séculos XVI a XVIII, designadamente a partir dos primeiros
códigos penais dos primórdios do Estado moderno (e.g., a lei penal de Carlos V,
chamada Constitutio Criminalis Carolina, de 1532).
1. Defmição
A primeira característica deste modelo consiste na concentração do poder de investigar,
acusar e julgar numa única entidade. Segundo uma fórmula clássica, é o modelo do juiz-
) acusador. É óbvio que se a pessoa que investiga, acusa e julga for a mesma, então ao
julgar já não terá a imparcialidade necessária para formar um novo juízo, pois entretanto
já formou e consolidou a sua opinião durante a investigação.
O modelo apresenta ainda outras características, umas derivadas directamente dessa
matriz, outras nem tanto.
2. Características
A inquisição (= instrução, investigação) era promovida ex officio, apoiando-se no
conhecimento privado do magistrado ou numa denúncia secreta. Por exemplo, nos
tribunais do Santo Oficio do século XVI em Portugal (Évora', Lisboa' e Coimbra"), o
) réu não sabia quem o tinha denunciado, nem sequer sabia o que constava da denúncia.
Como era utilizado o sistema das contraditas (ou seja, o réu tinha de enumerar as
pessoas cujo depoimento seria inválido por razões de inimizade ou suspeição pessoal.'),
lO tribunal inquisitorial foi criado após o Concílio de Latrão, em 1229, mas só obteve base jurídica plena
a partir da Constituição Excomuniamus do Papa Gregório IX, editada em 1231. A propósito,
BARREIROS (1981), p. 30, e FIGUEIREDO DIAS (1988-9), p. 39.
2 Desde 1536.
3 Desde 1537.
4 Desde 1541.
5 BARREIROS (1981), p. 58.
3
ao tentar adivinhar quem o denunciara, acabava trazendo sem querer novos depoentes
ao processo e alargava assim as possibilidades de denúncia e acusação.
o modelo inquisitório privilegiava a descoberta da verdade material, a qualquer preço.
Isso levava muitas vezes ao uso da tortura". Retrospectivamente, é fácilde perceber que
a tortura como meio de obtenção de prova, mesmo abstraindo da questão da dignidade
humana, nem sequer levava o inquisidor à descoberta da verdade. Basta dizer que uma
pessoa sob tortura acaba por "confessar" tudo o que quiserem dela ...
) Os meIOS de prova admitidos eram, entre outros, a confissão, as testemunhas, os
documentos, o duelo, etc. Só que a confissão funcionava como "rainha das provas",
com a agravante de que "[tJodo o que dizem em suas cõjissões he a/orça" (tal como
informava, em 1593, um notário da Inquisição portuguesa em resposta a uma carta
confidencial do inquisidor geral, que o interrogava sobre o modo de proceder no
tribunal de Évora\ A importância da confissão também andava ligada à ideia de que
uma certa expiação ou penitência permitiria chegar às provas.
Eram utilizadas provas tarifadas ou tabeladas (ou seja, meios de prova de valor rígido).
Por exemplo: testis uno, testis nullus (quer dizer, o testemunho de uma só pessoa não
faz prova). Os brocardos desse tipo tinham um valor probatório de prova pleníssima ou,
no mínimo, de prova plena. Em rigor, era um sistema de dispensa da prova, pois
assentava em autênticas ficções de provas.
O processo era secreto, escrito e não contraditório.
6 AMBOS (2006), pp. 365-366, n. 11.
7 MARCOCCI (2007), (pp. 31-81) p. 31.
8 TEIXEIRA DE SOUSA (1984), pp. 5-6.
4
A sentença não fazia caso julgado, sendo a absolvição uma simples absolvição da
instância, pelo que o processo podia ser reaberto.
Em vista disso tudo, o modelo inquisitório era o oposto da ideia actual de garantismo
penal.
II. Modelo acusatório
) O modelo ou processo acusatório também tem origens remotas. Alguns AA. apontam
para as experiências democráticas gregas e romanas. A Magna Charta Libertatis, de 15
de Junho de 1215, também é referida como um marco do processo acusatório. Mas
fundamentalmente importa remeter para o programa de acção dos iluministas dos
séculos XVII e XVIII (em especial, vale a pena recordar o inspirado opúsculo de Cesare
Beccaria, Dei delitti e delle pene, com 1.a ed. anónima, sem indicação quer de local de
edição, mas que se sabe ter sido Livomo, quer de editora, 1764)9.
1. Definição
A trave mestra é a separação entre a entidade que acusa e a entidade que julga. Isso era
uma garantia da imparcialidade do julgador.
~ 2. Características
O impulso processual pertencia ao ofendido.
O processo acusatório não VIsava a descoberta da verdade material, mas antes a
descoberta da verdade possível, aquela que resulta do diálogo entre a acusação e a
defesa. O debate processual era feito com base no contraditório e a função do juiz era a
9 BECCARIA (1998),passim.
5
de um árbitro acima das partes. Tendencialmente, havia igualdade de armas entre a
acusação e a defesa.
Em princípio, todos os meios de prova eram admitidos e esses elementos eram depois
valorados conforme a livre convicção do julgador. As próprias partes promoviam a
prova, havendo, em certo sentido, uma distribuição do ónus da prova, embora pudesse
vigorar antes o princípio in dubio pro reo.
Privilegiava-se a oralidade. O processo era público.
A sentença fazia caso julgado.
---é> III. Modelo misto
Perante estas duas explicações, é óbvio que a sensibilidade do homem contemporâneo
vai para o modelo acusatório. O que não dizer que este modelo fique livre de críticas. Se
o juiz é um árbitro e precisa dessa função como garantia da sua isenção para julgar um
processo que está na disponibilidade das partes, então corre-se o risco de alguma das
partes promover uma autêntica discussão sem sentido apenas para arrastar o processo e
impedir a tomada de qualquer decisão. A possibilidade de investigar verdadeiramente
um crime, impor ao processo um ritmo e uma conclusão ficariam assim relativamente
prejudicadas. Por isso acabou surgindo um processo que visava preservar o que havia de
melhor no modelo acusatório, sem deixar, no entanto, de render alguma homenagem aos
princípios do inquisitório - falamos do processo misto, reformado ou napoleónico, que
surgiu com o Code d 'Instruction Criminelle francês de 180810.
6
1. Definição
A estrutura do modelo misto é essencialmente acusatória, mas mitigada por um
princípio de investigação.
-i> 2. Características
Segundo o modelo misto, o processo é dividido em duas fases separadas, a saber: a
instrução e o julgamento.
A fase de instrução, destinada a investigar o crime e os seus agentes, era dirigida por
uma entidade autónoma (designadamente, o Ministério Público).' Em obediência à
tradição inquisitória, a instrução era escrita, secreta, não contraditória e sem qualquer
participação do réu. Nessa fase se moldava o objecto do processo e a partir daí os factos
ficavam fixados de tal maneira que eram esses e não outros que teriam de ser julgados.
A fase de julgamento, destinada ao apuramento das responsabilidades does) réu(s), era
estruturada segundo o modelo acusatório. O tribunal orientava-se pela busca da verdade
à luz do contraditório, mas tendo poderes de investigação e de direcção da audiência.
Prevalecia a oralidade e a publicidade da audiência de julgamento.
É claro que a sentença fazia caso julgado.
-==rJ7 IV. Direito comparado
Nos sistemas jurídicos que actualmente estudamos já não vigora nenhum modelo
inquisitório. Já em pleno séc. XX, o sistema inquisitório vigorou em países de regime
10 Que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1811 e durou 150 anos, até 1958, ano em que foi substituído
7
político autoritário. É fácil de compreender que haja uma aproximação entre os regimes
políticos de pendor autoritário e o modelo inquisitório. Embora na Alemanha nunca
tivesse sido feito nenhum código penal nem de processo penal nacional-socialistall,
foram introduzidos no sistema jurídico de então alguns princípios e mecanismos
próximos do inquisitório. Em Itália, o fascismo produziu legislação penal e processual
penal, nos anos de 1923 a 1928. 'Foi o Ministro da Justiça do governo fascista, Alfredo
Rocco, quem promoveu a reforma das leis penais e processuais penais, tendo
substituído os anteriores códigos Zanardelli pelos códigos ROCC012• O código de
processo penal do fascismo foi pensado exclusivamente contra reum, pois considerava
os criminosos como inimigos do Estado.
Na Alemanha e em Itália existem actualmente sistemas de tipo misto, tal como em
França, Espanha e Portugal.
O modelo acusatório tem traduções vivas, especialmente na Inglaterra e nos Estados
Unidos da América.
~elo Code de Procédure Pénale.
1 Mas houve uma Comissão de Reforma do Direito Penal, reunida pela primeira vez em 3 de Novembro
de 1933, cujo mandato incluía pelo menos a feitura de um novo Código Penal e que chegou a apresentar
um Anteprojecto de Parte Geral, em Agosto de 1934. A propósito, MUNOZ CONDE (2003), p. 83.
12 MARQUES (2006), pp. 16-21.
8
separação de funções entre quem investiga e acusa, de um lado, e quem julga, do outro.
Do ponto de vista da estrutura acusatória do processo, é necessário atribuir o inquérito à
competência de uma entidade totalmente autónoma. Seria absolutamente indefensável
que o MP ficasse, como no sistema do Código de 1929, na dependência funcional de um
juiz de instrução, pois assim retirava-se força à matriz acusatória do processo penal.
Além de que até nos poderíamos estar a iludir completamente, tal como acontecia no
Código de 1929, em que sucedia na prática o contrário do pretendido, já que o juiz de
instrução se limitava a chancelar o que era feito pelo MP. Por outro lado, Figueiredo
Dias dizia que, quando o Conselheiro Vital Moreira acusava o legislador do CPP de
) 1987 de estar a regressar ao sistema pré-constitucional (ou seja, o sistema anterior a
1976), se estava a esquecer de que já existia o DL n." 605175, que criara a figura do
inquérito ainda antes de existir a Constituição de 1976. Não era, pois, legítimo invocar o
argumento de que a palavra "instrução" representava, enquanto conceito, apenas a
instrução preparatória e contraditória do sistema antigo, uma vez que a palavra e o
conceito de. "inquérito" até já tinham entrado no ordenamento jurídico-legal através do
referido DL n." 605175.
Em suma, o CPP de 1987 defende o arguido das intrusões abusivas na esfera dos seus
direitos, liberdades e garantias. De mais a mais, o sistema do CPP de 1987 respeita o
princípio acusatório e é, por isso, adequado à Constituição.
~ II. Alterações ao Código de Processo Penal
o CPP de 1987 tem sido considerado uma notável obra de legislação pela generalidade
dos operadores de justiça nacionais, não obstante as críticas a aspectos pontuais tantas
vezes ouvidas. Em função dessas críticas, não custa perceber que o CPP já tenha sido
sujeito por catorze vezes a alterações, sempre cirúrgicas, nenhuma delas desfigurando o
próprio Código.
14
Ainda recentemente se concretizou mais uma alteração ao CPP. Com efeito, o Governo
apresentou, em 20 de Dezembro de 2006, à Assembleia da República a Proposta de Lei
n." 109/X, que procedia à décima quinta alteração ao CPP. Essa proposta de lei tomou
por base os trabalhos da Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP), criada pela
Resolução do Conselho de Ministros n." 138/2005, de 17 de Agosto. Também os
Grupos Parlamentares do PSD, CDS-PP, BE e PCP apresentaram projectos de lei com a
intenção de alterar o CPP. A proposta e os projectos de lei mereceram discussão
conjunta no Parlamento. A proposta de lei foi aprovada na generalidade, em 15 de
) Março de 2007, com os votos favoráveis do PS e PSD e a abstenção do BE, CDS-PP, ./
PCP e PEV. De resto, o "Pacto de Justiça" entre os grupos parlamentares do PS e PSD,
assinado a 8 de Setembro de 2006, garantiu, na prática, a aprovação da proposta de lei.
A proposta de lei sofreu depois alterações na especialidade ..Finalmente, a alteração ao
CPP foi aprovada através da Lei n." 48/2007, de 29 de Agosto'", Após um curto período
de vacatio legis (15 dias), o CPP entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2007, em
simultâneo com as alterações ao Código Penal (CP) e com a Lei n.? 5112007, de 31 de
Agosto, que define os Objectivos, Prioridades e Orientações de Política Criminal.
o processo de revisão do CPP foi preparado com rigor e contou com ampla
participação, na medida em que os trabalhos da UMRP foram complementados com
reuniões frequentes de um conselho consultivo que integrava representantes dos
diversos sectores da justiça e professores universitários, criado por iniciativa do
Coordenador da UMRP, Rui Pereira. As soluções foram consensualizadas sempre que
possível, mas nunca se prescindiu do confronto das opiniões divergentes.
19 Rectificado por Declaração de Rectificação n." 105/2007, de 9 de Novembro.
15
o antreprojecto da UMRP propôs a alteração de mais de um terço do Código (i.e., 188
dos 524 artigos do CPp20
). Apesar da enorme quantidade de alterações apresentadas, a
UMRP cuidou de salvaguardar o essencial do Código, procurando apenas aperfeiçoá-lo
com base na experiência da sua aplicação e na jurisprudência do Tribunal
Constitucional. Também houve alterações que resultaram directamente da necessidade
de transpor para a ordem jurídica interna as obrigações internacionais do Estado
português.
o aperfeiçoamento da legislação processual penal nunca é, porém, uma questão
) meramente técnica, axiologicamente neutra. Pelo contrário, o aperfeiçoamento ocorreu
no quadro de determinados objectivos político-criminais, a saber: por um lado, o'
.acréscimo da protecção concedida à vítima e, por outro lado, o reforço das garantias de
defesa do arguido, mas compatibilizando-as com o desígnio de melhorar a eficácia do
processo penal, de mais a mais lembrando que o n." 2 do artigo 32.° da Constituição
consagra em paralelo a presunção de inocência e o direito a um julgamento rápido.
Seguramente, não cabe aqui dar conta de todas as alterações produzidas, mas apenas
referir algumas que, pela sua importância, mais podem interessar aos Estudantes que
agora tomam contacto, pela primeira vez, com o direito processual penal.
I~ 1. Protecção da vítima
o CPP não era parco na protecção concedida à vítima, mas ainda assim foram
estabelecidas novas medidas:
- O ofendido passa a ser informado da notícia do crime, sempre que o MP tiver
razões para crer que ele não a conhece (art. 247.°, n.? 1);
20 Por sua vez, a proposta de lei referia-se a 191 artigos do CPP.
16
(tJ -Reforçou-se a posição do assistente, prevendo-se expressamente que ele se p.ode
fazer acompanhar de advogado em todas as diligências em que intervier (art. 70.°,
n." 3);
)
- Para viabilizar o procedimento criminal nos casos de denúncia anõníma; a
-- -----~-------
autóridadejYdici~u ore compe~iJ.te·s-pãSsam--alllfoiIDa; o titular do ~ito
fI'"--" _.._ _ _ _._.. ._...•...__ _ __ . .. . .__.. .. . ._~_. .__.__ .. __
de queixa ou particip~ªoclª~xis~ªn~iaºª d~Ilúncia,cºntantoque dela ser~!!r:~!!l
indícios da prática de crime ou ela mesma constitua crime (1Ut. 246.0, n." ~);
- Em atenção à vulnerabilidade do ofe~~i~~~~_~creve-se_que o triJ?!!llaL~~v~
infõrÍÍtá-Io da data em que a libertação do arguido terá lugar, __ quando esta possa
------------------------------------ - ----------------
cria-r pe_.•r..-i._g---o_.-,_.--r,-_eg..~i..~"m- e que é extensível aos casos de lib~~çª()e fuga de presos (arts, .
217.°, n." 3~~~º:.~,_~_0_1~~~}n..0o, 21
---f;/ 2. Protecção do arguido
Muitas foram as alterações que visaram o reforço das garantias de defesa do arguido.
Especialmente significativas são as seguintes:
- O arguido passa a ser informado dos factos que lhe são imputados antes de
prestar declarações perante qualquer entidade (art, 61.°, n.? 1, alínea c», a fim de
se acabar com os interrogatórios inquisitoriais em que o arguido tinha de
adivinhar o sentido das perguntas, correndo até o risco de se auto-incriminar por
aduzir, quem sabe, novos factos aos que já estavam a ser investigados. Em
especial, o juiz, no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tem de
informar o arguido dos motivos da detenção, dos factos imputados e dos meios de
prova, salvo se, neste último caso, a revelação puser gravemente em causa a
investigação, a descoberta da verdade ou direitos fundamentais (art. 141.0, n." 4).
17
Também o MP, se o arguido detido lhe for presente sem ter sido interrogado pelo
juiz de instrução em acto seguido à detenção, deve informá-lo da mesma maneira
(art. 143.°, n." 2);
)
- Acresce que todas as declarações de arguidos detidos ou presos só poderão ser
obtidas na presença do advogado (arts. 64.°, n." 1, alínea a), e 144.°, n." 3). Além
de que o arguido em liberdade que for chamado a prestar declarações passa a ter o
direito de ser assistido por advogado, sendo disso informado oportunamente pela
entidade que o convocar para interrogatório (art, 144.°, n." 4). Considerando que
uma testemunha pode, a qualquer momento, converter-se em arguido, também ela
passa a poder ser acompanhada por advogado sempre que deva prestar
depoimento (art. 132.°, n." 4);
- Ademais, é facultado ao arguido o acesso aos autos durante o inquérito,
mediante requerimento, ressalvadas as hipóteses de prejuízo para a investigação
ou para os direitos dos participantes ou das vítimas (art. 89.0, n." 1).
Estas alterações foram saudadas, entre outras entidades, pela Ordem de Advogados,
que, de resto, esteve representada no Conselho da UMRP21.
Ainda poderíamos referir muitas outras medidas de protecção do arguido, mas impõe-se
uma visitação selectiva da reforma. Temos, porém, de mencionar mais duas:
---1J - As alterações ao regime da prisão preventiva, que doravante só se pode aplicar
aos casos de crimes dolosos puníveis com prisão superior a cinco anos,
ressalvando-se alguns fenómenos criminalidade terrorista, violenta ou altamente
organizada (art. 202.°, n.? 1, alínea bj). Acresce que os prazos de prisão preventiva
21 .
18
são reduzidos. Mas no caso de o arguido já ter sido condenado em duas instâncias
sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada
(art. 215.°, n." 6). Para evitar a perpetuação da prisão preventiva, estabelece-se que
os prazos previstos não podem ser ultrapassados quando existir pluralidade de
processos (artigo 215.°, n." 7);
)
- A criação da possibilidade de o arguido requerer indemnização dos danos
sofridos quando se comprovar que não foi agente do crime ou actuou
justificadamente (art. 225.°, n." 1, alínea c». O Estado assume uma espécie de
responsabilidade civil objectiva, não olhando a custos quando se trata de ressarcir
o arguido inocente que sofreu privação da liberdade, ainda que não tenha havido
nisso nada de errado .
C-~..-...--'---'~_--_~_-----------o ----______.. Reforço dos poderes do Ministério Públic~
Os poderes do MP foram significativamente reforçados, em vários aspectos:
- No sistema do CPP, o MP é dono do inquérito, mas o seu domínio tinha
desaparecido na prática, não sendo raro que ele só tomasse contacto com o
processo no final do inquérito, quando só restava acusar ou arquivar. Com a
revisão do Código, há vários actos das polícias que terão de ser validados ou então
simplesmente controlados pelo MP, tais como a constituição de arguido, se for
feita por OPC (art. 58.°, n.? 3), ou as escutas telefónicas, cujas gravações e
relatórios de conteúdo têm de ser entregues ao MP, que depois tem 48 horas para
levá-los' ao juiz de instrução (art. 188.°, n.os 1,3 e 4). Com isso, o legislador visou
claramente melhorar a articulação do MP com as polícias, mas respeitando a
19
autonomia técnica e táctica destas, consagrada na Lei da Investigação Criminal
(Lei n." 2112000, de 10 de Agosto22);
- N_a instauração de inquéritos, o MP passa a poder avaliar se a den~?ia._c~~titui ... " -"-_.,._ ..-
ou não uma notícia de crime, devendo decidir em função disso se é de abrir ou não
<.----- -_._._.-..-~.,._. .. --..-
~.o, n.O 1, alíneas a) e d), e 246.°, n.o 5~_~!~~aa.)b~~~_obstante_
todas as denúncias ficarem registadas (art. 247.°, n." 2), salvo as denúncias
~ -manifestamente ~~t;~a destruição deva s~~-p~~~~~i&Pclo
MP (art, 246.°, n.o 7). A avaliação da denúncia não deve, porém, ser confundida
com"~~'}~ell(),-q~",t:n!la~O ~a ideia de que é ~-
robô que regista denúncias e abre automaticamente inquéritos.
~ 4. Reforço da eficácia do processo penal
- --------------~--
As formas de processo especiais sofreram alterações de monta, com vista a alargar e
melhorar a sua aplicação, promovendo-se assim a máxima celeridade processual, desde
que compatível com as garantias de defesa. Senão vejamos:
- Alargou-se o âmbito do processo sumário, tomando-o obrigatório nos casos de
detenção em flagrante delito por crime punível com prisão não superior a cinco
anos, em vez dos anteriores três anos (art, 381.°, n." 1). Além de que o processo
8
nmá..-'iopassou a abranger os casos de detenção em flagrante delito efectuada por
particular, desde que o detido seja entregue a uma autoridade judiciária ou
entidade policial, num prazo que não exceda 2 horas (art, 381.°, n." 1, alínea b)).
Procurou-se assim abarcar as inúmeras situações de furto, entre outras, que dantes
não podiam ser julgadas nesta forma de processo, não obstante o inquérito, que é
22 Entretanto substituída pela actual Lei de Organização da Investigação Criminal (Lei n." 49/2008, de 27
de Agosto).
20
obrigatório na forma de processo comum, fazer aqui as vezes de um ritual inútil,
até porque os meios de prova já são todos conhecidos;
- Acabou-se com a instrução nas formas de processo especiais (art. 286.°, n." 3).
Em especial, foi eliminado o debate instrutório no processo abreviado (art. 391.0- .
C);
)
"
- Os actos relativos aos processos sumário e abreviado passam a poder praticar-se
em dias não úteis (art. 103.°, n." 2, alínea c» e os respectivos prazos correm
durante as férias judiciais (art. 104.°, n." 2).
5. Balanço e perspectivas
Em suma, dir-se-á que todos os sujeitos processuais têm razões para festejar a revisão
do CPP, pois todos vêem reforçadas as suas posições. Isso nada tem de surpreendente,
nem, muito menos, de paradoxal: o processo penal português não é um processo de
partes, à maneira do acusatório puro. Na verdade, o MP não tem o estatuto de parte, mas
o de uma autêntica magistratura, que está sujeita ao estrito dever de objectividade. Por
isso, o reforço dos poderes do MP não tem de ser feito à custa dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, sejam eles ofendidos, suspeitos ou arguidos.
Foi esse o juízo que mais se ouviu acerca da reforma do processo penal? Não! Ainda
mal tinham, entrado em vigor as alterações e logo soaram as críticas, que não pararam de
crescer. Enfim, as críticas apareceram de forma abrupta e mesmo inesperada, já que,
durante todo o processo legislativo da revisão do CPP se procurara o maior concerto
possível das opiniões representativas dos diversos sectores ligados à realização da
justiça penal, além de que se evitara, de caso pensado, a introdução de alterações no
Cl'P que subvertessem a sua filosofia originária.
21
As críticas não foram unívocas, o que é natural, pois surgiram a várias vozes. O grave é
que nem sempre foram consistentes, mas como passaram através dos meios de
comunicação social, fica a dúvida sobre se o defeito é imputável aos críticos, pois é
sabido que os jornais e a televisão não constituem o espaço mais adequado à reprodução
de nenhum tipo de argumentação rigorosa e complexa.
)
Será que vale a pena tentar agrupar e comentar essas críticas, bem sabendo que nada nos
garante que consigamos reproduzi-las com objectividade (afinal não são estudos
científicos, vistos e revistos pelos seus AA., assegurando assim a fidedignidade das
críticas e dos argumentos que as sustentam)? Talvez sim, enquanto aguardamos ainda
que a própria doutrina, que precisa de tempos mais longos, chegue ela mesma ao debate,
emprestando-lhe cientificidade, profundidade e sentido estratégico, no terreno da
política criminal.
Algumas críticas centraram-se nas supostas maiores dificuldades que as alterações do
CPP criarão às investigações que se revelarem de excepcional complexidade, sobretudo
no âmbito da criminalidade económica altamente organizada. Chegou a dizer-se que o
"encurtamento dos prazos do inquérito" arruinará as investigações mais difíceis. Ora, a
verdade é que a revisão do CPP não mexeu nos prazos do inquérito. Criou, isso sim,
mecanismos que visam garantir o cumprimento efectivo desses prazos (art. 276.0, n.os 4,
5 e 6). Por outra parte, fez com que o segredo de justiça não possa ultrapassar os dezoito
meses, como limite máximo absoluto, incluindo todas as prorrogações possíveis (arts.
276.°, n.? 2, alínea c), e 89.°, n." 6). Tal como dantes, os prazos do inquérito devem ser
respeitados. Tal como dantes, a violação dos prazos não impede a continuação do
inquérito, tendo como único limite a prescrição do procedimento criminal (art. 118.0 a
121.
0
CP). Mas a revisão pretendeu criar condições para que os prazos do inquérito não
sejam considerados como meramente indicativos pelos magistrados titulares dos
procedimentos. Se alguém, porventura, interpretou estas alterações como um
"encurtamento dos prazos do inquérito", isso só pode significar que não estava
22
habituado a levá-los a sério. Não vale o argumento de que os prazos legais são curtos
para a investigação da criminalidade económica altamente organizada, pois são os
prazos de sempre. Além de que a investigação da criminalidade económica não exige
tempos infindos, cobertos por um segredo de justiça igualmente infindável, Será que é
isso que se pretende quando se diz que a investigação está dependente das perícias, que
demoram, ou da resposta às cartas rogatórias, que tarda? Se as perícias demoram, até
porque quem as faz não consegue dar vazão a tantos pedidos, não se percebe o receio de
que, entretanto, termine o segredo de justiça, dado que, se foi pedida perícia, é porque
os meios de prova foram oportunamente recolhidos e o arguido já deixou, portanto, de
) poder prejudicar a investigação, mesmo se tiver acesso aos autos. Se, por outro lado, as
autoridades dos "paraísos fiscais" tardam a responder, deixando passar o tempo, então o
melhor é perceber que nunca hão-de responder às cartas rogatórias, pois são jurisdições
não-cooperantes. Nesse caso, o magistrado terá de procurar outros meios de prova, em
vez deixar o inquérito adormecido, ou então arquivá-lo, até porque pode ser reaberto se
surgirem novos elementos de prova (art. 279.°, n." 1). O que um magistrado não pode
fazer, nunca, é exigir tempos ilimitados de inquérito, tendo olhos só para o processo e
esquecendo que os arguidos, pessoas singulares ou colectivas, sofrem os efeitos penais
do próprio processo penal, já que o processo em si é uma "pena", porventura bem mais
gravosa do que a pena que lhes poderá caber por força de uma condenação.
Convenhamos, fmalmente, que a investigação da criminalidade económica altamente
organizada, na prática, não tem de ser dificil, ou então sê-lo-à apenas na medida em que
as autoridades judiciárias e as polícias não se sentem preparadas para interpretar
relatórios de gestão, contas de exercício e outros documentos de prestação de contas das
sociedades comerciais, extractos de contas bancárias, ordens de bolsa ou o que mais
tiver de ser. Mas aí o problema é outro: é um problema de falta de especialização dos
recursos humanos. De resto, a investigação da criminalidade clássica pode ser bem mais
dificil do que a da criminalidade económica, incluindo a altamente organizada, como se.
prova pelos mediáticos casos recentes de desaparecimento de crianças, e não é por isso
que se reclama a mudança de prazos nestes casos.
23
Acresce que as longas investigações, acompanhadas de um segredo de justiça que se
transformou, na prática, em segredo de polichinelo, constantemente devassado através
da intensa cobertura mediática que transforma os casos de justiça em folhetins ou
telenovelas, acabam servindo apenas para julgar os arguidos na praça pública, onde
estes nem sequer têm como se defender, pois eles e os seus defensores são os únicos
realmente vinculados ao segredo de justiça Será que um Estado de Direito pode
sobreviver ao triunfo do espectáculo dos julgamentos de opinião pública, do mesmo
passo em que os casos demoram a ser enviados para julgamento? Será que alguém pode
pensar que o julgamento não é a sede ideal para a realização da justiça, uma vez que aí o
) defensor do arguido conhece o teor da acusação e das provas reunidas, podendo,
portanto, guindar-se a um estatuto de igualdade de armas, que obviamente enfraquece os
argumentos que fundaram a acusação? Definitivamente, não seria legítimo pensar isso!
É da essência da própria justiça que a mesma tenha de ser feita num contexto de
igualdade de armas, ademais reunidas todas as outras garantias provenientes da tradição
liberal do processo penal. Não há nenhuma ingenuidade nesta defesa da tradição liberal,
mas antes a lucidez de um alerta para a necessidade de os titulares dos procedimentos de
investigação mirarem sempre o julgamento, calendarizando a investigação de maneira a
obter resultados depressa, em vez de pensarem que a sua função se esgota na acusação,
demore o que demorar, como se a sua palavra fosse a última em termos de verdade e de
justiça, que a sequência só pode embotar. É preciso, pois, regressar à cultura da justiça
liberal, mesmo nestes tempos marcados por novos perigos e novas ameaças à segurança
de pessoas e bens.
Outras críticas centraram-se no novo regime da prisão preventiva, que foi apontado
como fautor de um recente aumento da criminalidade violenta, considerando os relatos
de assaltos à mão armada amplamente noticiados pelos jornais e televisão. Foi dito que
a nova exigência, para aplicação da prisão preventiva, de que o crime seja punido com
pena de prisão de máximo superior a 5 anos (art. 202.°, n." 1, alínea aj), em vez dos
anteriores 3 anos, teria obrigado à libertação de muitos presos preventivos (enfim, os
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números anunciados de presos preventivos libertados desde Setembro de 2007 variam,
como se a questão fosse matéria de opinião). E estes teriam aproveitado a liberdade
recém-adquirida para se dedicar aos assaltos, reconfortados pelos sinais de laxismo
dados pelo legislador através da reforma do processo penal. Ainda se teria de
acrescentar aos efeitos perniciosos da alteração do regime da prisão preventiva o facto
de os juízes não poderem agora aplicá-la a muitos dos detidos que lhes são presentes,
desde logo porque se tomou muito mais dificil o preenchimento dos requisitos
específicos dessa medida de coacção. O que, supostamente, de novo acelera o carrossel
dos assaltos, posto que os delinquentes são imediatamente devolvidos à rua, aliás com
) renovados ímpetos porque ganharam, entretanto, a sensação de impunidade. Porém, a
verdade é que a alteração legislativa não impede, de maneira nenhuma, que aos roubos,
ainda para mais à mão armada, seja aplicada a prisão preventiva. Só não será aplicada se
forem consideradas adequadas e suficientes outras medidas de coacção menos gravosas,
mas isso resulta directamente do princípio da necessidade, adequação e
proporcionalidade (arts. 193.°, n." 1 e 2,202.°, n." 1), que não foi alterado e, de mais a
mais, é comum a todos os Estados de direito. Tudo visto e somado, as alterações ao
regime da prisão preventiva não explicam a sua falta de aplicação aos casos concretos
que tanta celeuma provocaram na opinião pública. A bem dizer, assistimos apenas a
uma reedição do argumento demagógico e populista segundo o qual bom mesmo é
mandar logo os delinquentes todos para a cadeia, pois nunca se sabe o que lhes reserva
o julgamento, com as leis permissivas que temos, e os anos de prisão preventiva já
ninguém lhes tira!... A novidade é que a demagogia e o populismo servem agora de
arma de arremesso contra a reforma do processo penal.
Curiosamente, ninguém fala de que a prisão preventiva se pode impor ao arguido
mesmo em caso de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3
anos, se for crime de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada (art.
202.°, n.? 1, alínea bj), Ora, esta foi também uma das novidades da reforma do processo
penal.
25
Menos ainda se fala do autêntico agravamento do regime que é a possibilidade de a
prisão preventiva se elevar para metade da pena de prisão concretamente aplicada, se o
arguido tiver visto a sentença condenatória confirmada em sede de recurso ordinário
(art. 215.°, n." 6). Uma reforma que é acusada de brandura para com os arguidos
produziu, afinal, uma norma de extrema severidade.
)
Aqui chegados, resta concluir, formulando um voto de que o balanço da reforma do
processo penal se faça com objectividade e rigor. Nada melhor do que esperar pelas
manifestações da doutrina e da jurisprudência. Além de que se deve esperar também
pelos resultados do processo de monitorização da reforma penal, a cargo do
Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.
26
PARTEll
A TRAMITAÇÃO DO PROCESSO PENAL
3.° CAPÍTULO
AS FORMAS DE PROCESSO
)
I. Nota histórica
No sistema do CPP de 1929,·0 processo penal podia ser comum ou especial (art, 62.0).
Os processos especiais contidos no Código - e havia ainda outros previstos em
legislação avulsa - eram: o processo de ausentes (art, 562.° ss.), os processos por
difamação, calúnia e injúria (art. 587.° ss.), os processos por infracções cometidas por
juízes de direito de primeira instância e magistrados do MP junto deles, no exercício das
suas funções ou por causa delas (art, 595.° ss.), os processos por infracções cometidas
pelas mesmas entidades, mas fora das suas funções (artigo 609.° ss.), os processos por
infracções cometidas por juízes das Relações ou do Supremo Tribunal de Justiça (STJ),
pelos magistrados do MP junto deles, ou por outros de igual categoria (art, 613.0 ss.) e a
reforma do autos perdidos, extraviados ou destruídos (art. 617.° 8S.).
Quanto ao processo comum, podia revestir cinco formas: querela, correccional, polícia
correccional, transgressão e sumário. O Decreto-Lei n." 605175, de 3 de Novembro,
unificou o processo de polícia correccional e o correccional.
27
II. As formas de processo actuais
No sistema do CPPde 1987, há duas grandes modalidades de processo: a forma comum
e as formas especiais.
Inicialmente, as formas especiais eram o processo sumário e o processo sumaríssimo.
Com a lei n." 59/98, de 25 de Agosto, foi criada mais outra forma de processo especial:
o processo abreviado (art. 391.°-A ss.).
Já acabou o regime especial de processamento e julgamento das contravenções e
j'\ transgressões, constante de legislação especial (Decreto-Lei n.° 17/91, de IOde Janeiro),
que era uma decorrência da demorada execução - que durou mais de 25 anos! _ do
programa de substituição das contravenções e transgressões por contra-ordenações.
Finalmente, a Lei n." 30/2006, de 11 de Julho, procedeu genericamente à conversão em
contra-ordenações de todas as contravenções e transgressões remanescentes, mas os
processos pendentes em tribunal continuaram a correr os seus termos perante os
tribunais em que se encontravam, sendo-lhes aplicável até ao final a legislação
processual relativa às contravenções e transgressões.
ID. O carácter subsidiário da forma de processo comum
o processo comum tem um carácter subsidiário: quer dizer, só se aplica quando não
tiver lugar qualquer forma especiaL
Do ponto de vista científico o carácter subsidiário do processo comum podia justificar a
análise em primeiro lugar das formas especiais de processo. Mas do ponto de vista
didáctico é mais fácil começar por estudar em pormenor o processo comum porque,
sendo a forma mais completa e solene, permite que se fique com uma imagem mais
perfeita do processo penal e das suas garantias. Isto permite que se perceba depois por
que razão é que relativamente a esta forma de processo as outras têm uma. tramitação
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muito mais célere, percebendo-se até quais as partes que foram retiradas à forma de
processo comum.
IV. A gravidade dos crimes e as formas de processo
Tendencialmente os crimes mais graves são julgados na forma de processo comum. É
natural: essa é a forma que dá mais garantias de defesa, o que não quer dizer que as
outras as não dêem. Por conseguinte, é a mais adequada para os crimes mais graves.
'\
) Por sua vez, os processos especiais estão condicionados pela gravidade da pena Em
processo sumário não pode ser aplicada pena de prisão superior a cinco anos (art. 381.0,
n." 1 e n." 2)23. O processo abreviado só tem lugar em caso de crime punível com pena
de prisão não superior a cinco anos ou com pena de multa (art. 391.°-A, n" 1). Em
processo sumaríssímo só cabem os casos de crime punível com pena de prisão não
superior a cinco anos ou só com pena de multa (art. 392.°, n." 1f4.
Nem sempre, porém, os crimes menos graves são processados nas formas especiais: por
exemplo, se o tribunal ou o arguido não aceitarem a proposta sancionatória do MP para
que o facto seja processado em processo sumaríssimo, então terá lugar o reenvio do
processo .para a forma comum (arts. 395.°, n,? I, alínea c), e 398.0).
v. A natureza processual dos crimes e as formas de processo
Os crimes públicos não têm a respectiva tramitação condicionada de modo algum.
23 Antes da revisão do CPP de 2007, o máximo da pena de prisão era aqui de três anos.
24 O máximo da pena de prisão era também aqui de três anos.
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Os crimes semi-públicos têm o início do procedimento dependente da queixa do
ofendido (art. 49.°, n." 1), mas depois podem ser julgados em qualquer forma de
processo.
)
Os crimes particulares têm o processamento sucessivamente condicionado por queixa
(arts. 50.°, n." 1, e 246.°, n." 4), constituição de assistente (art, 68.°, n." 2) e acusação
particular (art. 285.°, n," 1), mas só não podem ser processados em processo sumário
(não pode haver, neste caso, a detenção em flagrante delito que é requisito do processo
sumário, nos termos do art. 255.°, n." 4). Com a alteração ao CPP de 1998, passaram a
poder ser processados em processo swnaríssimo (art. 392.°, n." 2) e também na nova
forma de processo especial, o processo abreviado (art. 391.°-B, n." 3).
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