Páginas

domingo, 7 de setembro de 2014

Tempus tempora temperat...

_______________________________________________







Tempus tempora temperat...








_______________________________________________



   A diferença entre ficção e crença   

Não há nada mais livre do que a imaginação humana, embora não possa ultrapassar o stock primitivo de ideias fornecidas pelos sentidos externos e internos, ela tem poder ilimitado para misturar, combinar, separar e dividir estas ideias em todas as variedades da ficção e da fantasia imaginativa e novelesca. 
Ela pode inventar uma série de eventos com toda a aparência de realidade, pode atribuir-lhes um tempo e um lugar particulares, concebê-los como existentes e des­crevê-los com todos os pormenores que correspondem a um facto histórico, no qual ela acredita com a máxima certeza. 
Em que consiste, pois, a diferença entre tal ficção e a crença?
Ela não se localiza sim­plesmente numa ideia particular anexada a uma concepção que obtém o nosso assentimento, e que não se encontra em nenhuma ficção conhecida. Pois, como o espírito tem autoridade sobre todas as suas ideias, poderia voluntariamente anexar esta ideia particular a uma ficção e, por conseguinte, seria capaz de acreditar no que lhe agradasse, embora se opondo a tudo que encontramos na experiência diária. Po­demos, quando pensamos, juntar a cabeça de um homem ao corpo de um cavalo, mas não está em nosso poder acreditar que semelhante animal tenha alguma vez existido. 
Conclui-se, portanto, que a diferença entre a ficção e a crença se localiza em algum sentimento ou maneira de sentir, anexado à última e não à primeira, que não depende da vontade e não pode ser mani­pulado a gosto.
É preciso que a natureza a desperte como os outros sentimentos, é preciso que ela nasça da situação particular em que o espírito se encontra em cada conjuntura particular. Todas as vezes que um objecto se apresenta à memória ou aos sentidos, pela força do costume, a imaginação é levada imediatamente a conceber o objecto que lhe está habitualmente unido, esta concepção é acompanhada por uma maneira de sentir ou sentimento, diferente dos vagos devaneios da fantasia. Eis toda a natureza da crença.
Visto que a nossa mais firme crença sobre qualquer facto sempre admite uma concepção que lhe é contrária, não haveria, portanto, nenhuma diferença entre o nosso assentimento ou rejeição de qualquer concepção, se não houvesse algum sentimento distinguindo uma da outra. Se vejo, por exemplo, uma bola de bilhar deslizar em direcção de outra numa mesa polida, posso imaginar com clareza que uma parará ao chocar-se com a outra. Esta concepção não implica contradição, porém sinto-a muito diferente da concepção pela qual me represento, o impulso e a comunicação do movimento de uma bola a outra.           
Se tentássemos uma definição deste sentimento, veríamos, talvez, que se trata de tarefa muito difícil, senão impossível, da mesma ma­neira como se tentássemos definir a sensação de frio ou a paixão de cólera a uma criatura que nunca teve a experiência destes sentimentos. 
Crença é o nome verdadeiro e próprio desta maneira de sentir, nin­guém jamais se encontra em dificuldade para saber o significado da­quele termo, porque cada um está, em todo o momento, consciente do sentimento que representa. 
Sem dúvida, não seria impróprio tentar uma descrição deste sentimento esperando chegar, por este meio, a algumas analogias que poderiam fornecer uma explicação mais per­feita. 
Digo, pois, que a crença não é nada senão uma concepção de um objecto mais vivo, mais vivido, mais forte, mais firme e mais estável que aquela que a imaginação, por si só, seria capaz de obter. Uso esta variedade de termos, embora tão pouco filosófica, com a única intenção de exprimir este acto de espírito que nos revela realidades, ou que se considera como tal, mais presentes a nós que as ficções, que as faz pensar mais no pensamento e lhes dá uma influência superior às pai­xões e à imaginação. 
Desde que concordamos no tocante à coisa, é desnecessário discutir acerca dos termos. 
A imaginação governa todas as suas ideias e pode uni-las, misturá-las e variá-las de todas as formas possíveis. Pode conceber objectos fictícios em todas as situações de espaço e de tempo. Pode colocá-los de certa maneira diante dos nossos olhos com as suas próprias cores, exactamente como se houvessem exis­tido. Mas, como é impossível que essa faculdade da imaginação possa jamais, por si mesma, converter-se em crença, é evidente que a crença não consiste na natureza particular ou na ordem da ideias, mas na maneira como o espírito as concebe e as sente. 
Confesso que é impos­sível explicar com perfeição este sentimento ou esta maneira de con­ceber. Podemos usar palavras que expressam algo parecido. Mas o seu nome verdadeiro e próprio, como já dissemos, é crença: termo que cada um compreende suficientemente na vida corrente. 
Em filosofia, não podemos ir além da seguinte afirmação: crença é qualquer coisa sentida pelo espírito, que distingue as ideias dos juízos das ficções da imaginação. Ela dá-lhes maior peso e influência, faz parecê-las de maior importância, reforça-as no espírito e estabelece-as como prin­cípios directivos das nossas acções. Ouço agora, por exemplo, a voz de uma pessoa conhecida, e o som parece vir do quarto contíguo. Esta impressão dos meus sentidos conduz imediatamente o meu pensamento à pessoa e, ao mesmo tempo, a todos os objectos circundantes. Eu pinto-os para mim mesmo como existentes actualmente e com as próprias qualidades e relações que já sabia que possuíam. Estas ideias apo­deram-se do meu espírito mais depressa que as ideias de um castelo encantado. Sinto-as de modo muito diferente, e a sua influência é bem maior, em todos os pontos de vista, tanto para produzir prazer e dor como alegria e tristeza. 


David Hume
"Investigação acerca do entendimento Hhmano"









Seria incorrecto afirmar que todos temos a necessidade de respirar pensando que o fazemos apenas por uma necessidade fisiológica.
Seria inconcebível se a decorrência de uma habitabilidade generosa em vulgaridade de conduta e comportamento estabelecido e formatado pela vigência da ordem social, que em cada época circunstancialmente predomine, pudesse de alguma forma, ser sentida em livre possessão própria de uma mente descondicionada, visto que, para que tal pudesse suceder, teria a mesma de renunciar veemente à sua origem e posição de comum mortal dependente de uma sociedade organizada, na procura permanente de necessidades nem todas básicas, e portanto, corrompíveis desse processo de desapego ao desnecessário para a evolução de um organismo composto humano, designado pela expressão popular de ser um Ser-humano, e por isso, humana e socialmente vinculado a essa tendência dependente e intensamente primária da formatação.
Não temos ainda, neste século em que passados mais de 2000 anos da contagem do nascimento de um homem que veio fazer e trazer a diferença, embora as suas mensagens tivessem sido deturpadas o bastante para as desfigurar na sua essência, de atingir intrinsecamente no interior de cada um, a mudança querida e vital para o crescimento de um indivíduo e depois no seu colectivo, todo o fulgor gerador de uma consciência. No sentido que os mesmos enquanto actores protagonistas deste teatro planetário, com um realizador disponível para propor cenas estimadas nas performances individuais integradas em cenários que os próprios não atingem o propósito dos seus guiões, dir-se-ia então, que passados estes e todos os outros milhares de anos que os antecederam, assim como os antecedores e sucessores mestres que vieram a este plano físico com as mesmas verbalidades, continua-se a ter a mesma vontade de ser um pássaro que teima em não voar com a natural capacidade de atingir alcances onde se possa sentir a força do vento a acompanhá-lo com o carinho de parceiro da mesma criação, e não como uma força contrária ou de bloqueio, que essa incompreensão do saber voar lhe apraz.
Cada minuto do tempo cronológico medido pelo homem, é negado por este, a sua capacidade e contínua aceitação e persistência na mentira, de que este tempo lhe é estranho e desconectado sem a função de lhe empreender o contágio da sua energia e natural beleza, em fazer desse minuto, um milénio de esplêndida e única experiência humana, imensurável e tão avaliada nos meandros cósmicos, à semelhança como o ouro representa ainda hoje para os homens neste planeta.
Resta esperar que esse tempo tão humanamente representado nas suas características de fazedores de sonhos, tão bem interpretado como actores e respectivas personagens numa trama humana, sejam capazes de um dia, serem pássaros que usem as asas para voarem, confiantes de que o solo é distante porque conseguem mantê-lo em distância segura, e que é um parceiro aquando do pouso, tal como o vento aproveitado em seu benefício, e não tido como forças contrárias, aliados no conjunto co-criado pelo mesmo autor, e consiga atingir quer individual como colectivo, uma plena visão e vida, que só a uma certa altitude é capaz de sentir e viver.


TITO COLAÇO
Extracto de "Pássaro que não sabe voar"  
2014

















































by Ana Luisa Kaminski 








TITO COLAÇO
VII ___ IX ___ MMXIV







_______________________________________________

0 comentários:

Enviar um comentário