“ We are not
concerned with what you should or should not do; that is not the problem. We
are concerned with understanding the mind; and in understanding there is no
condemnation, no demand for a pattern of action.
You are merely observing; and
observation is denied when you concern yourself with a pattern of action, or merely
explain the inevitability of a slavish life.
What matters is to observe your
own mind without judgment, just to look at it, to watch it, to be conscious of
the fact that your mind is a slave, and no more; because that very perception
releases energy, and it is this energy that is going to destroy the slavishness
of the mind.
But if you merely ask, `How am I to be free from my slavery
to routine, from my fear and boredom in everyday existence?´, you will
never release this energy.
We are concerned only with perceiving what is; and
it is the perception of what is that releases the creative fire. You cannot
perceive if you do not ask the right question and a right question has no
answer, because it needs no answer. It is wrong questions that invariably have
answers.
The urgency behind the right question, the very instance of it, brings
about perception.
The perceiving mind is living, moving, full of energy, and
only such a mind can understand what truth is.
But most of us, when we are face
to face with a problem of this kind, invariably seek an answer, a solution, the
`what to do', and the solution, the `what to do' is so easy, leading to further
misfortune, further misery. That is the way of politicians. That is the way of
the organized religions, which offer an answer, an explanation; and having
found it, the so-called religious mind is thereby satisfied.
But we are not
politicians, nor are we slavish to organized religions. We are now examining
the ways of our own minds, and for that there must be no fear.
To find out
about oneself, what one thinks, what one is, the extraordinary depths and
movements of the mind, just to be aware of all that requires a certain
freedom. And to inquire into oneself also requires an astonishing energy,
because one has to travel a distance which is immeasurable.
Most of us are
fascinated by the idea of going to the moon, or to Venus; but those distances
are much shorter than the distance within ourselves.”
The distance
within ourselves...
"Estamos realmente conscientes da cólera, da tristeza, da
felicidade?
Ou delas só nos tornamos conscientes depois de passadas?
Comecemos como se nada soubéssemos do assunto, da estaca zero.
Não façamos
asserções de espécie alguma, dogmáticas ou subtis, mas tratemos de
explorar esta questão, pois, se realmente a penetrarmos, esse exame poderá
revelar-nos um estado extraordinário que a mente provavelmente jamais
atingiu, uma dimensão ainda não alcançada pelo percebimento superficial.
Partamos, pois, desse percebimento superficial e daí penetremos até ao fim.
Nós vemos com os olhos, percebemos com os sentidos as coisas que
nos cercam, a cor da flor, o colibri que sobre ela adeja, a luz deste sol Californiano, os sons inúmeros e de diferentes qualidades e graus de
subtileza, as alturas e as profundezas, a sombra da árvore e a própria árvore.
De modo idêntico percebemos o nosso corpo, o instrumento dessas diferentes
espécies de percepção superficial, sensorial. Se tais percepções
permanecessem no nível superficial, não haveria confusão nenhuma.
Aquela flor, aquele amor-perfeito, aquela rosa, estão ali, diante de nós,
pura e simplesmente. Não há preferência, comparação, gostar e não gostar:
só aquela coisa à nossa frente, sem nenhuma complicação psicológica. É
perfeitamente clara essa percepção sensorial, superficial?
E pode estender-se
às estrelas, às profundezas dos oceanos, e ao extremo limite da observação
científica, com o auxílio dos instrumentos da moderna tecnologia.
(...)
Vedes, pois, que a rosa, e o universo e os seus habitantes, e a
vossa própria esposa, se a tendes, e as estrelas, os mares, as montanhas,
os micróbios, os átomos, os neutrons, esta sala, aquela porta, existem
realmente.
Agora, o segundo passo: o que pensais ou sentis a respeito dessas
coisas é a vossa reacção psicológica a elas. A essa reacção chamamos
`pensamento´ ou `emoção´.
Consequentemente, o percebimento superficial é uma coisa muito
simples: ali está aquela porta. Mas a descrição da porta não é a porta, e
quando emocionalmente vos deixais enredar na descrição, não vedes a porta.
Essa descrição pode ser uma palavra, ou um tratado científico, ou uma forte
reacção emocional; nada disso constitui a própria porta. É muito
importante compreender isso desde o começo.
Se não o compreendermos,
tornar-nos-emos cada vez mais confusos. A descrição nunca é a coisa descrita.
Embora neste momento estejamos a fazer uma descrição, não
podemos evitá-lo, a coisa que estamos a descrever não é a descrição que
dela estamos a fazer. Peço-vos, pois, ter isto em mente, em toda a duração
desta palestra.
A palavra nunca é o real, mas facilmente nos deixamos arrebatar
ao alcançarmos o segundo grau do percebimento, aquele em que o
percebimento se torna pessoal e, por influência da palavra, nos tornamos
emocionais.
Temos, pois, o percebimento superficial da árvore, do pássaro,
da porta, e temos a reacção a esse percebimento, ou seja o pensamento, o
sentimento, a emoção. Pois bem; ao nos tornarmos conscientes dessa
reacção, podemos chamá-la um segundo grau de profundidade do percebimento.
Há
o percebimento da rosa, e o percebimento da reacção à rosa. Muitas vezes,
não temos percebimento dessa reacção à rosa. Na realidade é o mesmo
percebimento que vê a rosa e vê a reacção.
Trata-se de um só movimento, e
é erróneo falar de percebimento externo e percebimento interno.
Quando há a
percepção visual da árvore, sem nenhuma complicação psicológica, não há
divisão nessa relação. Mas, quando há uma reacção psicológica à árvore,
esta é uma reacção condicionada, a reacção das lembranças e experiências
passadas, sendo essa reacção uma divisão na relação. É ela a origem disso a que
chamamos `eu´, em relação com o `não-eu´.
É dessa maneira que vos pondes em relação com o mundo. É
assim que se cria o indivíduo e a colectividade. O mundo é percebido, não
como é em si, porém, nas suas diferentes relações com o `ego´ nascido da
memória.
Essa divisão é a vida e o florescimento disso a que chamamos `nosso
ser psicológico´, e dela procedem todas as contradições e divisões. Estais
a perceber isso com toda a clareza? No percebimento da árvore, não há
avaliação de espécie alguma.
Mas, quando há uma reacção à árvore, quando a árvore é julgada
com agrado ou desagrado, ocorre, então, nesse percebimento, a divisão em
`eu´ e `não-eu´, sendo o `eu´ diferente da coisa observada.
Esse `eu´ é a reacção, nas relações, das lembranças e
experiências do passado. Ora, pode haver um percebimento, uma observação
da árvore, sem nenhuma espécie de julgamento, e pode haver uma observação
da `resposta´, das reacções, inteiramente isenta de julgamento?
Desse modo, erradicamos
o princípio da divisão, o princípio do `eu´ e `não-eu´, tanto quando
olhamos a árvore, como quando olhamos a nós mesmos.
(...)
Está tão claro como a própria árvore, ou é simplesmente a
clareza da descrição? Lembrai-vos de que, como já dissemos, a coisa
descrita não é a descrição. Que compreendestes, a coisa ou sua descrição?
(...)
Por conseguinte, no ver esse facto não existe `eu´, que é a
descrição. No ver qualquer facto, não existe `eu´. Ou há `eu´, ou há
`ver´: não pode haver os dois ao mesmo tempo. `Eu´ é `não ver´.
O `eu´ não pode ver, não pode estar consciente.
(...)
Já vimos o quanto são condicionadas as nossas reacções. Se se
pergunta se existe um `eu´ fora das relações, tal pergunta será puramente
especulativa, enquanto não se estiver livre daquelas reacções
condicionadas. Percebeis?
Assim, a primeira questão não é se existe, ou não, um
`eu´ fora das reacções condicionadas, porém, sim, se a mente, que inclui
todos os nossos sentimentos, pode libertar-se desse condicionamento, que é
o passado.
O passado é o `eu´. Não há `eu´ no presente. Enquanto a mente
funciona no passado, existe `eu´ e a mente é esse passado, é esse `eu´.
Não se pode dizer `isto é a mente´ e `isto é o passado´, seja o
passado de alguns dias, seja o de há dez mil anos. Portanto, perguntamos:
Pode a mente libertar-se do ontem? Ora, há várias coisas implicadas nesta
questão, não é verdade?
Primeiro, o percebimento superficial; depois, o percebimento da
reacção condicionada; em seguida, o percebimento de que a mente é o
passado, de que a mente é aquela reacção condicionada; e, por fim, a
questão de se a mente pode libertar-se do passado.
Tudo isso constitui um acto
unitário de percebimento, porque nele não há conclusões.
Ao dizermos que a
mente é o passado, esse percebimento não é uma conclusão verbal, porém um
percebimento real do facto. Os franceses têm uma palavra para o
percebimento de um facto: constatation.
Ao perguntarmos se a mente pode libertar-se do passado,
esta pergunta é feita pelo censor, o `eu´, que é o próprio passado?
(...)
Tenhamos em mente que estamos a tratar do percebimento. Estamos
a conversar sobre a questão do percebimento.
Existe a árvore e a `reacção condicionada´ à árvore, reacção que
é o `eu´ em relação, o `eu´ que constitui o centro mesmo do conflito. Pois
bem; é esse `eu´ quem está a fazer a pergunta? Esse `eu´ que, conforme
dissemos, é a estrutura mesma do passado?
Se a pergunta não vem da estrutura do passado, se não é
feita pelo `eu´, não há então nenhuma estrutura do passado. Quando a estrutura
faz a pergunta, está a operar em relação ao facto, que é ela própria, está
com medo de si própria e actua com o fim de fugir de si própria. Quando
não é a estrutura quem faz a pergunta, não está a actuar em relação a
si própria.
Recapitulando: Existe a árvore, existe a palavra, a reacção à
árvore, ou seja o `censor´ ou `eu´, vindo do passado; e a seguir, faz-se
a pergunta: Posso livrar-me de toda esta agitação e agonia?
Se é o `eu´ quem faz essa pergunta, está a perpetuar a si
próprio.
Pois bem; percebendo isso, ele não faz a pergunta! Percebendo-se
isso e todas as suas consequências, tal pergunta não pode ser feita. O
`eu´ não a faz, porque percebe a armadilha. Estais a ver agora que esse
percebimento é todo superficial? É idêntico ao percebimento que vê a árvore.
(...)
É necessária a crença para se conhecer Deus? Aprender é muito
mais importante do que saber. O aprender a respeito da crença é o fim da
crença. Livre da crença, tem a mente a possibilidade de olhar.
É a crença
ou a descrença que escraviza, pois crença e descrença são a mesma coisa,
as faces opostas da mesma moeda. Podemos, pois, rejeitar de todo a crença,
positiva ou negativa; o crente e o descrente são idênticos. Após essa
rejeição, tem então um significado diferente a pergunta `Existe Deus?´.
A palavra `Deus´, com a sua soma de tradição e memória, as suas
implicações intelectuais e sentimentais, não é Deus. A palavra não é o
real. Pode, pois, a mente libertar-se da palavra?
(...)
A palavra é a tradição, a esperança, o desejo de descobrir o
absoluto, a luta por alcançar a realidade última, o movimento que dá
vitalidade à existência. Toma-se, assim, a própria palavra a realidade
última; mas, pode-se ver que a palavra não é a coisa real. A mente é a palavra,
e a palavra é pensamento.
(...)
No caso da árvore, o objecto está diante dos vossos olhos, e a
palavra se aplica à árvore, por consenso geral. Ora, com relação à palavra
`Deus´ não existe nada a que ela possa aplicar-se, de modo que cada homem
pode criar a sua própria imagem da coisa designada por tal palavra. O teólogo
o faz por uma certa maneira, o intelectual por outra, e o crente e o não
crente pelas suas próprias e diferentes maneiras.
A esperança gera a crença e, em seguida, a busca. Essa esperança
é produto do desespero, o desespero de todos os que nos cercam neste
mundo. Do desespero nasce a esperança, também as duas faces da mesma
moeda. Quando não há esperança, há o inferno, e o medo ao inferno dá-nos a
vitalidade da esperança. Começa, então, a ilusão.
A palavra, por conseguinte, levou-nos à ilusão e não a
Deus. Deus é a ilusão que adoramos; e o descrente cria a ilusão de outro Deus
que ele venera, o Estado, ou uma certa utopia, ou um certo livro que ele
pensa conter toda a verdade. Por isso vos perguntamos se podeis
libertar-vos da palavra e da sua ilusão.
(...)
Viestes perguntar se há Deus, e nós respondemos: A palavra leva
à ilusão que adoramos, e por causa dessa ilusão estamos prontos a
matar-nos mutuamente. Quando não há nenhuma ilusão, `o que é´ é então
sacratíssimo. Pois bem; olhemos o que realmente é.
Num dado momento, `o que é´ pode ser medo, ou extremo
desespero, ou passageira alegria. Essas coisas variam constantemente.
E há
também o observador que diz: `Tudo o que me cerca varia, mas eu permaneço
o mesmo´. É facto isso, é realmente o que é?
Ele também não varia, ao
acrescentar a si próprio, subtrair de si próprio, ao modificar-se,
ajustar-se, para `vir a ser´, `não vir a ser´?
Vemos, pois, que tanto o observador como a coisa observada
variam constantemente. `O que é´ é variação. Isso é um facto. É `o que é´.
(...)
Isso é amor? Ou quereis dizer que o amor é diferente da sua
expressão? Ou estais a dar à expressão mais importância do que ao amor, e
por conseguinte, a criar uma contradição e um conflito? Pode o amor
prender-se à roda da mudança?
Se pode, nesse caso ele pode também ser
ódio; então amor é ódio. Só quando não há ilusão nenhuma, é sacratíssimo
`o que é´.
Não havendo ilusão, `o que é´ é Deus, ou outro nome que se
preferir. Assim, Deus, ou o nome que lhe derdes, existe quando vós não
existis.
Quando vós existis, Ele não existe. Quando vós não existis, existe o
amor. Quando há vós, não há amor.
(...)
Ninguém pode puxar-vos para fora da armadilha, nenhum guru,
nenhuma droga, nenhum mantra, pessoa alguma, inclusive eu próprio,
principalmente eu próprio. O que vos cumpre fazer é apenas manter-vos
consciente do começo ao fim, não vos tornardes desatento no meio do caminho.
Essa nova qualidade de percebimento é a atenção, e nessa atenção
não existe nenhuma barreira levantada pelo `eu´. Essa atenção é a mais elevada
forma da virtude, e por conseguinte, é amor.
É a inteligência suprema, e não pode haver atenção, se não
fordes sensível à estrutura e natureza dessas armadilhas construídas pelo
homem."
Jiddu Krishnamurti
"A luz que não se apaga"
DO IMACULADO CONHECIMENTO
“Ontem a lua, ao nascer, pareceu-me que ia dar à luz um sol: tão avultada e
prenhe jazia no horizonte. Mentia, porém, com a sua prenhez, e mais julgaria a
lua homem do que mulher.
Claro que também é muito pouco homem este tímido
noctâmbulo. Anda pelos telhados com a consciência turva. Que a solitária lua
está cheia de cobiça e de inveja: cobiça a terra e todas as alegrias dos que
amam.
Nada; não me agrada esse gato dos telhados; previnem-me todos os que
espreitam as janelas voltadas. De manso e silencioso anda por alfombras de
estrelas; mas eu detesto todos os pés cautelosos em que nem mesmo as esporas
tilintam.
Os passos do homem leal falam; mas o gato anda em segredo. Vede: a
lua caminha deslealmente como o gato.
A vós, hipócritas afectados, que procurais
o `conhecimento puro´, ofereço esta parábola.
A vós eu chamo lascivos. Vós
também amais a terra e tudo quanto é terrestre: compreendi-vos bem!
O vosso
amor, porém, envergonha-se com uma consciência tortuosa: pareceis-vos com a
lua.
O vosso espírito convenceu-se de que deve menosprezar tudo quanto é
terreno; mas não se convenceram as vossas entranhas. Elas são, todavia, o mais
forte que há em vós. E agora o vosso espírito envergonha-se de obedecer às
vossas entranhas, e segue caminhos escusos e ilusórios para se livrar da sua
própria vergonha.
`Para mim seria a coisa mais elevada (assim diz a si mesmo o
vosso falso espírito) olhar a vida sem cobiça, e não como cães, com a língua de
fora.
Ser feliz na contemplação, com a vontade morta, isento de capacidade e de
apetite egoísta, frio de corpo, mas com os olhos embriagados de lua. Para mim
seria o melhor (assim se engana a si mesmo o enganado) amar a terra como a luz
a ama, e tocar na sua beleza apenas com os olhos.
Eis o que eu chamo o
imaculado conhecimento de todas as coisas: não querer das coisas mais do que
poder estar diante delas´. Hipócritas afectados e lascivos!
Falta-vos a
inocência no desejo, e por isso caluniais o desejo! Vós não amais a terra como
criadores, como geradores satisfeitos de criar. Onde há inocência?
Onde há
vontade de engendrar. E o que criar qualquer coisa superior a si mesmo, esse,
para mim, tem a vontade mais pura.
Onde há beleza? Onde é mister que eu queira
com toda a minha vontade, onde eu quero amar e desaparecer, para que uma imagem
não fique reduzida a uma simples imagem.
Amar e desaparecer: são coisas que
andam a par há eternidades. Querer amar é também estar pronto a morrer. Assim
vos falo eu, cobardes!
Mas o vosso olhar ambíguo e efeminado quer ser
contemplativo! E para vós, que maculais os nomes nobres, o que se pode tocar
com olhos pusilânimes deve-se chamar `belo!´. A vossa maldição, porém, — ó!
imaculados que procurais o simples conhecimento! — há-de ser nunca chegardes a
dar à luz, por muito avultados e prenhes que apareçais no horizonte.
Na
verdade, encheis a boca de palavras nobres, e havíamos de crer que o vosso
coração transborda, embusteiros?
As minhas palavras, porém, são grosseiras,
desprezadas e informes: a mim agrada-me recolher o que nos vossos festins cai
da mesa. Com as minhas palavras chego sempre a dizer a verdade aos hipócritas!
Sim, as minhas arestas, as minhas conchas e as minhas folhas espinhosas devem
fazer-vos cócegas nos narizes, hipócritas!
Sempre há ar viciado em redor de vós e dos vossos festins: porque no ar
flutuam os vossos lascivos pensamentos, as vossas mentiras e as vossas
dissimulações.
Atreveis-vos, pois, em primeiro lugar a ter fé em vós mesmos —
em vós e nas vossas entranhas! — o que não tem fé em si mesmo mente sempre.
Pusesteis diante de vós a máscara de um deus, homens `puros´: a vossa
ignominiosa e rasteira larva ocultou-se detrás da máscara de um deus. A verdade
é que vos enganais, `contemplativos!´.
Zaratustra também foi joguete das vossas
divinas peles; não suspeitou que eram serpentes que enchiam essa pele. Nos
vossos divertimentos julgava eu ver divertir-se a alma de um deus, simples
investigadores! Eu não conhecia arte melhor que os vossos artifícios!
A vossa
distância ocultava-me imundícies de serpente e maus cheiros, e eu não sabia que
por aqui rondava, lasciva, a astúcia de um lagarto. Abeirei-me, porém, de vós:
então chegou a mim a luz — e agora chega a vós; — os amores da lua estão no seu
declive. Olhai-a. Aí a tendes surpreendida e pálida ante a aurora!
Porque já
surge ardente a aurora: o seu amor pela terra aproxima-se! Todo o amor solar é
inocência e desejo do criador. Vede como a aurora passa impaciente pelo mar!
Não sentis a sede e o cálido alento do seu amor?
Quer aspirar o mar e beber as
suas profundidades, e o desejo do mar eleva-se com mil ondas. Porque o mar quer
ser beijado e aspirado pelo sol; quer tornar-se ar e altura e senda de luz
também.
Eu, à semelhança do sol, como a vida e todos os mares profundos. E tal
é para mim o conhecimento: todo o profundo deve subir à minha altura´.
Assim
falava Zaratustra."
Friedrich Nietzsche
"Assim falou Zaratustra"
t.
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