Welcome
to reality...
Num
mundo onde se adora o bom êxito, compreende-se e estimula-
se
esta espécie de progresso pessoal. Mas quando outra pessoa me
diz que sou discípulo de um Mestre, ou quando penso que o sou, isso
conduz, sem dúvida nenhuma, a torpes formas de exploração.
Infelizmente,
tanto o explorador como o explorado sentem uma vaidosa exultação
nas suas mútuas relações.
A expansão contínua dessa vaidade é considerada como progresso espiritual, torna-se, entretanto,
particularmente
feia e brutal quando há intermediários entre o discípulo
e
o Mestre, quando este se encontra noutro país, ou por outra razão
qualquer, é inacessível e não há um directo contacto físico entre ambos.
Esta
inacessibilidade e falta de contacto directo abre a porta à auto-mistificação e
a ilusões grandiosas, porém infantis, e estas ilusões são exploradas
pelos mais astutos, os ambiciosos de glória e de poder.
Só há recompensa e punição, quando não há humildade.
A humildade não é um resultado final de exercícios e renúncias espirituais.
A
humildade não é uma perfeição, uma virtude que cumpre cultivar.
Uma
virtude cultivada, não é mais virtude, é apenas aquisição de uma
nova
excelência, superação de resultados anteriores.
Uma virtude cultivada
não é negação do eu, porém, antes, exaltação negativa do eu.
A
humildade desconhece a divisão entre superior e inferior, entre mestre
e discípulo.
Enquanto existir a separação entre mestre e discípulo,
entre a realidade e cada um de nós, é impossível a compreensão.
Na
compreensão da verdade não há mestres nem discípulos, não
há adiantados, nem atrasados.
A verdade é a compreensão do que
é,
de momento em momento, livre da carga ou do resíduo do momento
passado.
A recompensa e a punição só podem fortalecer o eu, o que é negar
a humildade.
A humildade está no presente e não no futuro.
Ninguém
pode tornar-se humilde. Vir a ser é dar continuidade à
arrogância
do eu, a qual se esconde na prática de uma virtude.
Como é forte a nossa
vontade de sermos bem sucedidos, de chegarmos a ser!
Como podem andar juntos o
bom êxito e a humildade?
É a isso entretanto
que aspiram o explorador e o explorado “espirituais”, e aí,
só se encontram conflito e sofrimento.
“Quer
dizer, então, que não existe o mestre, e que ser discípulo
é uma ilusão, uma hipocrisia?” — perguntou.
Que
importa se o mestre existe ou não!
Para os exploradores, para
as escolas e sociedades secretas, sim.
Mas, para o homem que busca
a verdade, a qual traz a felicidade suprema, esta questão, por
certo, é de todo em todo irrelevante.
O homem rico e o cule são tão
importantes como o mestre e o discípulo.
Se os mestres existem ou
não existem, se há distinções entre iniciados, discípulos, etc., não
importa, o importante é que compreendais a vós mesmos, sem
auto-conhecimento,
o que pensais, o que raciocinais, não tem base alguma.
Se não vos conhecerdes em primeiro lugar, como podereis conhecer
o que é verdadeiro?
É inevitável a ilusão quando não existe auto-conhecimento.
É infantil acreditarmos quando alguém nos diz que
somos isto ou aquilo.
Cuidado com o homem que vos oferece uma
recompensa, neste mundo ou no próximo!
Renunciar ao mundo da riqueza, do conforto e da posição é relativamente fácil, mas acabar com a ânsia de ser, de vir a
ser, requer muita inteligência e compreensão.
O poder que a riqueza confere é um obstáculo à compreensão da Realidade, e igualmente o é o poder do talento e da capacidade.
Esta forma de confiança é evidentemente uma actividade do eu, e embora difícil, é possível extirpar esta espécie de arrogância e de poder.
O que é muito
mais subtil e oculto, porém, é a força e o ímpeto existente na ânsia de vir a ser.
A
expansão do eu, sob qualquer aspecto, pela riqueza, pela virtude, é um processo de conflito causador de antagonismo e
confusão.
A mente carregada do vir a ser nunca pode estar
tranquila, pois a tranquilidade não é um resultado de exercícios nem do tempo.
A
tranquilidade é um estado de compreensão, e o vir a ser nega a compreensão.
O vir a ser cria a noção do tempo, o que, com efeito,
significa adiamento da compreensão.
O eu serei é uma ilusão nascida
da
arrogância do eu.
J. Krishnamurti
"Comentários sobre o viver"
Tito
Colaço
IV
_ XI _ MMXIV
O que interessa se o amanhã será como o idealizámos, se o hoje ainda está por fazer?
O que interessa se o que dizem, de palavras não deixam de ser, e grande diferença entre o dizer e o actuar?
Compreendidas e interpretadas por uma mente condicionada, formatada, por tudo o que o homem criou, desde à milhares de anos, impostas por uns a tantos outros, pelo exterior, como se vazios fossem.
Os factos não sobejam, as mesmas receitas desde então, tantos sistemas religiosos, políticos, socio-económicos, diversos mas impotentes, aonde nos têm levado?
Sim, temos mais tecnologia, toneladas de conhecimento, evoluímos exteriormente, quando por dentro, no interior, continuamos a ser homens das cavernas, que ainda não descobriram o "fogo", a luz interna, para se iluminar.
Ilusões criadas, em tantos deuses, adorados por diversas religiões criadas, para incutir o "medo" nos ingénuos, os manterem sob o seu jugo, o seu poder, de poucos sobre muitos.
Ilusões criadas, em diversos tipos de sociedades até à dita moderna, tantos sistemas políticos experimentados, tantas guerras milhões chacinaram, tanta miséria e sofrimento causados.
Ilusões de que pelo exterior se consegue o homem perfeito, a sociedade perfeita, as relações humanas perfeitas, as relações com a natureza e animais perfeitos, tudo indicado pelos deuses, pelos salvadores, pelos lideres religiosos, políticos, gurus, seitas, ou até pelo mundo virtual se poderá conseguir...
Tanto esforço, tanto empreendimento, tantos sacrifícios, tantas vidas, tanto sofrimento.
Tantas revoluções (externas), tantas batalhas exteriores ao homem, impondo, obrigando, escravizando, matando.
Sabe-se tanto agora do mundo exterior, macro-física, micro-física, até da física quântica se começa a descobrir, que do conhecimento interior, são analfabetos, amordaçados e cegos pelo deslumbramento momentâneo e limitado do "eu".
Do "eu" que comanda a existência humana, da negação de que somos "nós" e não "eu" e "eles".
Cada vez que se olha o outro, como sendo algo estranho a nós, cometem-se as maiores atrocidades por esta separação do todo humano, da espécie humana, pela ganância do poder, dinheiro, prestígio, posição, adoração, bajulação, idolatração, endeusamento, perpetuado pelo "eu" individual, egoísta, preocupado só com o bem-estar externo e materialista.
A acção contrária a tudo isto, sem que sejam outros a dizê-lo, a forçá-lo, mas cada um a sentir essa necessidade, de investigar seriamente o seu interior, na inevitável busca da verdade, aquela que não se encontra nas palavras nem em coisas criadas pelos homens, a que reside fora do conhecimento humano, uma vez que este sendo criado pela mente limitada, por sua vez será limitado, não tendo um encontro gradual, mas imediato, porque a verdade não tem um caminho fixo e progressivo, ela é ou não é, de forma incondicional e desformatada.
Os olhos e o coração passam a ser diferentes.
O mundo pode ser diferente.
Tito Colaço
04.11.2014
0 comentários:
Enviar um comentário