“Cansamo-nos de tudo,
excepto de compreender. O sentido da frase é por vezes difícil de atingir.
Cansamo-nos de pensar para chegar a uma conclusão, porque quanto mais se pensa,
mais se analisa, mais se distingue, menos se chega a uma conclusão.”
Fernando Pessoa
"Livro do desassossego"
“Amidst so much confusion and sorrow it is essential to find
creative understanding of ourselves, for without it no relationship is
possible.
Only through right thinking can there be understanding.
Neither
leaders nor a new set of values nor a blueprint can bring about this creative
understanding; only through our own right effort can there be right
understanding.”
Essential
understanding...
“Is it not,
therefore, an obvious fact that what I am in my relationship to another creates
society and that, without radically transforming myself, there can be no
transformation of the essential function of society?
When we look to a system for the transformation of society, we are merely evading the question, because a system cannot transform man; man always transforms the system, which history shows.
Until I, in my relationship to you, understand myself I am the cause of chaos, misery, destruction, fear, brutality.
Understanding myself is not a matter of time; I can understand myself at this
very moment.”
"No meio de tanta
confusão e sofrimento, é essencial encontrar um entendimento criativo de nós
mesmos, pois sem ele, nenhum relacionamento é possível.
Só através do pensar
correcto pode haver entendimento. Nem líderes, nem um novo conjunto de valores,
nem um projecto pode produzir este entendimento criativo; somente através do
nosso próprio esforço correcto pode haver entendimento correcto.
Como é possível então
encontrar este entendimento essencial?
De onde começaremos a
descobrir o que é real, o que é verdadeiro, em toda essa conflagração (como
exemplo a conflagração da segunda guerra mundial), confusão e miséria?
Não é importante
descobrirmos por nós mesmos como pensar correctamente sobre a guerra e a paz,
sobre a condição económica e social, sobre o nosso relacionamento com os nossos
companheiros?
Certamente existe uma
diferença entre o pensar correcto e o pensamento correcto e condicionado.
Podemos ser capazes de
produzir em nós mesmos pensamento correcto imitativamente, mas tal pensamento,
não é o pensar correcto. O pensamento correcto e condicionado é não‐criativo.
Mas quando soubermos como pensar correctamente por
nós mesmos, que é ser vivo, dinâmico, então é possível produzir uma cultura
nova e mais feliz.
Gostaria de, durante estas palestras,
desenvolver o que me parece ser o processo do pensar correcto, para que cada um
de nós seja realmente criativo, e não meramente fechado numa série de ideias e
preconceitos.
Como vamos então começar a
descobrir por nós mesmos o que é o pensar correcto? Sem o pensar correcto não é
possível a felicidade.
Sem o pensar correcto, as
nossas acções, o nosso comportamento, os nossos afectos, não têm base.
O pensar
correcto não é para ser descoberto através dos livros, através do assistir a
umas poucas palestras, ou por escutar meramente algumas ideias de pessoas sobre
o que é o pensar correcto.
O pensar correcto é para ser
descoberto por nós mesmos através de nós mesmos.
O pensar correcto vem com o
auto-conhecimento. Sem auto-conhecimento não existe pensar correcto. Sem
conhecer‐se a si mesmo, o que se pensa e o que se sente
não pode ser verdadeiro.
A raiz de todo o entendimento encontra‐se no entendimento de si mesmo.
Se pode descobrir quais são
as causas do seu pensamento‐sentimento, e a partir
desta descoberta, saber como pensar‐sentir, então
existe o começo do entendimento.
Sem conhecer‐se a si
mesmo, a acumulação de ideias, a aceitação de crenças e teorias não têm base.
Sem conhecer‐se a si mesmo, será sempre pego
na incerteza, dependendo do humor, das circunstâncias. Sem entender‐se a si mesmo completamente, não pode pensar correctamente.
Com certeza isto é óbvio.
Se eu não sei quais são os
meus motivos, as minhas intenções, o meu "background" (fundo), os
meus pensamentos‐sentimentos particulares, como é que
posso concordar ou discordar de outra pessoa? Como posso avaliar ou estabelecer
a minha relação com outra pessoa?
Como posso descobrir qualquer coisa da vida
se não conheço a mim mesmo? E conhecer a mim mesmo, é uma tarefa enorme, que
requer observação constante, uma vigilância meditativa.
Esta é a nossa primeira
tarefa, mesmo antes do problema da guerra e da paz, dos conflitos económicos e
sociais, da morte e da imortalidade.
Estas questões vão surgir, elas hão-de
surgir, mas na descoberta de nós mesmos, no entendimento de nós mesmos, estas
questões serão respondidas correctamente.
Assim, aqueles que são
realmente sérios nestas questões devem começar por eles mesmos, a fim de
entender o mundo do qual são uma parte. Sem entender‐se
a si mesmo, não pode entender o todo.
O auto-conhecimento é o
começo da sabedoria. É cultivado pela busca individual de si mesmo. Não estou a
colocar o indivíduo em oposição à massa (ao colectivo). Eles não são antíteses.
O indivíduo, é a massa, é o resultado da massa. Em nós, como vai descobrir se
entrar nisto profundamente, encontra-se a multiplicidade e o particular.
É como um córrego que está
constantemente a fluir, a deixar pequenos redemoinhos, e a estes redemoinhos
chamamos de individualidade, mas eles são o resultado desse constante fluxo de
água.
Os seus pensamentos-sentimentos, aquelas actividades mentais‐emocionais, não são o resultado do passado, do que chamamos
a multiplicidade?
Não tem
pensamentos-sentimentos similares aos do seu vizinho? Assim, quando falo de
indivíduo, não o estou a colocar em oposição à massa, ao colectivo.
Pelo
contrário, quero remover este antagonismo. Este antagonismo que coloca em oposição
a massa e a si, indivíduo, cria confusão e conflito, crueldade e miséria.
Mas se pudermos entender
como o indivíduo, é parte do todo, não apenas misticamente, mas realmente,
então nos libertaremos de modo feliz e espontâneo, da maior parte do desejo de
competir, de ter sucesso, de iludir, de oprimir, de ser cruel, ou de se tornar
um seguidor ou um líder.
Então veremos o problema da existência de modo
diferente. E é importante entender isto profundamente.
Enquanto nos virmos como
indivíduos, separados do todo, a competir, obstruir, em oposição, a sacrificar
o colectivo pelo particular, ou sacrificar o particular pelo colectivo, todos
aqueles problemas que surgem deste conflituante antagonismo não terão solução
feliz e duradoura, pois são o resultado do pensar‐sentir
incorrecto.
Agora, quando falo sobre o
indivíduo, não o estou a colocar em oposição à massa. O que eu sou?
Sou um
resultado, sou o resultado do passado, de inúmeras camadas do passado, de uma
série de causas efeitos.
E como posso estar em
oposição ao todo, ao passado, quando sou o resultado daquilo tudo?
Se eu, que
sou a massa (o colectivo), se não entender a mim mesmo, não apenas entender o
que está fora da minha pele, objectivamente, mas subjectivamente, dentro da
pele, como posso entender outra pessoa, o mundo?
Entender a si mesmo requer
desapego amável e tolerante. Se não entender a si mesmo, não entenderá nada
mais. Pode ter grandes ideais, crenças e fórmulas, mas elas não terão
realidade.
Serão enganos. Assim, deve
conhecer‐se a si mesmo para entender o presente, e
através do presente, o passado.
Do presente conhecido, as camadas escondidas do
passado são descobertas, e esta descoberta é libertadora e criativa.
Entender a
nós mesmos requer um estudo objectivo, amável, desapaixonado de nós próprios,
nós próprios sendo o organismo como um todo, o nosso corpo, os nossos
sentimentos, os nossos pensamentos.
Estes não estão separados, mas
interligados.
E só quando entendemos o
organismo como um todo é que podemos ir além, e podemos descobrir coisas mais
adiante, maiores, mais vastas. Mas sem este entendimento primário, sem colocar
o alicerce correcto para o pensar correcto, não podemos prosseguir para alturas
maiores.
Torna‐se
essencial produzir em cada um de nós a capacidade de descobrir o que é
verdadeiro, pois o que é descoberto é libertador, criativo. Pois o que é
descoberto é verdadeiro.
Ou seja, se meramente nos conformarmos a um padrão do
que deveríamos ser, ou ceder a um anseio, isso produz certos resultados
conflituantes, confusos.
Mas no processo do nosso
estudo de nós mesmos, estamos numa viagem de auto-descoberta, o que traz
alegria.
Existe uma certeza no pensar‐sentir negativo
em vez do pensar sentir positivo. De uma maneira positiva supomos o que somos,
ou cultivamos positivamente as nossas ideias em relação a outras pessoas, ou em
relação às nossas próprias formulações.
E, portanto, dependemos de autoridade, de
circunstâncias, esperando com isto estabelecer uma série de ideias e acções
positivas.
Ao passo que se examina,
verá que existe concordância na negação; existe certeza no pensar negativo, que
é a mais alta forma de pensar. Uma vez que descobre a negação verdadeira e a
concordância na negação, então pode construir mais adiante no positivo.
A descoberta que reside no
auto-conhecimento é árdua, pois o começo e o fim estão em nós.
Buscar
felicidade, amor, esperança fora de nós leva à ilusão, ao sofrimento; encontrar
felicidade, paz, alegria dentro de nós, requer auto-conhecimento.
Somos escravos das pressões
imediatas e exigências do mundo, e somos desviados por tudo isso e dissipamos
as nossas energias em tudo isso, e assim temos pouco tempo para estudar a nós
mesmos.
Estarmos profundamente cientes dos nossos motivos, dos nossos desejos de
alcançar, de vir‐a‐ser, exige
constante atenção interna.
Sem o entendimento de nós
mesmos, mecanismos superficiais de reforma social e económica, mesmo que
necessários e benéficos, não irão produzir unidade no mundo, mas somente maior
confusão e miséria.
Muitos de nós pensamos que a
reforma económica de uma ou outra forma vai trazer paz ao mundo; ou que a
reforma social, ou uma religião especializada a conquistar todas as outras vai
trazer felicidade ao homem.
Acredito que haja algo como
oitocentas ou mais seitas religiosas neste país (EUA), cada uma a competir, a
fazerem proselitismo. Pensam que uma religião competitiva vai trazer paz,
unidade e felicidade à humanidade?
Pensam que qualquer religião especializada
seja o Hinduísmo, o Budismo ou o Cristianismo, vai trazer paz? Ou devemos
colocar de lado todas as religiões especializadas e descobrir a realidade por
nós mesmos?
Quando vemos o mundo
explodido por bombas e sentimos os horrores que acontecem nele; quando o mundo
está fragmentado por religiões, nacionalidades, raças e ideologias separadas,
qual é a resposta a tudo isso?
Não podemos apenas continuar
a viver uma vida curta e morrer, e esperar que algum bem, advenha disso.
Nós
não podemos deixar isso para os outros, trazer felicidade e paz à humanidade,
pois a humanidade é nós mesmos, cada um de nós. Aonde se encontra a solução,
senão em nós mesmos?
Descobrir a resposta real
requer profundo pensamento-sentimento e poucos de nós estão dispostos a
resolver essa miséria. Se cada um de nós considerar esse problema como que a
jorrar de dentro, e não ser meramente conduzido nessa confusão e miséria pavorosa,
então iremos encontrar uma resposta simples e directa.
No estudo, e assim, no
entendimento de nós mesmos, virá claridade e ordem. E só pode haver claridade
no auto-conhecimento, que nutre o pensar correcto.
O pensar correcto vem antes
da acção correcta.
Se nos tornarmos conscientes de nós mesmos e assim
cultivarmos o auto-conhecimento de onde jorra o pensar correcto, então
criaremos um espelho em nós que reflectirá, sem distorções, todos os nossos
pensamentos‐sentimentos.
Estar assim auto-conscientes
é extremamente difícil, já que as nossas mentes estão acostumadas a divagar e a
estar distraídas. As suas divagações, as suas distorções são do seu próprio
interesse, as suas próprias criações.
No entendimento disto, e não
meramente colocar isto de lado, vem o auto-conhecimento e o pensar correcto.
É
apenas por inclusão e não por exclusão, não por aprovação ou condenação ou
comparação, que vem o entendimento."
Jiddu Krishnamurti
"O indivíduo e a sociedade"
t.
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