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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Ignarus...


























Ignarus...





























  A adversidade 
 é essencial  


Porquê espantar-nos que possa ser vantajoso, por vezes mesmo desejável, expor-nos ao fogo, às feridas, à morte, à prisão? 
Para o homem esbanjador a austeridade é um castigo, para o preguiçoso o trabalho equivale a um suplício; ao efeminado toda a labuta causa dó, para o indolente qualquer esforço é uma tortura: pela mesma ordem de ideias toda a actividade de que nos sentimos incapazes se nos afigura dura e intolerável, esquecendo-nos de que para muitos é uma autêntica tortura passar sem vinho ou acordar de madrugada!
Qualquer destas situações não é difícil por natureza, os homens é que são moles e efeminados!
Para formar juízos de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objectos perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos metidos dentro de água. 
O que interessa não é o que vemos, mas o modo como o vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!
Indica-me um jovem ainda incorrupto e de espírito alerta, e ele não hesitará em julgar mais afortunado o homem capaz de suportar todo o peso da adversidade sem dobrar os ombros, o homem capaz de alçar-se acima da fortuna. 
Não é proeza nenhuma manter a calma quando a situação é tranquila; é admirável, pelo contrário, conservar o ânimo quando todos se deixam abater, mantermo-nos em pé quando todos jazem por terra. 
O que há de mal na tortura e em tudo o mais a que damos o nome de "adversidade"? 
Apenas isto, segundo penso: o facto de nos abaixar, abater, humilhar o espírito. 
Ora nada disto pode suceder ao homem sábio, o qual se mantém vertical seja qual for o peso sobre os seus ombros. 
A um tal homem, coisa alguma deste mundo pode humilhar; um tal homem a nada do que é inevitável se recusa. 
O sábio não se lamenta se lhe acontecer algo daquilo a que a condição humana está sujeita. Conhece as próprias forças, sabe que não vergará sob o peso. 
Com isto eu não estou a colocar o sábio à parte do comum dos homens nem a julgá-lo inacessível à dor como se de um penedo inacessível se tratasse. 
Apenas recordo que o sábio é composto de duas partes: uma é irracional, e sensível, portanto, às feridas, às chamas, à dor; a outra é racional, dotada de convicções inabaláveis, inacessível ao medo, indomável. 
É nesta parte que reside o bem supremo para o homem. 
Enquanto o seu bem próprio ainda está por preencher, o espírito do homem pode resvalar na incerteza, mas desde o momento em que atinge a perfeição adquire para sempre a estabilidade total.


 Séneca 

 “Cartas a Lucílio” 














  





  As pessoas 
 sensatas  

Platão comparava a vida a um jogo de dados, no qual devêssemos fazer um lance vantajoso e, depois, bom uso dos pontos obtidos, quaisquer que fossem. 
O primeiro item, o lance vantajoso, não depende do nosso arbítrio; mas receber de maneira apropriada o que a sorte nos conceder, assinalando a cada coisa um lugar tal que o que mais apreciamos nos cause o maior bem e o que mais aborrecemos o menor mal, isso nos incumbe, se formos sensatos. 
Os homens que defrontam a vida sem habilidade ou inteligência são como enfermos que não podem tolerar nem o calor nem o frio; a prosperidade exalta-os e a adversidade desalenta-os. São perturbados por uma e por outra, ou melhor, por si próprios, numa ou noutra, não menos na prosperidade que na adversidade.
Teodoro, chamado o Ateu, costumava dizer que oferecia os seus discursos com a mão direita, mas os seus ouvintes recebiam-nos com a esquerda; os ignaros frequentemente dão mostras da sua inépcia oferecendo à Fortuna uma recepção canhestra quando ela se apresenta de modo destro. 
Mas as pessoas sensatas agem como as abelhas, que extraem mel do tomilho, planta muito seca e azeda; similarmente, as pessoas sensatas muitas vezes obtêm para si algo de útil e aprazível das mais adversas situações.




Plutarco

“Do Contentamento”






















































TITO COLAÇO
XXII _ X _ MMXIV












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