Consensus
tollit errorem...
________________________________________________
Conduta apropriada
A maior parte das pessoas deixa-se
irritar e exasperar pelos actos de negligência, não apenas de parentes e amigos
como, inclusive, dos inimigos. Os ralhos, a irascibilidade, a inveja, a
malevolência e o ciúme maligno são próprios, tão-somente, das pessoas
infectadas por tais pestilências, que afligem e oprimem gente insensata, brigas
de vizinhos, apatia de amigos, mau procedimento de funcionários no desempenho
das suas obrigações, são instâncias disso.
Coloca-te em lugar de destaque na
lista das pessoas que abominam semelhante conduta, como os doutores em
Sófocles, que "bile amarga com remédio amargo purgam", exibes indignação e
exasperação para fazer parelha com as suas paixões e destemperos.
Isto é
ilógico.
O negócio confiado à tua administração é realizado, em boa parte, não
por pessoas de carácter recto e direito, como instrumentos apropriados à
execução de um trabalho, mas por ferramentas tortas e defraudadas.
Não imagines
que seja de tua responsabilidade corrigi-las, ou que tal seja fácil de fazer.
Mas se as usares de conformidade com o que são, do mesmo modo por que os
médicos usam boticões ou pinças cirúrgicas, revestindo-te da calma e da
moderação exigidas pela situação, o prazer que experimentarás com a tua sábia
conduta será maior do que o teu vexame pela crueza e depravação dos outros.
Considerarás que estão apenas a agir de acordo com a
sua natureza, como cães que latem, e não mais quererás concentrar uma massa de
vexação num espírito impotente e mesquinho, à semelhança da borra que se vai
acumulando numa pia rasa e vazia, e que te pode infectar com os pesares
alheios.
Certos filósofos chegam mesmo a censurar a piedade dispensada aos
infortunados, argumentando que ajudar o próximo é caridade, mas partilhar da
sua aflição e a ela render-se não o é.
(...)
(...)
Mas quando vêem que as suas próprias vidas são carrancudas, taciturnas, opressas, e perturbadas por paixões intérminas e altamente nocivas, por preocupações e aborrecimentos, não encontram trégua nem alívio para si próprios; como o poderiam?
Não apenas isso, mas quando os outros os incitam a encontrá-los, não dão atenção nenhuma ao argumento cuja aceitação os capacitaria a tolerar o presente sem recriminação, a recordar o passado com gratidão e a enfrentar o futuro sem apreensão nem receio, mas com gaia e luminosa esperança.
Plutarco
"Do contentamento"
O governo ordena: "Vai e mata, por amor à pátria!" Isso é amor?
A religião preceitua: "Abandona o sexo, pelo amor de Deus". Isso é amor?
O amor é desejo? Não digas que não.
Para a maioria de nós, é; desejo acompanhado de prazer, prazer derivado dos sentidos, pelo apego e o preenchimento sexual.
Não sou contrário ao sexo, mas vede o que ele implica. O que o sexo vos dá momentaneamente é o total abandono de vós mesmos, mas, depois, voltais à vossa agitação; por conseguinte, desejais a constante repetição desse estado livre de preocupação, de problema, do "eu".
Dizeis que amais vossa esposa. Nesse amor está implicado o prazer sexual, o prazer de terdes uma pessoa em casa para cuidar dos filhos e cozinhar. Dependeis dela; ela vos deu o seu corpo, as suas emoções, os seus incentivos, um certo sentimento de segurança e bem-estar. Um dia, ela vos abandona; aborrece-se ou foge com outro homem, e eis destruído todo o vosso equilíbrio emocional; essa perturbação, de que não gostais, chama-se ciúme.
Nele existe sofrimento, ansiedade, ódio e violência.
Por conseguinte, o que realmente estais dizendo é: "Enquanto me pertences, eu te amo; mas, tão logo deixes de pertencer-me, começo a odiar-te. Enquanto posso contar contigo para a satisfação das minhas necessidades sociais e outras, amo-te, mas, tão logo deixes de atender a minhas necessidades, não gosto mais de ti".
Há, pois, antagonismo entre ambos, há separação, e quando vos sentis separados um do outro, não há amor.
Mas, se puderdes viver com a vossa esposa sem que o pensamento crie todos esses estados contraditórios, essas intermináveis contendas dentro de vós mesmos, talvez então - talvez - sabereis o que é o amor. Sereis então completamente livre, e ela também; ao passo que, se dela dependeis para os vossos prazeres, sois seu escravo. Portanto, quando uma pessoa ama, deve haver liberdade, a pessoa deve estar livre, não só da outra, mas também de si própria.
TITO COLAÇO
XXII ___ IX ___ MMXIV
0 comentários:
Enviar um comentário