"Não penses para amanhã. Não lembres o que foi de ontem. A memória teve o seu tempo quando foi tempo de alguma coisa durar. Mas tudo hoje é tão efémero. Mesmo o que se pensa para amanhã é para já ter sido, que é o que desejamos que seja logo que for.
É o tempo de Deus que não tem futuro nem passado. Foi o que dele nós escolhemos no sonho do nosso absoluto.
Não penses para amanhã na urgência de seres agora. Mesmo logo à tarde é muito tarde. Tudo o que és em ti para seres, vê se o és neste instante. Porque antes e depois tudo é morte e insensatez. Não esperes, sê agora. Lê os jornais. O futuro é o embrulho que fizeres com eles ou o papel urgente da retrete quando não houver outro."
Vergílio Ferreira
"Escrever"
"A new fact cannot be seen by thought. It can be understood later by thought, verbally, but the understanding of a new fact is not reality to thought.
Thought can never solve any psychological problem.
However clever, however cunning, however erudite, whatever the structure thought creates through science, through an electronic brain, through compulsion or necessity, thought is never new and therefore it can never answer any tremendous question.
The old brain cannot solve the enormous problem of living."
Solve
the problem of...
living?
"Há guerras, motins, desespero, incalculável sofrimento
e confusão: uma ininterrupta fragmentação, não só nacional
e religiosa, mas ainda interiormente, em nós mesmos.
Se vos observardes, vereis quanto sois contraditórios. Pensais uma
coisa, dizeis outra, e fazeis outra. Nacionalmente, estais divididos: sois
hindus e muçulmanos, paquistaneses e indianos, alemães, russos, americanos, etc.
Conheceis esta
divisão, as divisões políticas
e nacionais, com todos os seus conflitos, ambições, e competição. Observai, vede que existem católicos e
protestantes, hindus e maometanos, budistas e não sei o que
mais.
Todo o mundo que nos cerca está dividido, fragmentado, moral, social e
etnicamente. Exterior e interiormente, somos entes fragmentados, divididos.
E,
se há qualquer espécie de divisão, há necessariamente conflito, como há entre o
Paquistão e a Índia, entre o
hindu e o muçulmano, entre nós como `observador´ e nós como `coisa observada´, entre o pensador e o pensamento.
Onde, pois, há divisão, aí há conflito.
E a mente em que existe
conflito deforma-se, inevitavelmente, e por conseguinte se torna incapaz de ver
com clareza o verdadeiro.
Assim, temos o facto de que os entes humanos criaram, por todo o mundo,
uma sociedade, uma cultura, uma moralidade que já não é moral, uma cultura corrupta, uma sociedade
em desintegração.
Aí está mais um facto a cujo respeito não há
concordar nem discordar, porque assim é!
E vê-se o que neste país (Índia) está a suceder: decadência, imoralidade
social, divisões várias, linguísticas, tribais, religiosas.
Se
observardes bem atenta e claramente, vereis que tendes milhares de gurus, cada
um com o seu sistema, o seu método de atingir a verdade, a `iluminação´, a bem-aventurança.
E se prosseguirdes na observação, vereis
como a tradição vos perverteu a mente, como aceitais os livros
religiosos como a pura expressão da Verdade.
Eis, pois, os factos, as diferentes
divisões, e mais este facto que a religião, que deveria unir os homens, só fomenta divisão, separação, conflito, angústia.
Ora, ao ver-se tudo isso, não pela descrição feita pelo orador, porém vê-lo na realidade,
na vossa vida, o que podeis fazer, qual a acção correcta?
Existe este imenso sofrer, aflição e pobreza,
em todo o mundo.
E ao ver-se que, não só exteriormente, mas também interiormente,
somos contraditórios, que, dentro de nós mesmos, há divisão, há luta, o que pode um ente humano fazer?
Porque vós sois o mundo, e o mundo é vós.
Sois o resultado da vossa
cultura, da vossa sociedade, da vossa religião.
A
sociedade, a cultura que edificastes, nela fostes criado, e portanto, dela
fazeis parte; não estais separado da sociedade, da cultura, da
comunidade.
Outro facto: vós, a maioria de vós, credes em Deus, porque fostes
criado numa sociedade, numa cultura que crê em Deus; se tivésseis nascido na
Rússia ou noutra sociedade comunista, não teríeis
essa crença. Lá, vos levariam a não crer, como aqui sois condicionados para crer.
Sois, pois, o resultado da sociedade em que viveis, a sociedade que
produzistes, que os vossos ancestrais, todas as gerações passadas, produziram.
Assim, como ente
humano, diante tudo isso, de que sois parte integrante, não podeis deixar de perguntar o que se pode
fazer, qual a acção correcta.
Antes de mais nada, podeis vós, como ente humano, seguir o que outrem
diz? Compreendeis esta pergunta?
Tendes necessidade de uma total transformação, uma radical revolução psicológica, interior, pois sem ela, não se poderá de modo nenhum criar uma nova
sociedade.
O que gostais é de que vos digam o que deveis fazer. O que realmente vos interessa é achar
um caminho seguro; jamais pusestes em acção o vosso
intelecto para descobrirdes a correcta maneira de viver.
Só sois capaz de
repetir, mas, doravante, se realmente podeis fazer alguma coisa, essa coisa é:
nunca repetir o que não sabeis, nunca fazer o que não compreendeis. Sabeis o que então sucederia?
Deixaríeis de ser entes humanos de segunda mão.
Afastaríeis para o lado todos os gurus, todos
os livros religiosos, nunca seguiríeis pessoa alguma. Porque estaríeis então a actuar com base nos factos e não em suposições ou
fórmulas. Experimentai, melhor, fazei isto, um dia: não repetir o que não compreendeis
logicamente, racionalmente, não fazer o que vós mesmos não tiverdes provado e achado verdadeiro.
Veríeis, então, que estais então em presença de realidades, e não de ideais, de fórmulas, de conclusões, que estais em presença de `o que é´, em presença de vós mesmos.
Assim, ao ver tudo isso, como ente humano, o que se vive neste país (Índia) supostamente tão espiritual, pois há nele tantos gurus, e ver
tanta contradição em vós mesmos e no mundo, ao observar o
universal sofrimento, desespero, agonia, solidão, desamor,
insensibilidade, brutalidade, violência, perguntais, inevitavelmente, o que vos
cabe fazer.
A questão sobre `o que se deve fazer´ é completamente sem importância.
O relevante é saber observar os factos,
saber olhá-los, observar a maneira como vós mesmos, um ente humano, estais a
olhar esse tremendo e complexo problema da existência, essa complexa sociedade,
a imoralidade da sua actual estrutura.
Não agir antes de compreender, antes de ter visto.
Assim, precisais primeiro ver, observar, perceber. Ora, como é que percebeis?
Se olhais o mundo como hindu, não estais então a olhar os factos, estais a olhar com os
vossos preconceitos de hindu, e portanto, não os vedes.
Se olho o mundo como comunista, estou apenas a olhá-lo de um certo ponto de
vista, através de uma conclusão.
Por conseguinte, sou incapaz de olhar este imenso problema do viver. Se
sou muçulmano, hindu, e olho essa coisa extraordinária,
que é o viver, do meu estreito ponto de vista muçulmano, hindu
ou budista, etc., não posso de modo nenhum observar a maravilhosa
beleza da vida e suas complexidades.
Assim, como é que olhais o viver?
Do vosso tradicional ponto de vista, do ponto de vista de um cientista,
de um engenheiro, de adepto de determinada seita? Como o olhais? Vede quanto é
absurdo ser hindu.
Ver a casa em chamas, o mundo todo em chamas, quereis apagar
o incêndio como hindu ou muçulmano, ou sabe Deus o que mais.
Assim, antes de perguntardes `O que posso fazer, eu, como ente humano,
diante a loucura que assola o mundo?´, precisais
compreender o que significa `olhar´, olhar o
mundo.
Ao olhardes este enorme problema da existência, deveis renunciar a toda
espécie de divisão, pois o que interessa é compreenderdes o
problema, e não o serdes hindu. Compreendeis?
Se assim não fizerdes, continuareis a ser hindu, budista,
discípulo de algum guru, etc., continuareis a manter a divisão, e portanto, o conflito.
Onde há conflito, há
necessariamente dor, sofrimento, e portanto, não há amor.
Está claro isto, pelo menos verbalmente?
Isto é, intelectualmente podeis observar este facto, intelectualmente,
verbalmente, podeis dizer `Compreendo que qualquer espécie de divisão produz inevitavelmente sofrimento´, mas a compreensão intelectual
não produz acção nenhuma.
O dizer-se `Intelectualmente estou de acordo com isso´, nada significa; mas, quando se vê que qualquer
divisão acarreta inevitavelmente conflito, se vedes
realmente este facto, segue-se a acção.
O vosso
interesse é, então, eliminar, em vós mesmos e na sociedade, toda
a espécie de divisão.
Ora, senhor, quando observais a vós mesmos, existe, em vós, o
`observador´ e a `coisa observada´, não é verdade?
`Vós´sois o censor, e `a coisa´ condenada ou justificada.
Se olhais o mundo
como `observador´ ou se olhais a vós mesmos, a condenar,
justificar, explicar o que vedes, então há divisão, e por conseguinte, conflito, e por
conseguinte, sofrimento.
Assim, é possível observar, perceber, sem o
`observador´?
Compreendeis esta pergunta?
O observador, o pensador, a entidade que percebe, resulta do passado.
`Vós´, que observais a vossa cólera, o vosso ciúme, a
vossa ambição, o vosso desejo de sucesso, etc. etc., `vós´, que estais sempre a lutar, sois o resultado do
passado.
O passado é o `observador´, o `eu´. Ora, podeis olhar sem o `observador´, isto é, sem o passado? Ao sentirdes cólera, nesse
preciso momento não há observador. O observador vem pouco depois.
E, então, ele condena a cólera ou a aceita. O observador, pois, é o passado, o observador é o censor.
Ora, podeis olhar este imenso campo da vida sem o `observador´? Só assim se pode ver a totalidade da vida.
Vou mostrar-vos como podeis vê-la sem o `observador´. Comecemos por uma coisa muito simples. Quando
olhais uma árvore, de que maneira a olhais, como a vedes?
Vedes a árvore, não apenas com a percepção sensorial, mas também com a vossa mente. A
vossa mente criou a imagem da árvore. Dizeis: `Aquilo é uma palmeira, uma
mangueira, etc.´. Assim, o vosso conhecimento da árvore, o
passado, interfere e vos impede de ver a árvore. Isto é muito simples.
O conhecimento que tendes da árvore vos impede de ver a árvore. Ver a
árvore significa estar em contacto com ela, não identificado
com ela, porém observando-a totalmente; e não podeis
observá-la totalmente, se o passado interfere. Compreendeis?
É
relativamente fácil olhar a árvore, porque ela não influi na
vossa felicidade, nos vossos desejos, etc. É puramente
uma árvore, um objecto.
Assim, o passo imediato é observardes a vós mesmos em relação com outra pessoa; olhardes a vossa esposa,
marido ou amigo, sem `observador´, isto é, sem a imagem que criastes acerca da
vossa esposa ou vosso amigo. Estais-me a seguir?
Porque isso de que estou a
falar, vos levará a uma acção isenta de toda e qualquer contradição, uma acção que será
total, completa, e a menos que o compreendais, a vossa acção será inevitavelmente contraditória, e
portanto, causadora de conflito.
Ora, como se formam as imagens? Qual o mecanismo dessa formação de imagens? Tendes uma imagem da vossa esposa
ou marido. Essa imagem se formou através de muitos anos ou de um dia.
Tendes
uma imagem da vossa esposa, e ela tem uma imagem de vós, imagens constituídas
de tudo o que se passa na vossa vida em comum: prazeres sexuais, irritações, brutalidades... Sabeis muito melhor do que eu como são as relações entre cônjuges. Como
se formam essas imagens?
Peço-vos que observem isso em vós mesmos, sem levar
em conta a explicação dada pelo orador; observai-o em vós mesmos,
servindo-vos do orador como se ele fosse um espelho em que vos vedes
reflectido.
As células cerebrais estão continuamente a registar cada incidente, cada
influência. São uma máquina gravadora. Se a vossa mulher vos
provoca, isso se regista; o mesmo acontece quando dela exigis alguma coisa e
ela se irrita.
O cérebro, pois, é uma máquina que está sempre, e
conscientemente, a registar. Não tendes necessidade de estudar biologia ou
psicologia ou qualquer livro científico, se sois capaz de vos observardes.
Possuís o maravilhoso `livro de vós mesmos´, no qual podeis aprender infinitamente.
Assim,
as `memórias´ que na vossa vida conjugal, foram-se registando através de anos ou dias, constituem as respectivas imagens: a imagem
que a vossa esposa tem de vós, e a que dela tendes. A relação entre essas duas imagens é o que chamais `relações conjugais´.
Por
conseguinte, não há, de facto, relação nenhuma. Relação significa
contacto directo, percepção directa, compreensão directa, comunhão.
Vede como funciona o mecanismo, ou seja: quando vos irritais com a
vossa mulher, ou quando ela vos provoca, a imagem se forma imediatamente, e
essa imagem é conservada e se torna cada vez mais forte; é ela o factor da
divisão. Por essa razão, há
conflito entre vós e vossa esposa.
Pois bem; pode esse mecanismo, essa formação de imagens, deter-se, para que possais estar
em contacto com o mundo realmente e não através de
uma ideia?
Se há uma imagem a respeito do mundo ou de vós mesmos, ou do vosso
vizinho, da vossa esposa, é inevitável a divisão.
A imagem não se constitui apenas de irritações e provocações, mas
também de fórmulas, conceitos, crenças.
Ao dizerdes `sou indiano´, formou-se uma imagem. Essa imagem vos separa
de outra pessoa que diz `sou muçulmano, sou paquistanês´. Entendeis?
As imagens não existem apenas entre pessoas, mas também entre
as fórmulas que as criaram. Vê-se, assim, que as crenças separam as pessoas. Vós credes em Deus ou na
reencarnação; outro crê exactamente o contrário: imagens!
Assim, imagens, fórmulas, conceitos e crenças separam as pessoas e constituem a razão básica do conflito, tanto exterior como
interior.
Estais a compreender isto, não
intelectualmente, cá em cima, na cabeça, mas também no
coração?
Ao verdes a verdade e a beleza aí contida,
fareis, então, algo de real, actuareis de maneira totalmente
nova.
A nossa questão, pois, é: Como se formam as imagens, e como
pode deter-se a formação de imagens?
Já vos mostrei como elas se formam, e como o cérebro, que possui tantas outras faculdades e é
capaz de realizações espantosas, de inventar maravilhas
tecnológicas, tem também a faculdade de registar, a cada instante, toda a injúria,
toda a lisonja, todos os matizes de uma dada acção.
Ora, pode
essa `gravação´ verificar-se sem interferir nas nossas acções? Compreendeis esta pergunta? Vede primeiro
como isso é lógico, e vereis depois a sua beleza.
Vós me insultastes ou lisonjeastes. A pessoa que me insultou, dela
tenho uma imagem: não gosto dela; mas o homem que me lisonjeou,
deste eu gosto, é meu amigo.
A imagem formou-se instantaneamente.
Ora, pode essa formação de imagens
cessar imediatamente? Não, mais tarde, porque, uma vez formada a imagem,
é difícil nos livrarmos dela. Vou examinar ambas as coisas: a prevenção e a cura.
Primeiro, a prevenção: nunca formar imagem a respeito de nada.
Quando alguém vos insulta, nesse momento estar totalmente atento. Compreendeis?
Cumpre, pois, compreender o que significa `estar totalmente atento´ no momento do insulto ou da lisonja.
O que significa estar consciente, objectiva, exteriormente consciente
das cores e vestidos, que vedes em torno de vós!
Se, ao perceberdes essas cores, azul, vermelho, rosa, etc., dizeis
`Gosto, não gosto´, estais a
limitar o percebimento.
Estar consciente sem essa limitação, sem dizer
`gosto´ ou `não gosto´, sem condenar ou justificar, é estar consciente
sem `motivo´ algum, sem nenhuma escolha, é estar consciente
da coisa total.
Ora, quando vos insultam ou lisonjeiam, se nesse momento prestais `atenção completa´, vedes que não se forma imagem nenhuma. O que sucede, então? Atenção significa ausência total do `observador´, do `censor´ que diz
`gosto, não gosto´. Está-se
simplesmente atento.
Atenção não é concentração; não vou
examinar a fundo o problema da concentração. Ao
prestar-se aquela atenção isenta de escolha, isenta de observador, não há nenhuma formação de imagens.
Agora, escutai: Estais totalmente
atento ao que se está a dizer? Estais a ouvir com `atenção completa´, ou estais a
escutar parcialmente? Estais a escutar totalmente, com o coração, com a mente, com os nervos, com todo o
organismo, escutar `psicossomaticamente´,
completamente?
Se estais a escutar dessa maneira, podeis ver que não tendes nenhuma imagem deste orador.
Compreendeis? Pois bem; a primeira vez que a vossa esposa ou o vosso amigo
disser algo de agradável ou de desagradável, prestai toda a atenção, para evitardes a formação de imagens; assim, a vossa mente se tornará
livre.
Ser livre significa ver as coisas claramente, puramente, sem deformação alguma.
Só então a mente
verá a Verdade, e não as imagens que criastes em torno da Verdade. E
isso é uma coisa que podeis fazer instantaneamente.
E, agora, que ides fazer com todas as imagens que até agora acumulastes
sobre a vossa pátria, sobre os vossos líderes políticos e religiosos, que ides
fazer com as vossas teorias?
Sabeis como a vossa mente anda carregada de fórmulas, teorias, opiniões, juízos.
Que ides fazer com tudo isso?
Decerto, não investigastes esta questão, não tendes
reflectido sobre nenhuma dessas coisas. Preferis ler o Gita, os Upanishads, e
repetir o que ledes, ou frequentar reuniões onde se
fazem comentários sobre eles.
Já pensastes nisto: passar toda a vida a
nutrir-se das palavras de outrem?
Ora, que ides fazer com toda a vossa `colecção´ de imagens, crenças, fórmulas?
Porque isso tudo é o que sois; compreendeis?
Vós sois a fórmula. Pensais ser grande ou pequeno, ser Atman, ser isto,
ser aquilo. Vós sois o passado, compreendeis?
O passado vos dirige, as imagens trazidas do passado, o conhecimento
trazido do passado. Descobrimos, assim, uma coisa muito interessante, ou seja,
que todo o conhecimento é o passado, todo o conhecimento tecnológico vem dele,
e esse passado se `projecta´, modificado pelo presente, no futuro.
Assim, vós como entidade sois o passado, pois o passado são as vossas `memórias´, as vossas tradições, a vossa
experiência.
Acabamos de ver, que o `vós´, o `eu´, o `ego´, `super-ego´, `Atman´, tudo é o
passado.
Ora, o conhecimento, ao qual podeis adicionar ou subtrair alguma coisa,
é o passado. Podeis, naturalmente, aumentá-lo, alterá-lo, mas a base é sempre o
passado.
Assim, o conhecimento que tendes de vós mesmos é o passado. Vós sois o
passado.
Por conseguinte, sendo vós o passado, há divisão em passado, presente e futuro, o que fostes, o
que sois, e o que sereis, tudo em função do
conhecimento, e isso significa que o vosso Deus já é conhecido, de outro modo não teríeis Deus. Percebeis?
O conhecimento é absolutamente necessário, de contrário não poderíeis voltar a casa, não poderíeis falar inglês e entender-vos
mutuamente. Conhecimento é o passado, conhecimento é a memória de `experiências´ que o cérebro acumulou através de séculos.
O
conhecimento, portanto, é necessário, mas também, se torna um empecilho nas
relações, na relação entre seres
humanos.
Vede o problema, a beleza do problema: necessitais do conhecimento para
poderdes `funcionar´, e vedes também que o conhecimento, ou seja o
passado, a imagem que formastes, impede as relações.
Estamos, pois, a perguntar como é possível não deixar o conhecimento (acumulado que foi,
através de séculos, pelo cérebro) interferir nas relações.
Porque `relação´ é a coisa mais importante que há. Nela se
baseia a nossa conduta social, a nossa sociedade, a nossa moralidade, tudo nela
se baseia, e não há relação se existe
imagem, conhecimento.
O que podeis fazer, mesmo sabendo, que necessitais do
conhecimento, e que o conhecimento impede as relações?
Agora, se chegastes até aqui, se seguistes tudo o que se disse, desde o
começo, podeis ver que a vossa mente torna-se de
sobremodo sensível, e portanto, inteligente.
E essa inteligência é que impedirá a interferência da imagem nas relações, e não a vossa
vontade, não o dizerdes `devo, não devo´.
Só a
compreensão não verbal ou
intelectual desse `processo´, a compreensão real, com o
coração, com o cérebro, com todas as faculdades, só
essa compreensão vos fará ver o verdadeiro.
Ao ver-se que o conhecimento é necessário e que ele interfere nas relações, porque o conhecimento é a imagem, a mente
torna-se de sobremodo flexível e sensível, e essa sensibilidade, que é a mais
alta forma da inteligência, impedirá a interferência das imagens, como
conhecimento, nas relações. Percebestes bem?
Percebeí-o, por favor, e começareis a viver
uma vida completamente diferente.
Afastareis, então, para sempre, toda a separação entre vós e outro homem.
E, assim, o passado,
que é conhecimento, que é experiência acumulada e absolutamente necessária, se
tornará completamente irrelevante nas relações.
O amor, por certo, não é uma ideia, não é uma
imagem, não é cultivo da lembrança de uma pessoa que pensais amar.
O amor é em
cada minuto uma coisa totalmente nova, porque ele não é cultivável, não é resultado
de esforço, de tensão, de
conflito.
Vede, senhor (se estais a ouvir atentamente o que se está a dizer),
essa atenção é amor. De contrário, há divisão da atenção, e
portanto, conflito.
Quando há amor, não há
conflito, porque o amor não é uma estrutura formada pelo `fabricante de
imagens´.
Assim, o homem que deseja viver em paz consigo e com o mundo, deve
compreender toda a estrutura do conhecimento, do conhecimento de si próprio e
do mundo, conhecimento que é o passado, pois a mente que vive no passado não é a mente verdadeira. É uma mente morta, estática.
Foi isso que
aconteceu neste país (Índia). Vós viveis das experiências de outros, e o Gita, e os
Upanishads, e o vosso guru, são os causadores da vossa destruição.
Vede isso, por favor, vede que não sabeis
servir-vos desse maravilhoso instrumento que é o vosso cérebro.
Dele fazeis uso
tecnologicamente, como engenheiro, dele fazeis uso para conseguirdes emprego,
dele vos servis para enganar o vosso próximo nos negócios; mas não quereis usar o vosso cérebro para
compreenderdes as relações humanas, que constituem a base do
comportamento social. Se não o usardes, a vossa busca de Deus, o vosso
desejo de Verdade, nada significam.
Podeis sair atrás de todos os gurus, que nunca descobrireis a Verdade,
nunca vos encontrareis com ela.
Porque vós tendes de aprender e precisais de
uma mente sensível, clara, objectiva, sã, sem
medo."
Jiddu Krishnamurti
"O novo ente humano"
t.
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