Aliud in ore, aliud in corde…
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Duas mulheres a carregar lenha
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Duas mulheres desciam pelo caminho carregando lenha na cabeça.
Uma era
idosa e a outra bem jovem, e os fardos que carregavam pareciam bastante
pesados.
Cada uma equilibrava sobre a cabeça, protegida por um rolo de tecido,
um longo fardo de galhos secos amarrados com cipós verdes, que o mantinha no
lugar com a ajuda de uma das mãos.
Os seus corpos balançavam livremente enquanto
elas desciam o morro com passos ligeiros.
Elas nada tinham nos pés, embora o
caminho fosse áspero.
O pé parecia encontrar o seu caminho, pois as mulheres não
olhavam para baixo, mantinham as suas cabeças erectas, os olhos injectados e
distantes.
Eram muito magras, com as costelas à mostra, e o cabelo da mulher
mais velha estava embaraçado e sujo.
O cabelo da garota deve ter sido penteado
e untado recentemente, porque estava ainda um pouco limpo, com fios reluzentes, mas também estava cansada.
E exalava exaustão.
Não havia muito tempo
que ela brincava e cantava com as outras crianças, mas isso tinha acabado. Agora a sua vida era juntar madeira nos morros, e seria até ela morrer, com um
intervalo de vez em quando, com a chegada de um filho.
Fomos descendo o
caminho.
A cidadezinha ficava a várias milhas distante, e lá venderiam os seus
fardos por uma ninharia, só para começar amanhã outra vez.
Elas conversavam,
com longos intervalos de silêncio.
De repente a mais jovem disse para a mãe que
estava com fome, e a mãe respondeu que elas haviam nascido com fome, vivido com
fome e morreriam com fome, esse era o destino delas.
Era a afirmação de um
facto, na voz dela não havia reprovação, nem raiva, nem esperança.
Continuamos
descendo o caminho pedroso.
Não havia observador a ouvir, penalizado, e
andando atrás delas. Ele não era parte delas por amor e pena, ele era elas.
Elas não eram os estranhos que ele havia encontrado na subida, elas eram dele, eram dele as mãos que carregavam os fardos, e o suor, a exaustão, o cheiro, a
fome, não eram delas, para serem lamentados e compartilhados.
O tempo e o
espaço acabaram.
Não havia pensamentos nas nossas cabeças, muito cansadas para
pensar, e se pensamos, era para vender a madeira, comer, descansar e começar
outra vez.
O pé no caminho pedroso nunca se feria, nem o sol sobre a cabeça.
Havia apenas dois de nós descendo aquele morro costumeiro, passando pelo poço
onde bebemos como sempre e cruzando o leito seco do córrego que lembrávamos.
J. Krishnamurti
Commentaries on Living chapter 44
Positive and negative teaching
TITO COLAÇO
VIII ___ IX ___ MMXIV
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