“Seeing is a very
complex affair.
One sees casually with one’s eyes and swiftly passes by, never
seeing the details of a leaf, its form and structure, its colours, the variety
of greens.
To observe a cloud with all the light of the world in it, to follow
a stream chattering down the hill; to look at your friend with the sensitivity
in which there is no resistance and
to see yourself as you are without the
shades of denial or easy acceptance;
to see yourself as part of the whole; to
see the immensity of the universe, this is observation: to see without the
shadow of yourself.”
Jiddu Krishnamurti
"Letters to the schools"
As you are...
"Às vezes, quando ergo a cabeça estonteada dos livros em que escrevo as contas alheias e a ausência de vida própria, sinto uma náusea física, que pode ser de me curvar, mas que transcende os números e a desilusão.
A vida desgosta-me como um remédio inútil. E é então que eu sinto com visões claras como seria fácil o afastamento deste tédio se eu tivesse a simples força de o querer deveras afastar.
Vivemos pela acção, isto é, pela vontade. Aos que não sabemos querer, sejamos génios ou mendigos, irmana-nos a impotência. De que me serve citar-me génio se resulto ajudante de guarda-livros?
Quando Cesário Verde fez dizer ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio, mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos do orgulho inútil que suam o cheiro da vaidade. O que ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio. O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta.
Agir, eis a inteligência verdadeira.
Serei o que quiser.
Mas tenho que querer o que for.
O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito.
Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se o não fizerem ali?"
“Há uma erudição do conhecimento, que
é propriamente o que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento, que
é o que se chama cultura.
Mas há também uma erudição da sensibilidade.
A erudição da sensibilidade nada tem a ver com a experiência da vida.
A
experiência da vida nada ensina, como a história nada informa.
A verdadeira experiência consiste em restringir o contacto com a realidade
e aumentar a análise desse contacto. Assim a sensibilidade se alarga e
aprofunda,
porque em nós está tudo;
basta que o procuremos e o saibamos
procurar.”
Fernando Pessoa
"Livro do desassossego"
A SOMBRA
"Apenas o mendigo voluntário
fugira, Zaratustra, outra vez consigo mesmo, ouviu uma voz desconhecida gritar: `Pára, Zaratustra! Espere!
Sou eu, Zaratustra; eu, a tua sombra!´. Zaratustra,
porém, não esperou, porque o invadiu um grande desgosto ao ver a multidão que
se amontoava nas montanhas.
`Que foi feito da minha soledade? — disse. É
demais; estas montanhas formigam; o meu reino já não é deste mundo; preciso
novas montanhas. Chama-me a minha sombra? Que me importa a minha sombra? Corra
atrás de mim... e eu adiante dela!´.
Assim dizia consigo Zaratustra, fugindo;
mas o que estava atrás dele seguia-o, de forma que eram três a correr um atrás
do outro: primeiro o mendigo voluntário, a seguir Zaratustra, e em último lugar
a sua sombra.
Não corriam há muito ainda quando Zaratustra caiu em si, reparou
na sua loucura, e de uma sacudidela expulsou para longe de si todo o despeito e
aborrecimento.
`Que! exclamou. — Não têm acontecido sempre entre nós outros,
santos e eremitas, as coisas mais risíveis?
Na verdade, a minha loucura cresceu
nas montanhas! Agora ouço soar, umas atrás das outras, seis velhas pernas de
loucos! Terá Zaratustra o direito de se assustar com uma sombra?
E acabo por
acreditar que ela tem as pernas mais compridas que as minhas´. Assim falava
Zaratustra rindo com vontade. Deteve-se, virou-se repentinamente e quase atirou
ao chão a sombra que o perseguia: tão agarrada ia aos seus tacões e tão fraca
era.
Ao examiná-la admirou-se como se de repente lhe houvesse aparecido um
fantasma: tão fraco, negro e anão era o seu perseguidor, e tão arruinado lhe
parecia. `Quem és? — perguntou impetuosamente Zaratustra. — Que fazes aqui? E
por que te chamas minha sombra? Não me agradas´.
`Perdoa-me — respondeu a
sombra — ser eu, e não te agradar, felizmente, Zaratustra! Isso diz muito em
teu abono e a favor do teu bom gosto.
Eu sou um viajante que já há muito tempo
te segue as pegadas: sempre a caminhar, mas sem destino nem lugar; de forma que
pouco me falta para ser judeu errante, salvo não ser judeu nem eterno. Que? hei-de caminhar sempre? Hei-de me ver arrastado sem trégua pelo remoinho de todos
os ventos?
Ó! terra, tornaste-te demasiado redonda! Já me coloquei em todas as
superfícies; à semelhança do cansado pó; adormeci nos espelhos e nas vidraças.
Tudo recebe de mim; ninguém me dá; eu diminuo, quase pareço uma sombra.
Mas a
quem tenho seguido e perseguido mais tempo tem sido a ti, Zaratustra; e
conquanto me tenha ocultado de ti, fui, todavia, a tua melhor sombra; onde quer
que parasses, parava eu também.
Contigo vaguei pelos mais longínquos e frios
mundos, como um fantasma que se compraz em correr por caminhos invernais e
de gelo.
Contigo aspirei a todo o proibido, a todo o pior e mais longínquo; e
se alguma virtude há em mim, é não temer nenhuma proibição.
Contigo aniquilei
quanto o meu coração adorou, derribei todas as barreiras e todas as imagens,
correndo após os mais perigosos desejos: realmente, passei uma vez por todos os
crimes.
Contigo esqueci a fé nas palavras, os valores, e os grandes nomes.
Quando o demónio muda de pele, não muda ao mesmo tempo de nome? Que esse nome é
apenas pele. Talvez mesmo o demónio não seja mais... que uma pele.
Nada é
verdade; tudo é permitido; assim me consolei a mim mesmo. Lancei-me nas águas
mais frias, de coração e de cabeça.
Ai! Quantas vezes me vi nu e encarnado em
caranguejo! Ai! Para onde foi tudo o que é bom, e toda a fé nos bons?
Ai! para
onde fugiu aquela inocência enganadora que dantes possuí, a inocência dos bons
e das suas nobres mentiras?
Com demasiada frequência pisei a verdade, e ela
então saltou-me ao rosto. As vezes julgava mentir, e o caso é que ó então
aflorava ai verdade.
Demasiadas coisas se me tornaram claras; agora já me não
importam. Já nada vive do que eu amo.
Como poderia amar-me ainda a mim mesmo?
Viver como me agrade, ou não viver de modo nenhum, eis o que quero, eis o que
quer também o mais santo. Mas, ó! desventura! Como poderia eu satisfazer-me
ainda? Acaso tenho... um fim? Um porto para onde encaminhe a minha vela? Um bom
vento? Ai! Só o que sabe onde vai sabe também qual é o seu vento, qual é o seu
vento próspero. Que me resta?
Um coração fatigado e impertinente, uma vontade
instável, asas trémulas, uma espinha quebrada. Esse afã de correr em busca da
minha morada, sabes Zaratustra? esse afã foi a minha obsessão: devora-me.
Aonde
está... a minha morada? Eis o que pergunto, o que procuro, o que procurei e não
encontrei.
Ó! eterno `em toda a parte!´ ó! eterno em `parte nenhuma´, ó!
eterno... `em vão!´.
Assim falava a sombra, e o semblante de Zaratustra
dilatava-se ao ouvi-la.
`És a minha sombra! — disse afinal, com tristeza. Não é
pequeno o teu perigo, espírito livre e vagabundo!
Tiveste mau dia: cuidado não
se lhe siga uma noite pior. Vagabundos como tu acabam por se encontrar bem até
num cárcere. Já alguma vez viste como dormem os criminosos presos? Dormem
tranquilamente: fruem nova segurança.
Olha, não acabe por se apoderar de ti uma
fé acanhada, uma ilusão dura e severa! Que actualmente tenta e te reduz o que é
estreito e sólido. Perdeste o alvo, desgraçado!
Como te poderias consolar dessa
perda? Por isso perdeste também o caminho! Pobre vagabundo, espírito volúvel,
mariposa fatigada! Queres ter esta noite descanso e asilo? Vai para a minha
caverna! Por ali acima é o caminho que conduz à minha caverna.
E agora quero
tornar a fugir de ti. Já pesa sobre mim uma como sombra.
Quero correr sozinho
para tudo aclarar em torno de mim.
Por isso tenho ainda que mover
alegremente as pernas durante muito tempo.
Esta noite... com certeza... há-de
haver baile na minha habitação!´.
Assim falava Zaratustra."
Friedrich Nietzsche
"Assim falou Zaratustra"
t.
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