Ignarus...
A adversidade
é essencial
Porquê espantar-nos que
possa ser vantajoso, por vezes mesmo desejável, expor-nos ao fogo, às feridas,
à morte, à prisão?
Para o homem esbanjador a austeridade é um castigo, para o
preguiçoso o trabalho equivale a um suplício; ao efeminado toda a labuta causa
dó, para o indolente qualquer esforço é uma tortura: pela mesma ordem de ideias
toda a actividade de que nos sentimos incapazes se nos afigura dura e
intolerável, esquecendo-nos de que para muitos é uma autêntica tortura passar
sem vinho ou acordar de madrugada!
Qualquer destas situações não é difícil por
natureza, os homens é que são moles e efeminados!
Para formar juízos de
valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro modo
atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objectos
perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos
metidos dentro de água.
O que interessa não é o que vemos, mas o modo como o
vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!
Indica-me um jovem ainda
incorrupto e de espírito alerta, e ele não hesitará em julgar mais afortunado o
homem capaz de suportar todo o peso da adversidade sem dobrar os ombros, o
homem capaz de alçar-se acima da fortuna.
Não é proeza nenhuma manter a calma
quando a situação é tranquila; é admirável, pelo contrário, conservar o ânimo
quando todos se deixam abater, mantermo-nos em pé quando todos jazem por terra.
O que há de mal na tortura e em tudo o mais a que damos o nome de "adversidade"?
Apenas isto, segundo penso: o facto de nos abaixar, abater,
humilhar o espírito.
Ora nada disto pode suceder ao homem sábio, o qual se
mantém vertical seja qual for o peso sobre os seus ombros.
A um tal homem, coisa
alguma deste mundo pode humilhar; um tal homem a nada do que é inevitável se
recusa.
O sábio não se lamenta se lhe acontecer algo daquilo a que a condição
humana está sujeita. Conhece as próprias forças, sabe que não vergará sob o
peso.
Com isto eu não estou a colocar o sábio à parte do comum dos homens nem a
julgá-lo inacessível à dor como se de um penedo inacessível se tratasse.
Apenas
recordo que o sábio é composto de duas partes: uma é irracional, e sensível,
portanto, às feridas, às chamas, à dor; a outra é racional, dotada de
convicções inabaláveis, inacessível ao medo, indomável.
É nesta parte que
reside o bem supremo para o homem.
Enquanto o seu bem próprio ainda está por
preencher, o espírito do homem pode resvalar na incerteza, mas desde o momento
em que atinge a perfeição adquire para sempre a estabilidade total.
Séneca
“Cartas a Lucílio”
sensatas
Platão comparava a vida a um jogo de
dados, no qual devêssemos fazer um lance vantajoso e, depois, bom uso dos
pontos obtidos, quaisquer que fossem.
O primeiro item, o lance vantajoso, não depende do nosso arbítrio; mas receber de maneira apropriada o que a sorte nos conceder, assinalando a cada coisa um lugar tal que o que mais apreciamos nos cause o maior bem e o que mais aborrecemos o menor mal, isso nos incumbe, se formos sensatos.
Os homens que defrontam a vida sem habilidade ou inteligência são como enfermos que não podem tolerar nem o calor nem o frio; a prosperidade exalta-os e a adversidade desalenta-os. São perturbados por uma e por outra, ou melhor, por si próprios, numa ou noutra, não menos na prosperidade que na adversidade.
Teodoro, chamado o Ateu, costumava dizer que oferecia os seus discursos com a mão direita, mas os seus ouvintes recebiam-nos com a esquerda; os ignaros frequentemente dão mostras da sua inépcia oferecendo à Fortuna uma recepção canhestra quando ela se apresenta de modo destro.
Mas as pessoas sensatas agem como as abelhas, que extraem mel do tomilho, planta muito seca e azeda; similarmente, as pessoas sensatas muitas vezes obtêm para si algo de útil e aprazível das mais adversas situações.
O primeiro item, o lance vantajoso, não depende do nosso arbítrio; mas receber de maneira apropriada o que a sorte nos conceder, assinalando a cada coisa um lugar tal que o que mais apreciamos nos cause o maior bem e o que mais aborrecemos o menor mal, isso nos incumbe, se formos sensatos.
Os homens que defrontam a vida sem habilidade ou inteligência são como enfermos que não podem tolerar nem o calor nem o frio; a prosperidade exalta-os e a adversidade desalenta-os. São perturbados por uma e por outra, ou melhor, por si próprios, numa ou noutra, não menos na prosperidade que na adversidade.
Teodoro, chamado o Ateu, costumava dizer que oferecia os seus discursos com a mão direita, mas os seus ouvintes recebiam-nos com a esquerda; os ignaros frequentemente dão mostras da sua inépcia oferecendo à Fortuna uma recepção canhestra quando ela se apresenta de modo destro.
Mas as pessoas sensatas agem como as abelhas, que extraem mel do tomilho, planta muito seca e azeda; similarmente, as pessoas sensatas muitas vezes obtêm para si algo de útil e aprazível das mais adversas situações.
Plutarco
“Do
Contentamento”
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