“É na faculdade de
mentir, que caracteriza a maior parte dos homens actuais, que se baseia a
civilização moderna.
Ela firma-se, como tão claramente demonstrou Nordau, na
mentira religiosa, na mentira política, na mentira económica, na mentira
matrimonial, etc...
A mentira formou este ser, único em todo o Universo: o homem
antipático.
Actualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita.
A máscara deu-lhe
prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada.
De forma que a
mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos;
como utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e
loucuras.
A mentira reina sobre o mundo! Quase todos os homens são súbditos desta omnipotente Majestade.”
Teixeira de Pascoaes
"A saudade e o saudosismo"
“To be able to experience reality, you
must be free of all the masks which you have developed in the struggle for
acquisition, born of craving.
These masks do not
conceal reality.
We are apt to think that, by getting rid of these masks, we
will find reality or that, by uncovering the many layers of want, we will
discover that which is hidden; thus, we are assuming that, behind this
ignorance, or in the depths of consciousness, or beyond this friction of will,
of craving, lies reality.
This consciousness of many masks, of many layers,
does not conceal within itself reality.
But, as we begin to comprehend the
process of development of these masks, these layers of consciousness, and as
consciousness frees itself from its volitional growth, there is reality.
Our conception that man is divine but limited, that beauty is concealed by
ugliness, wisdom buried under ignorance, supreme intelligence hiding in
darkness, is utterly erroneous.
In discerning how, through this beginningless
ignorance and its activities, there has arisen the 'I', process, and in bringing
that process to an end, there is enlightenment.
It is an experience of that
which is immeasurable, which cannot be described but is.”
Behind
the
Masks...
"Nesta manhã poderíamos considerar a questão da acção. Convém examiná-la com certa profundidade, para vermos se podemos descobrir e aprender uma acção não contraditória, uma vida livre do conflito dos opostos, livre de contradições.
Em geral, vivemos uma vida particular e uma vida pública. A nossa vida pública
é fragmentária; vivemos, em público, com diferentes máscaras, diferentes
atitudes e afectações. Tantas máscaras temos!
Com elas nos cobrimos muito
facilmente, e só as retiramos na intimidade da nossa mente e do nosso
coração.
Na vida particular,
como podemos ver, se somos sérios ou se estamos atentos, usamos também várias
máscaras. Entre amigos temos uma máscara, na intimidade da família, outra, e, a
sós, se alguma vez estamos sós, temos outra máscara totalmente diferente.
Cada uma dessas máscaras está em contradição com as demais, tanto as públicas como as particulares.
A maioria de nós não nota sequer a existência de tais máscaras. Deixamo-nos simplesmente levar pela corrente, ajustando-nos às várias influências e pressões, agindo e reagindo em conformidade com o que nos ditam as máscaras.
Cada uma dessas máscaras está em contradição com as demais, tanto as públicas como as particulares.
A maioria de nós não nota sequer a existência de tais máscaras. Deixamo-nos simplesmente levar pela corrente, ajustando-nos às várias influências e pressões, agindo e reagindo em conformidade com o que nos ditam as máscaras.
Vivemos uma vida de contradição e conflito, até morrer.
Nenhum desses estados parece ser permanente; cada um tem a sua vida própria, a sua actividade própria; e deles só nos tornamos conscientes, quando surge um grande conflito, uma crise.
Queremos então descobrir o que devemos fazer, e coisa estranha, cada fase, cada
máscara dita a sua própria disciplina, a sua própria actividade, a sua própria
maneira de vida.
Se somos sérios, por
pouco que seja, percebemos esse facto e procuramos integrar essas contradições.
Quanto mais tentamos juntá-las numa espécie de unidade, tanto maior se torna o
conflito, tanto maior a contradição.
Acho que a maioria de nós sabe disso; quase todos conhecemos as nossas diferentes simulações, vaidades, presunções, tanto públicas como particulares.
Se retiramos essas máscaras, o que resta?
Se a questão nos interessa seriamente,
devemos não só descobrir o que são essas simulações, com as suas vaidades, a sua hipocrisia, as suas contradições e actividades, cada uma delas oposta às demais, mas também descobrir, por nós mesmos, se temos possibilidade de despojar-nos de todas e de ver o que é.
Quando não há simulação, quando não há máscaras, nem pressuposto algum quanto ao que deveria ser e não deveria ser, quando já rejeitámos todas as influências sociais, políticas, económicas, climáticas, alimentares, etc., devemos não só descobrir o que resta, mas também ver se podemos viver com o que resta.
Se levamos uma vida não contraditória, uma vida livre de esforço, e portanto, livre de contradição, em qualquer nível que seja, só então há liberdade.
Só nessa liberdade se
encontra a paz e só nela pode florescer uma coisa totalmente nova, uma nova
alegria, um êxtase, uma felicidade não decorrente de desejo e prazer.
Só retiramos as nossas
máscaras quando estamos inteiramente a sós, na intimidade da nossa mente e
coração, mas, se pudéssemos, nesta manhã, descobrir para nós mesmos as
simulações, as máscaras com que nos cobrimos quando encontramos estranhos e
quando encontramos amigos íntimos, talvez, então, por nós mesmos, viéssemos a
descobrir o que é a acção real.
Talvez descobríssemos, também, se é possível uma pessoa viver neste mundo, exercer a sua profissão, manter um lar, estar em relação com a esposa ou o marido, prosseguir nas suas actividades sociais, e ao mesmo tempo, viver uma vida integral, total, uma vida tão completa que nela não haja o mais leve sopro de contradição ou de conflito.
Nesse descobrir há uma extraordinária beleza. Nessa beleza há alegria, mas para
a compreendermos, não só temos de examinar a questão do desejo, que é prazer,
mas também devemos esquecer totalmente esse encarecimento do inconsciente, tão
trivial e tão em voga actualmente.
Tornou-se moda
tagarelar a respeito do insconsciente, analisá-lo, interpretar-lhe os
diferentes motivos, pressões, ocultas exigências e sugestões.
Deixando de lado
esse chamado `inconsciente´, devemos também ficar totalmente livres dos sonhos, se comemos em excesso ou por outra causa orgânica.
Nesta manhã teremos muito que
fazer, se desejamos considerar a fundo a questão relativa a uma vida e uma
acção inteiramente livres de contradição.
Se pudermos compreendê-la, essa
questão, se pudermos aprender a seu respeito, transporemos então as fronteiras
do prazer, do desejo, e encontraremos uma certa coisa que será uma fonte de
júbilo e de bem-aventurança.
Mas, não a encontraremos, se não compreendermos esses estados contraditórios da nossa existência, com todas as suas subtilezas, disfarces, simulações.
Nesta manhã, se
possível, iremos viajar juntos, explorar e aprender. Ninguém irá dizer-nos o
que devemos e o que não devemos descobrir, quais as nossas máscaras e
simulações; iremos percebê-las por nós mesmos.
Se isso acontecer, esse mesmo descobrimento libertará enorme energia para novos descobrimentos.
Comecemos.
Primeiramente, iremos aprender juntos.
Esse aprender consistirá em abrir-nos a nós mesmos, pois não estamos aqui numa grande reunião ou congresso, em que uma só pessoa terá de analisar todas as questões, enquanto os demais só terão de ouvi-la.
Isso eu não desejo, pois é muito desinteressante e estúpido. Se fôssemos indivíduos neuróticos (e talvez a maioria de nós seja um pouco desequilibrada) um pouquinho de análise poderia ser de alguma utilidade, mas o descobrimento da causa, a análise de um facto não nos liberta dele.
Esse aprender consistirá em abrir-nos a nós mesmos, pois não estamos aqui numa grande reunião ou congresso, em que uma só pessoa terá de analisar todas as questões, enquanto os demais só terão de ouvi-la.
Isso eu não desejo, pois é muito desinteressante e estúpido. Se fôssemos indivíduos neuróticos (e talvez a maioria de nós seja um pouco desequilibrada) um pouquinho de análise poderia ser de alguma utilidade, mas o descobrimento da causa, a análise de um facto não nos liberta dele.
No descobrir o facto e
dar-lhe toda a atenção, não há análise, nem há intervalo de tempo para
examinar, investigar a sua causa.
Quando aplicamos a nossa atenção, total e completamente, e por nós mesmos, aprendemos ou descobrimos o que é, ocorre em nós uma extraordinária revolução. É isso o que vamos fazer, juntos, nesta manhã.
Na atenção, não há pensamento; não há tempo; não há observador e objecto observado.
Se aplicamos inteira atenção a uma certa coisa, qualquer que seja
ela ou em qualquer lugar que estejamos, a trabalhar na cozinha, ou a ouvir um
discurso, ou a ler, ou a contemplar o céu na hora do crepúsculo, se prestamos
inteira atenção, com o nosso coração, a nossa mente, os nossos nervos, os
nossos ouvidos, com tudo o que temos, veremos que não há então nenhum
observador, não há coisa observada, e não há intervalo de tempo para exame.
Naquela atenção nada existe; o próprio facto desaparece.
É isso que vamos aprender; não só iremos descobrir as máscaras, as simulações, as defesas que com tanto cuidado e subtileza temos criado, mas também ver e aprender se há alguma possibilidade de vivermos neste mundo, mundo tão horrível e confuso, mundo de tortura e destruição, sem nenhum disfarce, nenhuma resistência, e por conseguinte, de actuarmos totalmente, sem contradição alguma.
Espero que esteja bem
claro que o inconsciente é inteiramente sem importância. Há só percebimento.
Ao entrardes neste pavilhão, percebeis as cores, os rostos, as pessoas; esse é um percebimento sem escolha.
Se simplesmente percebemos, assim como percebemos uma flor ou ouvimos o barulho daquele avião lá no alto, se escutamos totalmente esse barulho, sem resistir, sem irritar-nos, não existe inconsciente. Este torna-se então uma coisa muito banal.
Ao entrardes neste pavilhão, percebeis as cores, os rostos, as pessoas; esse é um percebimento sem escolha.
Se simplesmente percebemos, assim como percebemos uma flor ou ouvimos o barulho daquele avião lá no alto, se escutamos totalmente esse barulho, sem resistir, sem irritar-nos, não existe inconsciente. Este torna-se então uma coisa muito banal.
Está agora preparado o terreno para o exame da máscara, da simulação. Podemos, vós e eu, estar conscientes, sem condenar, julgar, justificar; estar simplesmente conscientes das nossas máscaras, das nossas simulações?
Se delas não estamos conscientes, torna-se completamente impossível examiná-las profundamente.
Quando estamos a
descobrir essas máscaras e disfarces, alcançamos um ponto em que nos vemos
reduzidos a nada. Isso é assustador, porque quase ninguém sabe o que significa.
Só o conhecemos verbalmente.
Temo-lo olhado, de longe, com uma certa apreensão, ou vemo-nos tão entediados da vida, das nossas relações, que desejamos isolar-nos, afastar tudo e ficar sós, sendo isso apenas uma reacção.
Temo-lo olhado, de longe, com uma certa apreensão, ou vemo-nos tão entediados da vida, das nossas relações, que desejamos isolar-nos, afastar tudo e ficar sós, sendo isso apenas uma reacção.
Se realmente, se de facto, tomamos conhecimento de cada máscara ou percebemos, num relance, toda essa fabricação de máscaras, delas ficaremos livres instantaneamente.
Duas coisas podem-se fazer: ou tiramos cada máscara, cada simulação, pouco a pouco, dia após dia, ou desvendamos todo o processo respectivo instantaneamente.
Se as descobrimos pouco a pouco, gradualmente, isso naturalmente exige tempo. Todo o processo gradual requer tempo, e no intervalo entre o pouco que hoje se descobre e o que amanhã será descoberto, tornar-se-á existente uma nova máscara.
A maioria de nós custa a perceber que não há compreensão gradual, percebimento gradual, que nada pode assumir gradualmente um significado profundo.
Quase todos somos nacionalistas, ingleses, alemães, franceses, italianos, indianos, chineses e dizemos que gradualmente nos tornaremos internacionalistas, europeus ou americanos.
Depois de `internacionalizar-nos´, iremos `super-nacionalizar-nos´, e no final de tudo, haverá a unidade humana, quando todos estivermos mortos, nos tivermos assassinado uns aos outros, e cada nação, com os seus políticos, tiver reduzido a escombros o mundo.
Dizemos que, um dia, haverá uma certa unidade, mas esse dia nunca chega.
Se perceberdes a natureza do nacionalismo, o seu verdadeiro sentido, não só a sua significação verbal, as manifestações patrióticas ou pacifistas, se o compreenderdes totalmente, ele estará acabado. Já não pertencereis a nenhum país, nenhum grupo, nenhuma raça.
Mas, isso requer muita atenção, quer dizer, deveis deixar de ser preguiçoso, indolente, ficar livre dessa `história´ da gradualidade.
Ou vedes imediatamenle, no seu todo, essa enganadora manufacturação de máscaras, de disfarces, ou não a vedes absolutamente.
Não digais: `Eu a
compreenderei gradualmente; assim como se tiram as cascas de uma cebola,
tirarei gradualmente as camadas, as cascas, uma a uma´.
Não digais que fareis isso gradualmente. Ou vedes tudo instantaneamente, ou não o vedes. Se não o vedes, deixai-o de lado.
Não digais `Tenho de vê-lo; tenho de obrigar-me a vê-lo; quero viver uma vida diferente´. Não o conseguireis. Não é assim que isso se consegue.
Isso é o mesmo que um rico fingir-se de pobre; é uma máscara
que lhe proporciona conforto. Se sois rico, não o dissimuleis. Só isso. O
importante é não ter conflito.
Tendes de descobrir ou de perceber por vós mesmos se vedes a inteira estrutura, o mecanismo da simulação, se o vedes total e imediatamente, ou se não o vedes.
Se não o vedes,
averiguai por que não. Talvez sintais medo. Talvez digais: `Não sei aonde isso
me levará. Já levantei muitas defesas e barreiras, atrás das quais me abriguei,
e estais a pedir-me que rompa todas elas. Aonde me levará isso? Dai-me a
garantia de que irei encontrar uma coisa muito superior a tudo isso´.
Então
sim, estareis disposto a romper aqueles muros, se ainda tendes fé em alguma
coisa (pois, felizmente, a maioria de nós já não tem fé em nada).
Tratai de compreender por vós mesmos porque viveis atrás de máscaras, de disfarces. Não é muito difícil descobri-lo.
É porque desejais que de vós pensem tantas coisas que não sois. Desejais que pensem que sois um grande homem, um grande escritor, um grande qualquer coisa; não desejais que descubram o que sois. Temeis perder alguma coisa que já tendes na mão, no coração.
Por favor, não fiqueis
apenas a ouvir superficialmente o que se está a dizer, porque isso nenhum valor
tem.
Podeis vir assistir a estas reuniões, ano após ano, e, incidentalmente, numa hora de folga, vos sentirdes disposto a reflectir sobre o que aqui se diz. Mas, ao voltardes às vossas casas recomeçareis a mesma vida de confusão, aflição e conflito.
Se, entretanto, escutais, e escutar significa aprender, estais então a navegar num rio de insondável profundidade, de tremendo caudal, que está a correr e a levar-vos.
Podeis vir assistir a estas reuniões, ano após ano, e, incidentalmente, numa hora de folga, vos sentirdes disposto a reflectir sobre o que aqui se diz. Mas, ao voltardes às vossas casas recomeçareis a mesma vida de confusão, aflição e conflito.
Se, entretanto, escutais, e escutar significa aprender, estais então a navegar num rio de insondável profundidade, de tremendo caudal, que está a correr e a levar-vos.
Se escutardes dessa maneira, averiguai então porque usais esses disfarces, mas não gasteis um segundo sequer a examinar-lhes a causa, analisá-los, dissecá-los, a lutar contra eles, adiando-os.
Quando os analisais, em busca da causa, estais
meramente a evitá-los. Sabeis muito bem porque tendes essas máscaras, essas
simulações, essas defesas. Ninguém vo-lo precisa dizer. Sabeis porque as
tendes. O importante é perceber com clareza essa resistência, essas defesas,
essas simulações.
Quando as perceberdes, quebrai-as. Se não quereis quebrá-las, deixai-vos ficar atrás delas; permanecei como sois.
Não crieis mais um problema, pois já temos problemas de sobra criados por essas máscaras, por essas defesas.
Se dizeis que tudo isso é inevitável, natural, irremediável, que a vida é assim, ficai então como estais.
Não crieis mais um problema, que tendes de destruir as máscaras, demolir as vossas defesas. Não façais disso um problema.
Se não fizerdes disso um problema, podereis então prestar-lhe atenção com calma, e amigavelmente.
É só quando tendes interesse em compreender a coisa, que ela começa a desfazer-se.
Se dizeis `Tenho de compreendê-la; tenho de libertar-me´, jamais o conseguireis.
Após terdes deitado abaixo as máscaras, as simulações, as defesas, jamais perguntareis: `O que vem agora?´.
O que vem é uma acção que nunca é contraditória, uma acção sempre vigorosa e sempre nova.
O que conhecemos como
acção é repetição. É a acção do homem que frequenta um escritório durante
quarenta anos seguidos, até se aposentar e morrer, e a viúva ficar com o
dinheiro que ele ganhou.
A sua actividade é repetição, é fazer a mesma coisa vezes sobre vezes, talvez um pouco mais habilmente que o seu colega, e por conseguinte, ganha um pouco mais de dinheiro, mas é sempre o mesmo padrão, a repetir-se dia após dia.
Essa repetição da actividade dá-nos grande conforto. Nela nos sentimos em segurança. Nunca temos dúvidas a respeito; nunca a questionamos.
A sua actividade é repetição, é fazer a mesma coisa vezes sobre vezes, talvez um pouco mais habilmente que o seu colega, e por conseguinte, ganha um pouco mais de dinheiro, mas é sempre o mesmo padrão, a repetir-se dia após dia.
Essa repetição da actividade dá-nos grande conforto. Nela nos sentimos em segurança. Nunca temos dúvidas a respeito; nunca a questionamos.
É como ser-se levado
pela onda de uma dada coisa sancionada pela sociedade, uma guerra, por exemplo.
Numa guerra, todos ficamos terrivelmente unidos; não temos responsabilidades;
tudo nos é ditado, vamos simplesmente fazendo o que se nos manda.
Acção, para nós, em geral, significa repetição, e por conseguinte, não há nada novo; nada de vigoroso; nada que possa dar-nos uma nova energia.
Acção, para nós, em geral, significa repetição, e por conseguinte, não há nada novo; nada de vigoroso; nada que possa dar-nos uma nova energia.
Mas quando não há defesas, nem simulações, nem máscaras, há então uma acção de qualidade totalmente diferente, acção não baseada em experiência e conhecimentos previamente acumulados, que só são necessários num certo nível.
Há então uma mente sempre nova, juvenil, inocente. A inocência não tem máscara, não tem defesa nenhuma.
Esta é totalmente vulnerável, e dessa inocência, dessa vulnerabilidade, deflui uma acção verdadeiramente extraordinária, na qual não há sofrimento, nem dor, nem prazer, porém um estado de extraordinário júbilo.
Antes de começardes a
fazer perguntas, antes de começarmos a entrar em detalhes, vivei, por alguns
minutos, alguns segundos, o que se esteve a dizer. Não vos levanteis, de um
salto, a dizer: `Desejo fazer uma pergunta´.
O que estivemos a considerar é um assunto muito sério, que requer intensa investigação, consideração. É a verdadeira meditação, e não aquela frivolidade chamada meditação.
Deixai-me
portanto sugerir-vos, muito respeitosamente, que não digais imediatamente:
`Quero perguntar-vos uma coisa´. Vivei-a. Deixai-a palpitar, agitar-se dentro
de vós. Também, ao sairdes deste pavilhão, não recomeceis imediatamente as
vossas costumadas tagarelices.
Isso é como plantar uma semente na terra. Plantamo-la com todo o cuidado. Fazemos uma cova, adubamos o solo, e plantamo-la. Temos de regá-la, dar-lhe chuva e sol, mas se ficarmos a toda hora a tirá-la da terra para vermos se está a germinar, matá-la-emos. É isso o que estamos sempre a fazer.
Ouvimos uma coisa, que pode ser verdadeira ou falsa, mas não é esse o ponto que interessa, ouvimos uma coisa e imediatamente reagimos, rejeitando-a ou aceitando-a, negando-a ou fazendo algo em relação a ela. Não temos o cuidado de proporcionar à coisa uma oportunidade de medrar.
Isso não significa que
eu queira impedir-vos de fazer perguntas. É muito importante fazer uma
pergunta, mas mais importante ainda é fazer a pergunta correcta, e para
fazer-se a pergunta correcta, requer-se profunda penetração da questão.
Devemos
fazer perguntas a respeito de tudo: nacionalidades, reis, rainhas, governos,
religiões, tudo quanto interessa à humanidade. Necessita-se de muito
cepticismo. Nunca se diga `Sim´, porém, sempre, `Não´, e investigue-se.
Em geral, só sabemos dizer `Sim´, porque é só isso o que se nos ensina desde a infância. O pai, a mãe, o sacerdote, o governo, tudo o que nos cerca está de tal modo condicionado, e de tal maneira nos influencia, que tudo aceitamos sem discutir.
Por essa razão, raramente fazemos perguntas, e quando as fazemos, são as mais fúteis possíveis.
É muito importante fazer uma pergunta séria, uma pergunta correcta, porque, quando se faz a pergunta correcta, obtém-se a resposta correcta.
J. KRISHNAMURTI: Esta
pergunta parece-me mal formulada, se me permitis dizê-lo. Como viver neste
mundo e, ao mesmo tempo, ser inocente?
Primeiro, sede inocente, e então sabereis viver neste mundo; não se deve começar pelo lado oposto.
Sede vulnerável, no mais alto grau. Não sabeis, sequer, o que significa ser inocente!
Primeiro, sede inocente, e então sabereis viver neste mundo; não se deve começar pelo lado oposto.
Sede vulnerável, no mais alto grau. Não sabeis, sequer, o que significa ser inocente!
Se sois inocente,
sabereis viver neste mundo, noutro mundo, em qualquer mundo. Mas, se não sois
inocente, procurais ajustar-vos a este mundo e vos vedes, então, no meio do
inferno.
Mas, aprendei a respeito da inocência. Não tenteis conquistá-la. Ela não é uma palavra; é aquele estado em que não há dissimulações, nem máscaras, nem conflitos.
Ponde-vos nesse estado e sabereis viver neste mundo. Podereis exercer um emprego, fazer o que desejardes. Se souberdes o que é o amor, podeis fazer o que quiserdes. Não haverá conflitos, nem remorsos, nem dor.
Mas, aprendei a respeito da inocência. Não tenteis conquistá-la. Ela não é uma palavra; é aquele estado em que não há dissimulações, nem máscaras, nem conflitos.
Ponde-vos nesse estado e sabereis viver neste mundo. Podereis exercer um emprego, fazer o que desejardes. Se souberdes o que é o amor, podeis fazer o que quiserdes. Não haverá conflitos, nem remorsos, nem dor.
Se se diz: `Como
encontrar esse estado de inocência, de vulnerabilidade, de ausência de defesas,
de dissimulações, de máscaras?´. Esta é a pergunta correcta, e não `como viver
nesse estado?´.
Vivereis, então, neste mundo, de maneira totalmente diferente.
Vivereis, então, neste mundo, de maneira totalmente diferente.
INTERROGANTE: Como posso, eu, que me vejo torturado, o meu cérebro, a minha mente constrangida, martelada, condicionada, quase quebrada, como posso aprender, alcançar aquele estado em que não existem defesas?
J. KRISHNAMURTI: Já o expliquei, mas uma explicação não representa a realidade. Podeis ouvir dúzias de explicações, mas a realidade não é a palavra. A palavra nunca é a coisa; o símbolo nunca é a realidade.
Diz o interrogante: `Eu, que vivo neste mundo, tenho de ganhar dinheiro, ter vida doméstica, com todas as suas complicações. Como poderei acabar com todas as dissimulações?´.
Não podeis. Não podeis
fazer nada. Se alguma coisa fizerdes, isso será ainda uma actividade
egocêntrica. Se dizeis: `Tenho de conseguir isso; tenho de libertar-me´.
Aí está ainda o `EU´, que primeiro construiu as suas defesas e agora procura defesas de outra natureza.
Aí está ainda o `EU´, que primeiro construiu as suas defesas e agora procura defesas de outra natureza.
Mas, quando se percebe
o facto, a situação real, ou seja, que viveis uma vida de dissimulação, e ao
dizer `dissimulação´, estou-me a referir à vida particular e à vida pública:
àquela vida secreta, muito profunda, que temos tanto cuidado em ocultar, ao
perceberdes que nada tendes de fazer, então essa própria percepção actuará.
Fazei-o, senhor, e vereis o que sucederá.
Fazei-o, senhor, e vereis o que sucederá.
J. KRISHNAMURTI: Percebo este microfone; e percebo as pessoas aqui presentes, com os seus trajos de diferentes cores; percebo as árvores, as montanhas, o rio. Percebo também a minha própria pessoa.
É só quando começo a condenar-me, a dizer: `Isto é bom´ e `Isto é mau´, é só quando penso que percebo, pois isso não é perceber, é só então que começo a sofrer. Sofro, porque não gosto de ver o que sou. Quero libertar-me disso, alterá-lo. Há então conflito, há dor.
Mas, se perceberdes da
mesma maneira como estou a perceber este microfone, sem nenhuma escolha,
ficareis simplesmente a observar, a olhar, e nisso, não há sofrimento.
É só quando `gostais´ ou `não gostais´, que criais o problema do conflito.
É só quando `gostais´ ou `não gostais´, que criais o problema do conflito.
INTERROGANTE: Dissestes uma coisa que não compreendo.
J. KRISHNAMURTI: Folgo muito!
INTERROGANTE: Dissestes: `Se não podeis ver instantaneamente a actividade de dissimulação e dela vos libertar imediatamente, averiguai porque não o podeis´.
Dissestes, também, que o desejo de descobrir é uma actividade egocêntrica, e por conseguinte, nunca poderemos libertar-nos da actividade de dissimulação. Estou confuso a respeito deste ponto.
J. KRISHNAMURTI: Por que fazemos máscaras?
Sabemos porquê: para defender-nos, por medo, incerteza, por não sabermos o que irá suceder, por querermos estar apegados ao conhecido e temermos o desconhecido.
O desejo de segurança é o que nos leva a fabricar máscaras, pública e particularmente.
Quando dizeis: `Preciso libertar-me dele´, essa é uma actividade egocêntrica, que só irá criar outra máscara.
Percebo que toda a actividade procedente de um centro, toda a actividade que tem motivo, é a actividade egocêntrica, e por conseguinte, o desejo de libertar-se da máscara significa apenas criar outra máscara. Vejo isso muito claramente.
O que faço então?
Digo: `Nada posso fazer a esse respeito, porque tudo o que faço só serve para criar outra forma de dissimulação, outra máscara, outra defesa´.
Esse mesmo percebimento faz cessar todas as actividades ditadas pelo centro. Todas elas terminam. Há uma negação completa de toda e qualquer actividade. Compreendo imediatamente.
Não preciso de tempo para compreender.
Digo: `Nada posso fazer a esse respeito, porque tudo o que faço só serve para criar outra forma de dissimulação, outra máscara, outra defesa´.
Esse mesmo percebimento faz cessar todas as actividades ditadas pelo centro. Todas elas terminam. Há uma negação completa de toda e qualquer actividade. Compreendo imediatamente.
Não preciso de tempo para compreender.
Compreendi
instantaneamente que toda a acção da minha parte é geradora de mais aflição.
Por conseguinte, não há acção nenhuma; há negação completa; não há defesas. É a acção positiva do movimento egocêntrico que cria as defesas, que cria as máscaras.
Quando a mente compreendeu esse processo e ele foi imediatamente detido, cessa então, totalmente, a actividade egocêntrica. Há então um estado de completa negação.
Essa negação torna-se `o positivo´, ou seja o estado de inocência, de vulnerabilidade.
Não fiz coisa alguma! Isso não significa que eu me tornei inocente, o que é absurdo.
Por conseguinte, não há acção nenhuma; há negação completa; não há defesas. É a acção positiva do movimento egocêntrico que cria as defesas, que cria as máscaras.
Quando a mente compreendeu esse processo e ele foi imediatamente detido, cessa então, totalmente, a actividade egocêntrica. Há então um estado de completa negação.
Essa negação torna-se `o positivo´, ou seja o estado de inocência, de vulnerabilidade.
Não fiz coisa alguma! Isso não significa que eu me tornei inocente, o que é absurdo.
INTERROGANTE: Por que preocupar-nos em saber qual é a pergunta correcta? A pergunta correcta não é, em si, a resposta correcta?
J. KRISHNAMURTI: Eu
apenas classifiquei as perguntas em `frívolas´ ou `erróneas´, pois são dessas
perguntas que fazemos constantemente.
Dizemos: `Como podemos deter as guerras?´. Enquanto os entes humanos permanecerem tais como são, haverá sempre guerras. A pergunta correcta é: `Como pode o ente humano mudar inteiramente, e imediatamente?´. Esta parece-me ser a pergunta correcta, e nela própria está contida a resposta.
Se a fazemos com toda a paixão e intensidade que uma tal pergunta requer, ela própria traz a resposta.
Dizemos: `Como podemos deter as guerras?´. Enquanto os entes humanos permanecerem tais como são, haverá sempre guerras. A pergunta correcta é: `Como pode o ente humano mudar inteiramente, e imediatamente?´. Esta parece-me ser a pergunta correcta, e nela própria está contida a resposta.
Se a fazemos com toda a paixão e intensidade que uma tal pergunta requer, ela própria traz a resposta.
INTERROGANTE: O homem novo de que falais não poderia permanecer um homem novo, como líder político e dirigente dos negócios humanos, no pé em que estão. Esse homem exerceria tão poderosa influência que subverteria totalmente a organização política.
J. KRISHNAMURTI: O único problema político é, como disse há dias, a unidade humana. Esta não interessa a nenhum político da actualidade.
Não podemos confiar na política para promover a união da humanidade, e tampouco podemos confiar nos indivíduos religiosos; eles não têm nenhum interesse nisso.
Se vós e eu, como entes humanos, não levarmos em linha de conta o nacionalismo, as religiões separadas, etc., etc., então, talvez vós e eu possamos colaborar para a criação de uma mentalidade totalmente diferente."
Jiddu Krishnamurti
“O mistério da compreensão”
t.
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