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quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sobre um simples significante




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  Sobre um simples significante  



 Meados de janeiro. No aeroporto duma capital.
Leitores eventuais se quereis saber qual 
terei de ser sincero como sempre o sou e não apenas em geral: 
o caso que vos conto aconteceu no europeu nepal
um grupo de pessoas num encontro casual desses que nem viriam no melhor jornal
 de qualquer dos países donde alguém de nós seria natural 
decerto por alguma circunstância puramente acidental 
emprega no decurso da conversa a palavra "natal" 
embora a pensem todos na respectiva língua original 
E sem saber porquê eu sinto-me subitamente mal 
Ainda que me considerem um filólogo profissional 
e tenha escrito páginas e páginas sobre qualquer fenómeno fonético banal 
não conheço a palavra. Porventura terá equivalente em Portugal? 
Deve dizer-me alguma coisa pois me sinto mal 
mas embora disposto a consultar o português fundamental 
ia jurar que nem sequer a usa o leitor habitual 
de dicionários e glossários e vocabulários do idioma nacional 
e o mesmo acontece em qualquer língua ocidental 
das quais pelo menos possuo uma noção geral 
conseguida aliás por meio de um esforço efectivo e real 
E ali naquela sala principal daquele aeroporto do nepal 
enquanto esperam pelo seu transporte habitual 
embora o tempo passe o assunto central 
da conversa daquele grupo de gente ocasional 
continua na mesma a ser o do "natal" 
Tratar-se-á de um facto universal? 
Alguma festa? Uma tragédia mundial? 
Consulto as caras sem obter satisfação cabal 
Li por exemplo a bíblia li pessoa e pertenci à igreja ocidental 
e tenho de reconhecer que não sei nada do natal 
Mas se assim é porque diabo sofro como sofro eu afinal' 
Porque me atinge assim palavra tão fatal? 
Que passado distante permanece actual? 
Como é que uma mera palavra se me torna visceral? 
Ninguém daquela gente reunida no nepal um professor um engenheiro ou um industrial 
um técnico uma actriz um intelectual 
um revolucionário ou um príncipe real 
que ali nas suas línguas falam do natal 
aí por quinze de janeiro e num dia invernal 
pressentem como sofre este filólogo profissional 
Eu tenho atrás de mim uma vida que por sinal 
começada no campo e num quintal 
junto da pedra da árvore e do animal 
debaixo das estrelas e num meio natural 
vida continuada na escola entre o tratado e o manual 
me assegurou prestígio internacional 
Mas para que me serve tudo isso se naquela capital 
entre pessoas que inocentemente falam do natal 
eu que conheço as coisas e as palavras de maneira oficial 
que como linguista as trato de igual para igual travo afinal 
inexorável batalha campal com tão simples significante como o de "natal"? 
E entre línguas diversas num aeroporto do nepal 
alguém bem insensível sofre mais do que um sentimental 
pois pressente em Janeiro que se o foi foi há muito o natal. 





     Ruy Belo    
"Transporte no Tempo"








Tito Colaço
 17.07.2013 





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