Verba
mollia et efficacia...
Se estás disposto a nunca usar da violência, e sempre resistindo, torna-te forte de corpo e de alma, é a mais difícil de todas as atitudes, exige a constante vigilância de todos os movimentos do espírito, o domínio completo de todos os impulsos dos nervos e dos músculos rebeldes, a agressão é fácil contra o medo e também a primeira solução, para que, em todos os instantes, a possas pôr de lado e substituí-la pela tranquila recusa, não te deves fiar nos improvisos, a armadura de que te revestes nos momentos de crise é forjada dia a dia e antes deles, faz-se de meditação e de ginástica, de pensamento definido e preciso e de perfeitos comandos, quando menos se prevê surge o instante da decisão, rápida e firme, sem emoções ou sufocando-as, tem que trabalhar a máquina formada.
Que trabalhar, sobretudo, humanamente, a visão do autómato é a pior de todas para os amigos do espírito, não serão teus elementos nem a secura, nem a estóica dureza, nem o ar superior, nem as cortantes palavras, requere-se no inabalável a humanidade, o sorriso afectuoso, a íntima bondade, a desportiva calma, amiga do adversário, de quem joga um bom jogo, sozinho guardarás as lutas interiores que tens de suportar, a batalha contínua para impores o silêncio aos instintos de ataque e da vingança, será tua boa auxiliar a pele dura e uma carne que, domada, suporte, sem revolta, as provações e os trabalhos, o óleo do ginásio ajuda Marco Aurélio, quem se adivinha senhor de si melhor resistirá sem violência a tudo o que inventou a real fraqueza do contrário, e só tem que se guardar dos perigos da altivez e do desprezo.
Agostinho da Silva
"Considerações e outros textos"
Os meus sonhos são mais belos que a conversa alheia
Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma, nem de salas, nem de cafés.
Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo senão aos meus raciocínios e aos meus projectos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.
Devo-me a humanidade futura.
Quanto me desperdiçar desperdiço do divino património possível dos homens de amanhã; diminuo-lhes a felicidade que lhes posso dar e diminuo-me a mim-próprio, não só aos meus olhos reais, mas aos olhos possíveis de Deus.
Isto pode não ser assim, mas sinto que é meu dever crê-lo.
Fernando Pessoa
"Inéditos"
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