Cada indivíduo vê o mundo - e o que este tem de acabado, de regular, de complexo e de perfeito - como se se tratasse apenas de um elemento da Natureza a partir do qual tivesse que constituir um outro mundo, particular, adaptado às suas necessidades.
Os homens mais capazes tomam-no sem hesitações e procuram na medida do possível comportar-se de acordo com ele.
Há outros que não se conseguem decidir e que ficam parados a olhar para ele.
E há ainda os que chegam ao ponto de duvidar da existência do mundo.
Se alguém se sentisse tocado por esta verdade fundamental, nunca mais entraria em disputas e passaria a considerar, quer as representações que os outros possam fazer das coisas, quer a sua, como meros fenómenos. Porque de facto verificamos quase todos os dias que aquilo que um indivíduo consegue pensar com toda a facilidade pode ser impossível de pensar para um outro. E não apenas em relação a questões que tivessem uma qualquer influência no bem estar ou no sofrimento das pessoas, mas também a propósito de assuntos que nos são totalmente indiferentes.
Johann Wolfgang von Goethe
"Máximas e Reflexões"
Se ocasionalmente nos ocupássemos em nos examinar, e o tempo que gastamos para controlar os outros e para saber das coisas que estão fora de nós o empregássemos em nos sondar a nós mesmos, facilmente sentiríamos o quanto todo esse nosso composto é feito de peças frágeis e falhas.
Acaso não é uma prova singular de imperfeição não conseguirmos assentar o nosso contentamento em coisa alguma, e que, mesmo por desejo e imaginação, esteja fora do nosso poder escolher o que nos é necessário?
Disso dá bom testemunho a grande discussão que sempre houve entre os filósofos para descobrir qual é o soberano bem do homem, a qual ainda perdura e perdurará eternamente, sem solução e sem acordo:Enquanto nos escapa, o objecto do nosso desejo sempre nos parece preferível a qualquer outra coisa; vindo a desfrutá-lo, um outro desejo nasce em nós, e a nossa sede é sempre a mesma. (Lucrécio).
Não importa o que venhamos a conhecer e desfrutar, sentimos que não nos satisfaz, e perseguimos cobiçosos as coisas por vir e desconhecidas, pois as presentes não nos saciam; em minha opinião, não que elas não tenham o bastante com que nos saciar, mas é que nos apoderamos delas com mão doentia e desregrada: Pois ele viu que os mortais têm à sua disposição praticamente tudo o que é necessário para a vida; viu homens cumulados de riqueza, honra e glória, orgulhosos da boa reputação de seus ftlhos; e entretanto não havia um único que, em seu foro íntimo, não se remoesse de angústia e cujo coração não se oprimisse com queixas dolorosas; compreendeu então que o defeito estava no próprio recipiente, e que esse defeito corrompia tudo de bom que fosse colocado de fora em seu interior(Lucrécio).
O nosso apetite é indeciso e incerto: não sabe conservar coisa alguma, nem desfrutar nada da maneira certa.
O homem, julgando que isso seja um defeito dessas coisas, acumula e alimenta-se de outras coisas que ele não sabe e não conhece, em que aplica os seus desejos e esperanças, honrando-as e reverenciando-as; como diz César: Por um vício comum da natureza, acontece termos mais confiança e também mais temor em relação às coisas que não vimos e que estão ocultas e desconhecidas.
Michel de Montaigne
"Ensaios"
TITO COLAÇO
XVIII____I____MMXIV
0 comentários:
Enviar um comentário