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quinta-feira, 19 de março de 2015

From the inside…










From the inside


















From the inside









What is Krishnamurti doing?


He is opening the egg from within, 
each instant.





















It becomes the movement of itself.
The boat travels loose and free in the world.
The eagle sees through every film or mask laid over the unending question.
Movement is in and of the River. It has no beginning nor end. It is not for capture. Truth is a pathless land. It has no Master(s).











O Diário de Krishnamurti constitui-se uma das obras privilegiadas das quais o público leitor pode dizer que há muito tempo aguarda com certa ansiedade. Trata-se, na realidade, de um livro encantador, no qual Krishnamurti redige, a um só tempo, como pensador dotado de profundidade e grande poeta da Natureza.

Krishnamurti, nasceu no ano de 1895, em Madanapalle, Madrasta, índia.
Conforme o costume entre os Brâmanes do Sul da Índia, chamaram-no pelo nome de família Jiddu. E assim o fizeram por ter sido ele o oitavo filho. Com isso, os seus familiares manifestavam o desejo de que, quando adulto, consagrasse a sua existência a Krishna, a encarnação divina, e que fora também oitavo filho.
Em 1909, a Dra. Annie Besant e C. W. Leadbeater notaram no jovem Krishnamurti, faculdades latentes de inestimável valor moral e espiritual, acabando por admitir que, se devidamente desenvolvidas, fariam do jovem um grande mestre.
Todavia, os leitores dos inúmeros livros de Krishnamurti sabem que esse pensador não se erige como mestre da Humanidade nem tenciona ser o fundador de uma nova religião.
Com frequência, repete que o desenvolvimento espiritual decorre da conquista puramente individual e que jamais pode ser obtido pela submissão a qualquer mestre ou religião.
Repudia toda a autoridade que pretenda impingir-nos valores espirituais ministrados a um fechadíssimo grupo de crentes.
A verdade, diz ele, confina com os limites da evolução humana, achando-se oculta na consciência de todos os seres humanos. Para atingi-la, temos de romper todas as barreiras e todos os laços que nos prendem à materialidade, pesada carga que faz de nós meros escravos mecanizados.
Somente a Vida, conclui Krishnamurti, pode criar a Vida.

Neste singular “diário” temos o que se poderia denominar o manancial do ensino de Krishnamurti.
Toda a sua essência aqui está a brotar da sua fonte nativa.


O próprio Krishnamurti escreve directamente sobre os seus pensamentos e experiências.
Em Junho de 1961, começou a manter um registo quotidiano das suas percepções e estados de consciência.
É uma espécie de diário, porém nele não há qualquer preocupação com o processo da vida do dia-a-dia, embora o autor esteja bem a par das ocorrências do mundo. Cobre sete meses da sua vida, publica-se o texto quase exactamente como foi escrito, com um mínimo de revisão.

Será de imenso significado não só para aqueles que acompanham o seu ensinamento, mas para todos os que estão interessados nos mais elevados e humanos estados de consciência!








26 de Agosto


Bela manhã, cheia de sol e sombras; o jardim do hotel vizinho exibia as mais variadas e brilhantes cores, e a relva era tão verde que feria os olhos e o coração. Lavadas pelo orvalho matinal, as montanhas distantes cintilavam com mais intensidade. Naquela encantadora manhã, havia beleza por toda a parte; espraiava-se sobre a estreita ponte, através do riacho, pelo caminho que subia até ao bosque, onde o sol brincava entre as folhas; a folhagem agitava-se e as suas sombras se moviam. Eram plantas comuns, mas, na sua exuberância e frescor, superavam todas as árvores que se elevavam em direcção ao céu azul. Deleitava e maravilhava a contemplação daquela extravagância e daqueles movimentos; era realmente de admirar a dignidade de cada árvore, cada planta, e a viva alegria dos esquilos negros, de longas e espessas caudas. As claras águas do pequeno rio brilhavam ao sol, que surgia entre a folhagem. Era agradável a húmida temperatura do bosque. Ali, de pé, observando o movimento das folhas, de súbito, surgiu aquela coisa singular, aquela energia eterna. Tudo silenciou. Era um silêncio no qual tudo se movia, dançava e gritava; não aquele que ocorre quando a máquina pára de trabalhar. Uma coisa é o silêncio mecânico, outra é o silêncio no vazio; aquele é repetitivo, habitual e corruptor; procura-o como refúgio o cérebro exausto e em conflito; o silêncio do vazio é explosivo, nunca é o mesmo. Não podemos buscá-lo e jamais se repete; portanto, não oferece segurança.
Essa tranquilidade veio e permaneceu connosco enquanto caminhávamos lenta e despreocupadamente, e a beleza do bosque intensificou-se, as cores explodiam, fixando-se nas folhagens e nas flores.

Não era uma igreja muito velha, talvez do início do século dezassete, conforme aparecia no arco; fora reformada com madeira de pinho claro; os pregos pareciam ser de aço brilhante e polido, mas, em verdade, não eram; provavelmente, os que lá se reuniam para ouvir música nunca olharam aqueles pregos, espalhados pelo tecto. Não se tratava de uma igreja ortodoxa, pois não se notava cheiro de incenso, velas ou imagens.
O sol penetrava pelas janelas. E havia muitas crianças instruídas para não conversar ou brincar, o que não as impedia de estarem inquietas, com uma aparência estranhamente formal e denotando o desejo de rir. Uma delas queria brincar; aproximava-se de nós, mas com visível timidez. Havia ensaio para o concerto da noite, e todos se mostravam compenetrados, revelando interesse. Lá fora a relva brilhava, o céu tinha um azul pálido e as sombras eram numerosas.
Porquê esta luta incessante na busca da perfeição, como acontece com as máquinas?
Atribui-se uma qualidade extraordinária, nobre, às ideias, ao exemplo, ao símbolo da perfeição; mas, será isso verdadeiro?
Claro que existe o esforço para imitar o exemplo perfeito. E existe a perfeição no imitar?
Ou trata-se apenas de uma ideia transmitida pelo pregador a fim de manter o homem respeitável?
Na ideia de perfeição encontra-se conforto, segurança, e ela é sempre lucrativa, tanto para o sacerdote como para aquele que busca a perfeição. Um hábito mecânico, praticado repetidas vezes, acaba por atingir a perfeição; só se pode aperfeiçoar o hábito.
Pensar, acreditar sempre na mesma coisa, acaba por se tornar um automatismo, e talvez seja esse o tipo de perfeição por todos almejado. Este procedimento constrói uma sólida parede de resistência, evitando assim qualquer perturbação ou desconforto. Além disso, a perfeição é uma forma aceite de bom êxito, e a ambição é exaltada pelos respeitáveis e pelos representantes e heróis do sucesso. Não existe a perfeição, que é uma coisa horrenda, excepto na máquina.
A tentativa de atingir a perfeição, significa, realmente, bater o recorde, como no golfe; a competição é algo santificado.
Competir com o semelhante ou com Deus, para atingir a perfeição, é considerado acto de fraternidade e amor. Mas, cada passo para alcançar a perfeição apenas leva a uma maior confusão e sofrimento, o que aumenta o impulso individual para se tornar mais perfeito.
É curioso como desejamos sempre ser perfeitos em algum sentido; isto equivale, a um meio de preenchimento, e o prazer daí resultante é, sem dúvida, vaidade. O orgulho é sempre brutal e leva ao desastre. O desejo de perfeição, exterior ou interior, nega o amor, e sem amor, não importa o que se faça, haverá sempre frustração e sofrimento.
O amor não é perfeito nem imperfeito; é só quando ele está ausente que surgem estes dois opostos.
O amor jamais busca a perfeição. Ele é a chama que arde sem provocar fumaça; o desejo de atingir a perfeição serve apenas para formar fumaça; deste modo, a perfeição está no esforço, que é mecânico e que se efectiva no hábito, na imitação e no medo crescente.
Educa-se para a competição e para o sucesso; assim, o objectivo adquire primordial importância.
O amor à coisa em si desaparece. E o instrumento musical deixa de ser utilizado por amor à melodia, mas por aquilo que ele representa em termos de fama, dinheiro, prestígio e poder.
O importante é o ser e não o vir-a-ser; um não é o oposto do outro; havendo o oposto ou a oposição, cessa o ser. Ao findar o esforço para vir-a-ser surge a plenitude do ser, que não é estático; não se trata de aceitação ou de mera contestação; o vir-a-ser depende do tempo e do espaço. O esforço deve cessar; disso nasce o ser que transcende os limites da moral e da virtude social, e abala os alicerces da sociedade. Esta maneira de ser é a própria vida, não mero padrão social. Lá onde existe vida não existe perfeição; a perfeição é uma ideia, uma palavra; o próprio acto de viver e de existir transcende toda a forma de pensamento e surge do aniquilamento da palavra, do modelo, do padrão.
Aquela bênção durou horas, irrompendo em clarões de percepção. Ao acordarmos, esta manhã, muito antes de o sol nascer, quando ocorria o eclipse da lua, era tamanho o seu poder e intensidade que não nos foi possível dormir mais. Havia nela uma estranha pureza e inocência.




27 de Agosto


O rio, engrossado por diversos afluentes menores, corria ruidosamente por entre as encostas do vale. De temperamento volúvel, o rio mudava constantemente de humor, sem jamais se tornar desagradável ou sombrio. Cheio de pedras e rochedos, os riachos menores emitiam um som mais estridente; lagos de águas mansas e de pouca profundidade formavam-se às margens, com sombras que dançavam na sua superfície; à noite, envolvia-os uma atmosfera diferente, doce, suave, hesitante. Afluíam de diferentes vales e nascentes, cada uma mais distante que as demais; um brotava de um glaciar ou de uma sinuosa cascata, e um outro poderia ter vindo de uma longínqua fonte, impossível de se alcançar a pé. Ambos desaguavam no rio maior, cujas águas tinham um som mais grave, profundo e cujo ritmo era mais amplo e veloz.
As árvores, enfileiradas às margens sinuosas dos três rios, acompanhavam-nos em toda a sua extensão; eram os donos dos vales e seus demais ocupantes pareciam intrusos, as árvores inclusive. Podia-se contemplá-los por horas a fio, ouvindo-lhes o interminável murmurejar; eram rios muito alegres e cheios de vida, até mesmo o maior de todos, que tinha de manter uma certa dignidade. Oriundos das vertiginosas alturas dos picos das montanhas, tão próximos dos céus, na sua nobre pureza; frios e distantes, seguiam o seu caminho, sem arrogância. Na escuridão da noite, tinham uma sonoridade peculiar que poucos percebiam. Era a essência das canções.
Ao atravessarmos a ponte, no meio do bosque banhado pelo sol, a meditação adquiria um novo significado. Um silêncio espontâneo vinha da ausência de desejo, busca ou lamentos do cérebro; os passarinhos cantavam, os esquilos subiam correndo pelas árvores, a brisa agitava as folhas e o silêncio existia.
O pequeno canal, que vinha de longe, transbordava de alegria, sem abandonar o seu profundo silêncio interior.
Infinita e ilimitada imobilidade, que brotava da mente total. Não se tratava de um silêncio produzido pelo pensamento limitado e estreito, e, portanto, aceite como tal.
Silêncio que não era fruto da experiência, para ser reconhecido e acumulado, pois não tinha fronteiras nem controle. Poderia desaparecer para nunca mais ressurgir, mas, ainda que reaparecesse, seria sempre diferente.
O silêncio é sempre novo; o cérebro é capaz de repetir o passado, através da memória e da recordação, mas o passado não faz parte do presente.
A meditação é a ausência da consciência, resultado do tempo e do espaço.
O pensamento, cerne da consciência, não pode de maneira nenhuma provocar este silêncio; deve ser espontâneo o findar do intrincado e subtil mecanismo cerebral, sem depender de nenhuma recompensa ou garantia. É a única maneira de o cérebro permanecer sensível, vital e sereno. Faz parte da meditação, a compreensão pelo cérebro, de suas actividades superficiais e ocultas; nisto consiste a base da meditação, sem o que se torna uma actividade vazia de significado, conducente à auto-ilusão e à auto-hipnose.
O silêncio é essencial para que ocorra a explosão da criação.
A maturidade não vem com o tempo, nem com a idade. Não existe um intervalo entre o presente e o amadurecimento; esse intervalo não existe mesmo. A maturidade é aquele estado no qual cessou toda a forma de escolha; só os imaturos escolhem e conhecem o conflito nascido da escolha. Na maturidade não existe uma direcção qualquer, mas sim, aquela que não vem da escolha. Qualquer espécie de conflito revela imaturidade.

Não existe o amadurecimento psicológico, a não ser o inevitável processo orgânico de crescimento. Maturidade é a compreensão, que transcende todo e qualquer conflito. Por mais complexo ou subtil que possa parecer o conflito, tanto interior como exterior, é passível de compreensão.
O conflito, a frustração e o preenchimento formam um só movimento, tanto interior como exterior. É como a maré que vai e vem, mas que em si mesma é apenas um movimento.
O conflito deve ser compreendido na sua plenitude, não apenas intelectualmente, mas no contacto vivo e real com a sua essência. Esse contacto emocional e directo com o conflito, a crise, deixa de ocorrer se nos limitarmos a aceitá-lo, intelectualmente, como necessário, ou a negá-lo de forma sentimental. A aceitação ou a rejeição não alteram o facto e nem mesmo o raciocínio será capaz de provocar a crise necessária. Isso só vem com a percepção do facto. Esta percepção não ocorre se houver condenação, justificativa ou identificação com o facto. Esta só se torna possível quando o cérebro cessa sua actividade, limitando-se a observar, abstendo-se do acto de classificar, julgar ou avaliar. Existirá, necessariamente, o conflito enquanto houver a ânsia de preenchimento, com a sua inevitável série de frustrações; existirá o conflito enquanto existir a ambição, com o seu velado e implacável espírito de competição; e a inveja faz parte desse interminável conflito, gerado pelo desejo de vir-a-ser, de obter ou de alcançar o bom êxito.
A compreensão não depende do tempo. A compreensão está sempre no presente, nunca no amanhã; é agora ou nunca; o que existe é o presente. O “ver” (perceber) é instantâneo; cessando no cérebro o conceito do acto de “ver” e compreender, ele é imediato. Esse “ver” é explosivo, isento de cálculo ou raciocínio. Na maioria das vezes, é o medo que impede a compreensão. O medo, com as suas defesas e a sua coragem, é a origem do conflito. O “ver” não apenas vem do cérebro, mas também o transcende.
A percepção do facto cria a sua própria acção, completamente diferente da acção baseada na ideia ou no pensamento; a acção emanada da ideia ou do pensamento gera conflito; a acção que visa a ajustar-se à ideia, ao modelo, gera conflito. No campo do pensamento, todo o conflito é interminável.
Ao despertarmos de madrugada, aquela estranha bênção confundia-se com a meditação. Caminhando na tranquilidade do bosque, sentia-se a sua forte presença.




28 de Agosto


Fora um dia ensolarado e de intenso calor, mesmo num local tão alto como este; os cumes de neve faiscavam à luz do sol. Fazia calor há muitos dias e os riachos de águas claras deslizavam sob o pálido céu azul, cujo colorido parecia conter o vigor da montanha. As flores ao longo do caminho exibiam o seu colorido extraordinariamente alegre e luminoso, e fazia frio nos prados; inúmeras sombras escureciam a paisagem. Há ali um trilho que atravessa os campos, e envereda pelos montes, contornando os campos; o caminho estaria deserto, não fora a velha senhora carregando uma vasilha de leite e uma cestinha com verduras; deve ter passado a vida toda indo e vindo por aquela vereda, quando jovem, subia ágil pelas encostas dos morros e, agora, idosa e alquebrada, subia vagarosamente, com esforço, mal desviando os olhos do chão. Ela deve morrer, mas não as montanhas. Mais adiante, notavam-se duas cabras brancas com olhos bem expressivos; vieram em busca de afago, mantendo-se distantes da cerca eléctrica, que as impedia de fugir. Um gatinho malhado de branco e preto brincava; um outro gato, mais adiante, mantinha-se imóvel no meio do relvado, pronto para saltar em cima de um rato.
Ali, no alto, imperava a frescura e a beleza dos montes e das colinas, dos vales e das sombras. Em alguns trechos, a terra era pantanosa e abrigava um bambuzal dourado e de baixa estatura, com flores de pétalas brancas. Mas, não era só isso. Apesar de termos caminhado sem parar durante uma hora e meia, aquela abençoada força não se ausentou. Tinha a qualidade da absoluta e impenetrável solidez; nem mesmo a matéria poderia ser tão sólida. A matéria é permeável, pode ser fragmentada, diluída, pulverizada; o pensamento e o sentimento têm certo peso; podem ser medidos, alterados, destruídos e até mesmo desaparecer. Mas não era uma projecção do pensamento e muito menos matéria, aquela força inviolável. Não se tratava de uma ilusão nem de uma fantasia projectada por um cérebro ávido de poder. Nenhum cérebro seria capaz de conceber tal força, tamanha solidez e vibração, que simplesmente existiam. Há paixão quando não há nenhuma exigência interior. Roupa, abrigo e alimento são necessidades básicas de sobrevivência, não exigências psicológicas. Estas se traduzem nos secretos desejos e anseios que conduzem ao apego: 0 sexo, a bebida, a fama, a idolatria, com toda a sua complexidade; o desejo de auto-preenchimento, seguido da inevitável ambição e frustração; a busca de deus, da imortalidade. Todas estas formas de íntimas exigências geram o apego, que é a origem do medo, do sofrimento e da dor da solidão.
A necessidade de auto-expressão através da música, da literatura, da pintura ou de um outro meio qualquer conduz ao desesperado apego ao meio. O músico que utiliza o seu instrumento para alcançar a fama, a glória, deixa de ser um músico; ele não ama a música em si, mas sim o lucro que ela lhe proporciona.
Utilizamos uns aos outros de acordo com as nossas necessidades e enfeitamos esta mútua exploração com palavras melodiosas; e disso emana desespero e interminável sofrimento.
Apelamos para Deus como refúgio, protecção ou um remédio qualquer, e assim, a igreja, o templo, com os seus sacerdotes, adquirem enorme significado, quando na realidade não têm nenhum. A fim de satisfazer as nossas íntimas necessidades psicológicas, fazemos uso de tudo, das máquinas, das técnicas, sem que tenhamos amor a elas.
Só existe amor quando não há nenhuma forma de utilização e dependência.
As exigências psicológicas, com a sua inconstância e eterna busca, que levam à substituição de uma dependência por outra, de uma crença por outra, de um compromisso por outro, é a própria essência do “eu”.
Adoptar uma ideia, um método, ou um dogma, ou pertencer a alguma seita, é a origem e a essência do “eu”, que assume a forma de altruísmo. É isto um disfarce, uma máscara. Ao libertar-se das exigências psicológicas, atinge o homem a maturidade. Dessa liberdade nasce uma paixão livre de motivo ou da busca de recompensa.




29 de Agosto


Um trilho serpenteava por entre algumas casas e quintas e atravessava os campos e a cerca de arame farpado. Do alto, descortinava-se uma esplêndida paisagem, com montanhas cobertas de neve e gelo, com vales e uma cidadezinha, repleta de lojas. Dali se via a nascente de um rio e os morros cobertos de pinheiros. Era magnífica a visão do contorno das serras, recortadas contra o céu estrelado, carregadas de mistério. Que noite adorável!
De dia, o céu esteve claro e sem nuvens e, agora, surpreendia a beleza da sombreada luz noturna. Detrás dos montes, o sol projectava sombras gigantescas sobre as demais colinas e campos. Atravessando a relva, o trilho tornava-se íngreme, alargava-se e penetrava no bosque. Não havia ninguém na estrada deserta, e o silêncio da mata só era interrompido pela agitação do rio, à espera da noite para se aquietar. Dos altos pinheiros exalava um suave perfume. Subitamente, ao ultrapassar um longo corredor de árvores enfileiradas, o caminho ia dar num lindo relvado com um tronco de pinheiro recentemente cortado, iluminado pelo sol do entardecer. Um espectáculo de intensa beleza.
Ao vê-lo, o tempo e espaço não existiam: só havia aquele fragmento luminoso. Nós não nos tornávamos aquela luz, nem com ela nos identificávamos. Mas, a aguda actividade do cérebro cessara e o nosso ser, na sua totalidade, lá permanecia com a mesma luz. As árvores, o caminho, o rio já não existiam, bem como a distância entre a luz e o observador. Ausente o observador, o brilho daquele raio de sol vespertino iluminava todo o universo. E não havia separação entre aquela sublime luz e a própria mente.
A maioria das pessoas questiona apenas o superficial. Outros vão longe na sua revolta e há os que negam tudo. Contestar certos fragmentos da existência é relativamente fácil: as igrejas com os seus deuses, a autoridade e o poder que dela emana, o político, com suas actividades egocêntricas. Podemos ir longe na contestação de valores que, aparentemente, têm importância, como as relações, os absurdos praticados pela sociedade, o conceito do belo, firmado pelos críticos ou por aqueles que julgam saber.
É possível abandonar tudo isso e ficarmos sozinhos, não no sentido do isolamento e frustração, mas por termos compreendido o seu significado, sem esforço ou sentimento de superioridade, na certeza de termos investigado alguma coisa até ao fim, de termos esgotado uma questão.
Entretanto, contestar o todo é diferente; a essência da negação está na liberdade inerente à solidão. Poucos se aventuram a ir tão longe, dispostos a destruir os refúgios, as fórmulas, os símbolos, para descobrirem a sanidade e a lucidez.
Mas, como é importante negar; negar sem desejar a recompensa, negar sem alimentar a amargura e a esperança, nascidas da experiência e do saber. Negar e ficar só, sem ocupar-se com o amanhã. Da destruidora revolta surge a inocência do ser. É fundamental ficarmos sós, livres de qualquer padrão, de qualquer método, de qualquer experiência, único meio capaz de libertar a consciência do jugo do tempo. Nesse estado, eliminam-se, pela compreensão, todas as formas de influência, fazendo-se cessar o movimento temporal do pensamento.
A negação do tempo é a essência da eternidade.
Rejeitar a experiência e o conhecido é penetrar no desconhecido. É de efeito imediato, explosivo, o negar; não se trata de mero exercício intelectual, ou de simples entretenimento do cérebro. No próprio acto de negar há energia, a energia da compreensão, que jamais cede diante do medo e do conformismo. É devastadora a negação; esta não mede consequências, nem exprime uma reacção, não sendo, assim, o oposto da afirmação. Asseverar, no sentido positivo ou negativo, ainda é reacção, que não significa negar. Na contestação, não há escolha e, portanto, não surge do conflito. Escolha é conflito e conflito vem da imaturidade. Negar é ver a verdade como verdade, o falso como falso e a verdade no falso. Trata-se de uma acção, não de uma ideia. A libertação do conhecido decorre da completa negação do pensamento, da ideia e da palavra. Nasce o amor da total recusa à sentimentalidade e à emoção. O amor transcende o pensamento e o sentimento.
A essência da liberdade é a rejeição do conhecido.
Ao despertarmos cedo, esta manhã, antes da alvorada, a meditação superava as reacções do pensamento. Era uma viagem ao desconhecido que o pensamento não podia acompanhar. A aurora inundou o céu de claridade, e logo que o sol atingiu o cume das montanhas, uma infinita pureza espraiou-se sobre a terra.




30 de Agosto


O dia esteve claro, sem nuvens e quente; a terra e as árvores preparavam-se para a chegada do inverno. O outono começava a tingir algumas folhas de amarelo vivo, contrastando com o verde-escuro que, até então, predominava. Algumas pessoas colhiam o capim que ia alimentar o gado, durante o longo inverno. Todos trabalhavam, adultos e crianças, sérios e concentrados. As máquinas substituíam as foices, mas, alguns ainda as usavam. A estrada que acompanhava o rio, a certa altura, enveredava pelos campos. Esfriava, pois o sol já se ocultara detrás das montanhas. À margem do caminho, existiam uma serração e algumas quintas.
O suave perfume do açafrão inundava os campos. Anoitecera clara e silenciosamente, e as montanhas pareciam mais próximas do que nunca. O rio seguia o seu curso veloz por entre as pedras, e só a correr seria possível acompanhá-lo. O cheiro de capim cortado recentemente impregnava o ar daquela próspera e feliz região. Nas quintas, havia electricidade e o clima era de paz e fartura.

Poucos apenas contemplam as montanhas ou se detêm para olhar uma nuvem no céu. A maioria olha, faz algum comentário e passa adiante. As palavras, os gestos e a própria emoção dificultam a contemplação. Damos um nome a uma árvore ou a uma flor, podemos classificá-las em categorias, e nada mais. Se alguém estiver perante uma bela paisagem e for um pintor, ou entender de arte, provavelmente a comparará com uma pintura medieval ou invocará o nome de um artista contemporâneo. Se for um escritor, olhará com o intuito de descrevê-la. Se exercer a função de músico, talvez nunca tenha admirado a curva de um monte, ou as flores que se encontram aos seus pés. A ambição e a sua quotidiana actividade o mantêm prisioneiro. Caso seja um especialista, é bem provável que jamais tenha parado para olhar qualquer coisa. O acto de ver exige humildade e inocência. Lá está aquela montanha, iluminada pelo sol do entardecer, e poder vê-la como se jamais a tivéssemos visto, vê-la com o olhar livre do passado, livre do conhecimento, é uma experiência maravilhosa. A palavra experiência é inadequada, pois está impregnada de emoção, saber, reconhecimento e da ideia de continuidade, mas não se trata de nada semelhante. Referimo-nos a uma coisa de todo original. Para vermos o novo, é necessária a humildade, jamais contaminada pelo orgulho e pela vaidade. E foi este olhar inocente que possibilitou, naquela manhã, a visão de um belo espectáculo. Com ele, veio a plenitude do ser, livre de dependência, conflito ou escolha. Era de uma suprema passividade aquele ser que, no entanto, se mantinha activo. O estado de atenção pode ser dinâmico ou de imobilidade. O que acontecia era inteiramente novo, e “vê-lo” constituía o milagre da humildade. O cérebro permanecia imóvel, sem reagir, embora desperto. A esplêndida visão daquela montanha à luz crepuscular, com o olhar livre do passado — ainda que o tivéssemos visto centenas de vezes — era presenciar o nascimento do novo. Não falo aqui a linguagem dos românticos e sentimentais, com a sua crueldade e humores, nem a dos emotivos, com ondas de entusiasmo e depressão. Trata-se de algo diferente, de um estado de absoluta atenção e silêncio. Dele é que surge o novo.
A humildade não é uma virtude cultivável, nem pertence ao campo da moral e da respeitabilidade. Os santos a desconhecem, pois são aceites pela sua santidade. Aquele que adora uma imagem não conhece a humildade, pois está sempre a implorar, a mendigar. Nem tão pouco conhecem esse estado, o devoto e o seguidor. O acumular de bens, experiências ou aptidões, nega a humildade.
O acto de aprender está livre do processo de acumulação, mas não a aquisição de conhecimentos. O saber é de natureza mecânica, o que não ocorre com o aprender. Podemos falar em termos de quantidade no campo do conhecimento, mas nunca na aprendizagem.
Existindo a comparação, cessa o aprender, o processo de percepção imediata, fora dos limites do tempo. Toda a acumulação e conhecimentos são mensuráveis.
A humildade não admite a comparação, não podemos falar em mais ou menos humildade, e é impossível cultivá-la. A moral e a técnica podem ser cultivadas e avaliadas.
A humildade e o amor transcendem os limites do cérebro. A humildade está no próprio acto de findar a aprendizagem. Ao acordarmos, antes do amanhecer, lá estava aquela força austera e poderosa, onde havia um êxtase, e esse continha o rio e a noite silenciosa e estrelada.












Jiddu Krishnamurti


Extractos de “Diário de Krishnamurti”





















Krishnamurti was "discovered" by a group called the Theosophical Society at the early age of 13. He was declared to be the World Teacher that the group had been awaiting. He was the long awaited one to thousands of followers. 
In 1929 he renounced all this and stood on his own and dissolved the "Order of the Star". He opened up a new path: a  "pathless path"

The core of Krishnamurti's teaching is contained in the statement he made in 1929 when he said: "Truth is a pathless land." 
Man cannot come to it through any organization, through any creed, through any dogma, priest or ritual, not through any philosophic knowledge or psychological technique. He has to find it through the mirror of relationship, through the understanding of the contents of his own mind, through observation and not through intellectual analysis or introspective dissection. 
Man has built in himself images as a fence of security -- religious, political, personal. These manifest as symbols, ideas, beliefs. The burden of these images dominates man's thinking, his relationships and his daily life. These images are the causes of our problems for they divide man from man. His perception of life is shaped by the concepts already established in his mind. The content of his consciousness is his entire existence. This content is common to all humanity. The individuality is the name, the form and superficial culture he acquires from tradition and environment. The uniqueness of man does not lie in the superficial but in complete freedom from the content of his consciousness, which is common to all mankind. So he is not an individual. 

Freedom is not a reaction; freedom is not choice. It is man's pretence that because he has choice, he is free. Freedom is pure observation without direction, without fear of punishment and reward. Freedom is without motive; freedom is not at the end of the evolution of man but lies in the first step of his existence. In observation one begins to discover the lack of freedom. Freedom is found in the choiceless awareness of our daily existence and activity. 

Thought is time. Thought is born of experience and knowledge which are inseparable from time and the past. Time is the psychological enemy of man. Our action is based on knowledge and therefore time, so man is always a slave to the past. Thought is ever-limited and so we live in constant conflict and struggle. There is no psychological evolution. 
When man becomes aware of the movement of his own thoughts he will see the division between the thinker and the thought, the observer and the observed, the experiencer and the experience. He will discover that this division is an illusion. Then only is there pure observation which is insight without any shadow of the past or of time. 
This timeless insight brings about a deep radical mutation in the mind. 

Total negation is the essence of the positive. When there is negation of all those things that thought has brought about psychologically, only then is there love, which is compassion and intelligence. 

























"I wrote it (Krishnamurti's Notebook) as a diary while I was traveling…but I did not write it for publication. I describe what I call the process-my sensation of being outside the ordinary world, of being completely at peace and removed from conflict. This happens only from time to time and clearly it is impossible to describe to anybody who has not experienced it.
But I have attempted to put into words the actual pain and sensation which goes with the heightened consciousness. It is not intended in a romantic way: if you lead a certain type of disciplined, quiet life you realize a kind of energy-that's scientific fact-and this affects the non-mechanical part of your brain so that you enter into a new dimension. 
The physical organism is incapable of meetings it and so you get the pain.
 I am not suggesting that everyone should try to attain this, but it may be of interest to some people who have followed my thoughts and ideas to know what happens on a more personal level."







Jiddu Krishnamurti
(interview with The Guardian)
























Tito Colaço


XIX _ III _ MMXV

































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