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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Beliefs...


















































 Sobre a crença 
 em Deus 


 Pergunta: 

A crença em Deus foi sempre um poderoso incentivo para uma vida melhor. 
Por que negais a Deus? 
Por que não procurais reanimar a fé do homem na ideia de Deus?



 krishnamurti: 


Consideremos este problema com amplitude e de maneira inteligente.
Eu não nego Deus, seria absurdo fazê-lo.
Só o homem que não conhece a realidade se entretém com palavras sem significação.
O homem que diz que sabe, não sabe.
O homem que conhece a realidade, momento por momento, não tem meios de comunicar essa realidade.
A crença é negação da verdade, a crença é um obstáculo à verdade, crer em Deus não é achar Deus.
Nem o crente nem o descrente acharão Deus. Porque a realidade é o desconhecido, e a vossa crença ou descrença do desconhecido é simples auto-projecção, e por conseguinte não é real.
Sei que credes e sei que isso tem muito pouca significação na vossa vida. Há muitas pessoas que crêem, milhões crêem em Deus e encontram consolo nisso.
Em primeiro lugar, por que credes?
Credes porque isso vos dá satisfação, consolo, esperança, e dizeis que essas coisas dão sentido à vida. Na realidade, a vossa crença tem muito pouca significação, porque credes e explorais.
Credes e matais, credes num Deus universal e vos assassinais mutuamente.
O rico também crê em Deus, explora impiedosamente, acumula dinheiro, e depois manda construir uma igreja ou se torna filantropo.
Os homens que lançaram a bomba atómica sobre Hiroxima disseram que Deus os acompanhava, os que voavam de Inglaterra para destruir a Alemanha, diziam que Deus era o seu co-piloto.
Os ditadores, os primeiros-ministros, os generais, os presidentes, todos falam de Deus e têm fé imensa em Deus. Estão a prestar algum serviço tornando melhor a vida do homem?
As mesmas pessoas que dizem crer em Deus, devastaram a metade do mundo, e o deixaram em completa miséria.
A intolerância religiosa, dividindo os homens em fiéis e infiéis, conduz a guerras religiosas. Isso mostra o nosso estranho senso político.
A crença em Deus é "poderoso incentivo para uma vida melhor"
Por que precisais de um incentivo para viver melhor?
Ora, por certo, o vosso incentivo deve ser o vosso próprio desejo de viver com pureza e simplicidade, não achais?
Se conferis tanta importância ao incentivo, não estais interessado em tornar a vida possível para todos: estais interessado unicamente no vosso in­centivo, que é diferente do meu incentivo, e brigaremos por causa dos nossos incentivos.
Se vivemos felizes e unidos, não porque cremos em Deus, mas porque somos humanos, compartilharemos os diferentes meios de produção, a fim de produzirmos, para todos, as coisas necessárias.
Em virtude da nossa falta de inteligência, aceitamos a ideia de uma superinteligência, a que chamamos Deus, mas esse Deus, essa superinteligência, não nos dará uma vida melhor.
O que conduz a uma vida melhor é a Inteligência, e não pode haver inteligência se há crenças, se há divisões de classes, se os meios de produção se encontram nas mãos de poucos, se há nacionalidades isoladas e governos soberanos.
Tudo isso indica, por certo, evidente falta de inteligência, e é isso que nos está privando de uma vida melhor, e não a falta de crença em Deus.
Todos vós credes, de diferentes maneiras, mas a vossa crença não tem realidade alguma.
A realidade é o que sois, o que fazeis, o que pensais, e a vossa crença em Deus é apenas uma fuga do vosso viver monótono, estúpido, e cruel.
Além disso, a crença, invariavelmente, separa os homens: temos o hindu, o budista, o cristão, o comunista, o capitalista, etc.
A crença, a ideia, divide, não une os homens.
Será possível unir certo número de pessoas num grupo, mas este grupo se oporá a outro grupo. Ideias e crenças nunca são unificadoras, ao contrário, são factores de desavença, desintegração e ruína.
Por conseguinte, a vossa crença em Deus só está, na verdade, a espalhar misérias pelo mundo.
Ainda que vos tenha trazido um momentâneo conforto, na realidade ela trouxe mais sofrimentos e mais destruição, sob a forma de guerras, fome, divisões de classe, e as crueldades de certos indivíduos.
A vossa crença, pois, é sem eficácia. Se deveras crêsseis em Deus, se isso fosse uma experiência real, os vossos semblantes irradiariam afecto, e não estaríeis destruindo os vossos semelhantes.
Mas, o que é a realidade, o que é Deus?
Deus não é a palavra, a palavra não é a coisa.
Para conhecer aquilo que é imensurável, independente do tempo, a mente deve estar livre do tempo, o que significa que deve estar livre de todo o pensamento, de todas as ideias relativas a Deus.
Que sabeis de Deus ou da verdade?
De facto nada sabeis daquela realidade.
O que conheceis são só palavras, experiências de outrem, ou alguns momentos de experiências um tanto vagas, de vós mesmos.
Isso, naturalmente, não é Deus, não é a realidade, não está fora da esfera do tempo.
Para conhecer o que está além do tempo, é preciso compreender o processo do tempo, sendo o tempo pensamento, processo de "vir a ser", acumulação de conhecimentos.
Aí está todo o fundo que constitui a mente, a mente, ela própria, é o fundo, consciente e inconscientemente, colectiva e individualmente.
A mente, por conseguinte, deve estar livre do conhecido, o que significa que deve estar de todo silenciosa, sem ter sido posta em silêncio.
A mente que alcança o silêncio como resultado, como consequência de determinada acção, exercício, disciplina, não é mente silenciosa.
A mente que é constrangida, controlada, moldada, posta numa forma e obrigada a ficar quieta, não é mente tranquila.
Podeis conseguir, por certo período de tempo, forçar a mente a um silêncio superficial, mas essa mente não é tranquila.
A tranquilidade só pode vir quando se compreende todo o processo de pensamento, porque, compreender o processo é pôr-lhe fim, e o fim do processo de pensamento é o começo do silêncio.
Só quando a mente está em silêncio completo, não só na superfície, mas no fundo, de ponta a ponta, tanto nos níveis superficiais como nos níveis mais profundos da consciência, só então pode o desconhecido manifestar-se na existência.
O desconhecido não é passível de ser experimentado pela mente, só o silêncio pode ser experimentado, nada mais senão o silêncio.
Se a mente experimenta algo que não seja silêncio, está apenas projectando os seus próprios desejos e portanto não está em silêncio, enquanto a mente não estiver silenciosa, enquanto o pensamento, sob qualquer forma, consciente ou inconsciente, estiver em movimento, não pode haver silêncio.
Silêncio é liberdade, é estar livre do passado, do saber, da memória, tanto consciente como inconsciente.
Quando a mente está silenciosa de todo, quando não está em uso, quando há o silêncio que não é produto de esforço, só então se manifesta o atemporal, o eterno. Esse estado não é um estado de lembrança, não há nele entidade que se recorda, que experimenta.
Por consequência, Deus ou a verdade, ou como quiserdes chamá-lo, é algo que se manifesta de momento a momento, e isso só pode acontecer num estado de liberdade e espontaneidade, e não quando a mente foi disciplinada, de acordo com um padrão. Deus não é produto da mente, não é resultado de auto-projecção, só pode surgir quando há virtude, que é liberdade.
Virtude é enfrentar o facto, o que é.
E enfrentar o facto é um estado de bem-aventurança.
Só quando a mente está repleta de felicidade, tranquila, imóvel, sem nenhuma projecção de pensamento, consciente ou inconsciente, só então se manifesta o Eterno.


J. Krishnamurti
“A primeira e última liberdade”




























Tito Colaço

VI _ XI _ MMXIV






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