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terça-feira, 24 de maio de 2016

Can you think and feel deeply?












I sit here, writing, at my table, my pens and my lead, etc., and suddenly there comes upon me the mystery of the universe and I stop, I shudder, I fear, I wish on the moment to cease to feel, to hide myself, to dash my head against the wall.


Happy the man who can think deeply, but to feel thus deeply is a curse. 
How to describe it? Horror on horror...






Fernando Pessoa
"Manuscript"




Can you think and
feel deeply?






We  want to find out first if there is something immeasurable (beyond all reach of thought, above all measurement) a thing that cannot possibly be touched by words, that has no symbol. 


Is it possible, first of all, not mystically, not romantically or emotionally, but actually, to discoverer, or to come upon this extraordinary state? 

The ancients and some who throughout the world have perhaps come upon it unknowingly, have said 'there is something'. 

Serious-minded men for millions of years have attempted to find that. 
Those who are casual, flippant, have their own reward, their own way of life, but there is always a small minority who are really earnest, who come upon this endless, measureless thing. 

To understand it, one must obviously be free of all dogma, of all belief, of all the traditional impediments which condition the mind, which are merely inventions of thought. 


We are human beings, suffering, lonely, confused, in great sorrow, 

whether we call ourselves Communists or Socialists or anything else, we are human beings

But apparently the important thing for us is the label, French, German or any other. 


It is important to be free from all this because you need freedom, not merely verbally but actually. 


It is only in freedom that you can discover what is the real, not through beliefs and dogmas.








"Penso que a maioria de nós facilmente se satisfaz com explicações e que não parecemos capazes de ultrapassar as meras palavras para experimentarmos directamente, por nós mesmos, algo original. 

Estamos sempre a repetir, como discos de gravação, sempre a seguir uma certa autoridade que promete um certo resultado.


Ora, a religião parece-me ser algo completamente diferente daquilo que tem sido. Não é adoração de palavras, nem projecção de símbolos e o experimentar desses símbolos. 


Religião é o experimentar daquilo que transcende os limites da mente; mas para experimentar esse estado, `realizar´ a sua imensidão, é indispensável compreender o processo do nosso próprio pensar.


No geral somos indiferentes às impressões, às pressões, à vitalidade da existência; com facilidade nos satisfazemos e alguns de nós não ousamos sequer considerar os problemas existentes ao redor de nós e dentro de nós mesmos.


Assim, proveitoso seria se pudéssemos considerar nesta tarde, os nossos problemas, não teórica ou abstractamente, mas realmente, para vermos o que em verdade são. 


Isso não quer dizer que iremos resolver o problema da guerra ou acabar com a matança que ocorre em outras partes do mundo; mas acontece que facilmente nos deixamos desviar pela enormidade desses problemas e não existe em nós aquela clareza do pensamento que só se apresenta ao começarmos com `nós mesmos´ e não com outra pessoa ou coisa.



O problema mundial é nosso problema, porque nós somos o mundo. O que pensamos atinge o mundo; o que fazemos atinge a sociedade. 


O problema individual relaciona-se directamente com o problema mundial e não me parece estarmos a atribuir suficiente importância ao poder do pensar e da acção individuais. Historicamente, por certo podeis verificar que são sempre indivíduos os que iniciam os grandes movimentos.

Assim, cabe-nos considerar antes de tudo os nossos próprios problemas, porque eles estão directamente relacionados com os problemas mundiais; e se vós e eu pudermos aplicar toda esta hora, a esse trabalho, talvez então possamos sair daqui com uma diferente perspectiva, um novo impulso, uma `explosiva´ vitalidade.


Ora, qual é o nosso problema básico? 
Como estudantes ou homens de negócios, como engenheiros, políticos ou supostos `buscadores da Verdade´, o que quer que isso seja, qual é, fundamentalmente, o nosso problema?


Em primeiro lugar, o mundo parece-me estar a se transformar rapidamente, e a civilização ocidental, com a sua mecanização, a sua industrialização, as suas descobertas científicas, a sua tirania, o seu parlamentarismo, os seus investimentos de capitais, etc., imprimiu-nos na mente uma profunda marca.


Mas nós criámos, no decurso dos séculos, uma sociedade da qual somos parte integrante e que determina que devemos ser morais, honrados, virtuosos, que devemos comportar-nos segundo um certo padrão de pensamento que promete o final conhecimento da Realidade, de Deus ou da Verdade.


Existe, assim, uma contradição em nós, não é verdade? Vivemos neste mundo de avidez, inveja e apetites sexuais, pressões emocionais, mecanização, com o governo a controlar eficientemente as nossas necessidades, e ao mesmo tempo desejamos encontrar algo superior à mera satisfação física. Existe ânsia de encontrar Deus e também de viver mundanamente.


Queremos trazer aquela Realidade para este mundo. Dizemos que, para viver neste mundo, precisamos ganhar dinheiro, que a sociedade requer que sejamos ávidos, invejosos, competidores, ambiciosos; e todavia, viver neste mundo, desejamos fazer surgir aquela `outra coisa´.


Será possível que todas as nossas necessidades físicas sejam atendidas, que o governo crie um Estado no qual tenhamos um alto grau de segurança exterior; mas interiormente estaremos famintos. 

Assim, desejamos aquele estado a que chamamos religião, aquela Realidade que imprime à acção um novo impulso, uma `explosiva´ vitalidade.


Este, por certo, é o meu problema e o vosso problema: Como iremos viver neste mundo, onde o viver implica competição, aquisição, ambição, a busca `agressiva´ do nosso próprio preenchimento, e ao mesmo tempo trazer à nossa existência o perfume de algo que se acha além? É possível tal coisa? Podemos viver neste mundo e ao mesmo tempo possuir aquela `outra coisa´?


Este mundo está a tornar-se cada vez mais mecanizado; os pensamentos e acções dos indivíduos estão a ser controlados cada vez mais pelo Estado. O indivíduo está a ser `parcializado´, educado num certo padrão, a fim de seguir uma rotina diária.


Há compulsão em todos os sentidos; e viver num mundo assim, podemos tornar existente aquilo que não é exterior nem interior, mas tem movimento próprio e requer uma mente de sobremodo ágil, mente capaz de intenso sentimento, intensa investigação? Isso é possível? 

A não ser que sejamos neuróticos, mentalmente excêntricos, temos de reconhecer ser este o nosso problema.



Ora, qualquer homem inteligente pode ver que frequentar os templos, praticar puja e todas as demais extravagâncias que se praticam em nome da religião não é absolutamente religião; é, meramente, uma conveniência social, um padrão que fomos ensinados a seguir.


O homem está a ser educado para se ajustar a um padrão, para não duvidar, não investigar; e o nosso problema é como viver neste mundo de inveja, avidez, ajustamento e perseguição de ambições pessoais, e ao mesmo tempo experimentar aquilo que se acha além da mente, chamai-o Deus, Verdade, ou o que quiserdes. 


Não estou a falar sobre o deus dos templos, dos livros, dos gurus, mas de algo que é muito mais intenso, e vital, e grandioso, de algo imensurável.


Assim, viver neste mundo com tantos problemas, como posso captar `a outra coisa´? Isso é possível? Não é, decerto. Não posso ser invejoso e ao mesmo tempo descobrir o que é Deus ou a Verdade; as duas coisas são contraditórias, incompatíveis.


Mas é isso o que está a tentar fazer a maioria de nós. Somos invejosos, deixamo-nos levar por esse velho impulso, e simultaneamente sonhamos descobrir se existe Deus, se existe Amor, Verdade, Beleza, Eternidade. 


Se observardes o vosso próprio pensar, se estiverdes realmente conscientes do funcionamento da vossa mente, vereis que o vosso desejo é estar com `um pé neste mundo e um pé no outro mundo´, o que quer que este último seja. 

Mas os dois mundos são incompatíveis, não podem misturar-se. O que fazer, então?

Entendeis, senhores? Compreendeis que não se pode misturar a Realidade com algo que não é real? 


Como pode uma mente agitada pela inveja, que está a viver na esfera da ambição, da avidez, compreender algo completamente tranquilo e que, nessa tranquilidade, tem o seu movimento próprio?



Como ser humano inteligente, percebo a impossibilidade disso. Percebo, também, que o meu problema não é achar Deus, porque não sei o que isto significa. 



Posso ter lido uma infinidade de livros sobre o assunto, mas esses livros são meramente explicações, palavras, teorias sem realidade alguma para a pessoa que nunca experimentou aquilo que está além da mente. E o intérprete, não importa quem seja ele, é sempre um traidor.


O meu problema, pois, não é achar Deus, porque a minha mente é incapaz disso. Como pode uma mente estúpida e limitada encontrar-se com o imensurável? Poderá falar sobre o imensurável, escrever livros a seu respeito, modelar um símbolo da Verdade e coroar de flores esse símbolo, mas tudo isso fica no nível verbal. 


Assim, se sou inteligente e estou consciente desse facto, digo: `Devo começar com o que verdadeiramente sou, e não com o que deveria ser. 
Eu sou invejoso, e é só isso o que sei´.



Ora, posso eu, viver nesta sociedade, e libertar-me da inveja?


Dizer sim ou não, é mera suposição, e portanto, sem valor. Para descobrir se isso é possível, requer-se intensa investigação. 


No geral, direis ser impossível viver neste mundo sem inveja, sem avidez. Toda a nossa estrutura social, o nosso código de moralidade baseiam-se na inveja, e assim, pressupondes que não é possível, e o caso está liquidado.


Mas se, ao contrário, um homem diz: `Não sei se existe ou não uma Realidade, mas desejo averiguar isso e, para averiguá-lo, é óbvio que a minha mente deve estar livre da inveja, não apenas parcialmente, mas totalmente, porque a inveja é um movimento de agitação´, esse homem, e só ele, é capaz da verdadeira investigação. Voltaremos a este ponto mais adiante.


O meu problema, pois, não é investigar a Realidade, mas sim, descobrir se ao viver neste mundo, posso libertar-me da inveja.


A inveja não é simples ciúme, embora o ciúme faça parte dela, nem é simplesmente mostrar-me ressentido porque alguém possui mais do que eu. 


A inveja é o estado da mente que está a exigir sempre mais e mais: mais poder, mais posição, mais dinheiro, mais experiência, mais saber. E exigir mais é actividade própria da mente egocêntrica.



Posso viver neste mundo, livre da actividade egocêntrica?


Posso deixar de comparar-me com outro? Se sou feio, desejo ser belo; se sou violento, desejo ser `não-violento´.

Desejar ser diferente, ser mais, é o começo da inveja, o que não significa que devo aceitar cegamente o que sou. Mas esse desejo de ser diferente está sempre em relação com algo comparativamente maior, mais belo, mais isso ou mais aquilo, e somos educados para comparar dessa maneira. 


A nossa ânsia de todos os dias é competir, superar, e sentimo-nos satisfeitos em ser invejosos, não só consciente, mas também inconscientemente.



Achais que deveis tornar-vos alguém neste mundo, um grande homem ou um homem rico, e se tendes sorte, dizeis que é porque no passado praticastes boas obras, toda essa `conversa´ de karma, etc. 



Interiormente, também, desejais tornar-vos alguém, um santo, um homem virtuoso; e se observardes todo esse movimento de `vir-a-ser´, essa ânsia de mais, tanto externa como internamente, vereis que ele, esse movimento, baseia-se essencialmente na inveja.


Nesse movimento da inveja a vossa mente se vê envolvida; e com a mente em tais condições, pode-se descobrir o Real? Ou isso é uma impossibilidade? 

Por certo, para descobrir o Real, deve a vossa mente estar completamente livre da inveja; não deve haver exigência de mais, declarada ou oculta nos íntimos recessos do inconsciente.

E, se alguma vez já a observastes, deveis saber que a vossa mente está sempre em perseguição do mais. Tivestes ontem uma certa experiência e hoje `quereis mais´; ou, se sois violento, desejais ser `não-violento´, e assim por diante. Tudo isso são actividades de uma mente toda interessada em si própria.

Ora, é possível a mente ficar livre de todo esse `processo´?


É isto que tenho de investigar, e não se existe ou não existe Deus. Para a mente invejosa, buscar Deus é pura perda de tempo; é coisa sem significação, a não ser teoricamente, intelectualmente, a título de entretenimento. 


Se desejo realmente descobrir se Deus existe ou não, devo começar comigo mesmo, isto é, a minha mente deve estar de todo livre da inveja; e eu posso garantir que essa é uma tarefa imensa. Não é uma simples questão de `brincar´ com palavras.

Mas, vede, quase ninguém, dentre nós, se interessa por isso e está disposto a dizer: `Quero libertar a minha mente da inveja´. O que nos interessa é o mundo, os acontecimentos da Europa, a mecanização da indústria, qualquer coisa que sirva para nos afastar do ponto central: que não poderei contribuir para a criação de um mundo diferente, enquanto, como indivíduo, eu não me tiver transformado fundamentalmente.

Perceber que cada um precisa começar consigo próprio é perceber uma imensa verdade; mas quase todos nós fechamos os olhos a essa verdade, afastamo-la prontamente para o lado, porque o que nos interessa é o `colectivo´, a reforma da ordem social, o tentar implantar a paz e a harmonia no mundo.


Poucas pessoas se interessam em si mesmas, a não ser quando se trata do seu êxito pessoal. Não é desta última espécie de interesse que estou a tratar. 
Refiro-me ao interesse que o indivíduo deve ter em transformar-se. 



Mas, em primeiro lugar, a maioria de nós não percebe a importância, a verdade relativa à transformação; e em segundo lugar, não sabemos como nos transformar, como produzir em nós essa extraordinária, essa `explosiva´ transformação interior. 



A transformação no nível da mediocridade, que é trocar um padrão por outro, não é absolutamente transformação.



Aquela transformação `explosiva´ deriva da concentração de toda a nossa energia, a fim de resolvermos o problema fundamental da inveja. Estou a considerar este ponto como o problema central, embora haja muitas outras coisas nele implicadas.



Tenho a capacidade, a intensidade, a inteligência, a agilidade necessária para seguir os movimentos da inveja, em vez de apenas dizer: não devo ser invejoso?
Isto dizemos há séculos.


Também temos dito `devo seguir o ideal da não-inveja´, o que é igualmente absurdo, pois significa projectar o ideal da não-inveja, e entretanto, continuar invejoso. 

Por favor, observai esse processo. 
O facto é que vós sois invejosos, enquanto o ideal é o `estado de não-inveja´, e entre os dois estados existe um intervalo que deve ser preenchido com o tempo. 


Dizeis: `um dia serei não-invejoso´, o que é uma impossibilidade, pois isso tem de acontecer agora ou nunca. Não podeis fixar uma data futura em que sereis `não-invejosos´.


Assim sendo, é-me possível adquirir a capacidade de investigar a inveja e dela me libertar totalmente? Como surge essa capacidade? Aparece pela prática de algum método ou exercício? Torno-me artista, se pratico uma determinada técnica todos os dias? Claro que não.

Tende, pois, a bondade de prestar atenção por alguns minutos, não com o desejo de adquirir alguma coisa, mas de descobrir como nasce aquela capacidade. Compreendeis, senhores?


O desejo de adquirir aquela capacidade é um movimento egoísta da mente; ao passo que, se não procuro cultivá-la, mas começo a investigar todo o processo da inveja, já é então existente o meio de dissolver totalmente a inveja.


Ora, de que maneira investigo o `processo´ da inveja? Qual o motivo que determina essa investigação? Desejo libertar-me da inveja a fim de ser um grande homem, de me tornar semelhante a Buda, Cristo, etc.?


Se investigo com essa intenção, esse motivo, a minha investigação `projecta´ a sua resposta própria, e desse modo, o que acontece é que perpetuamos este mundo monstruoso que temos actualmente.


Mas, se começo a investigar com humildade, isto é, sem o desejo de êxito, entra então a funcionar um processo totalmente diferente. 


Reconhecer que não possuo a capacidade de me livrar da inveja, digo: `Vou investigar´, e isso significa que há humildade desde o começo. 
E, no momento em que é humilde, um homem já é capaz de libertar-se da inveja.


Mas o homem que diz: `Quero ter aquela capacidade e hei-de adquiri-la através de tais métodos, por meio de tal sistema´, esse homem errou o caminho, e foram homens como esse que criaram este mundo feio e traiçoeiro.


A mente deveras humilde tem uma capacidade imensa para a investigação, ao passo que a mente que leva o peso do saber, que se vê entravada pela experiência, pelo seu próprio condicionamento, nunca poderá investigar realmente. 


A mente humilde diz: `Não sei; vou investigar´, e isso significa que investigar nunca é um processo de acumulação.

Para não acumulardes, deveis morrer todos os dias, pois então vereis que, porque fundamentalmente, profundamente, sois humilde, essa capacidade aparece por si mesma; não é uma coisa que adquiristes. 


A humildade não pode ser exercitada, mas se há humildade, a mente tem capacidade para investigar a inveja; e essa mente já não é invejosa.


Compreendeis, senhores? 

A mente que diz: `Não sei´, e não deseja tornar-se alguma coisa, deixou totalmente de ser invejosa. Vereis então que a virtude tem significado completamente diverso. 



Virtude não é respeitabilidade, não é ajustamento, nada tem em comum com a moralidade social, que é mera conveniência, uma maneira de viver tomada respeitável através de séculos de compulsão, ajustamento, pressão e medo.



A mente que é mesmo humilde, no sentido que expliquei, criará a sua própria virtude, que não é a virtude nascida de um padrão. 
É a virtude do viver, nascida da humildade e do descobrir momento por momento, o que é a Verdade.


O vosso problema, pois, não é o mundo das ideias, dos jornais, dos políticos, porém o vosso mundo interior; mas deveis perceber, sentir a verdade desta asserção, e não, meramente, concordar, porque o Gita ou alguém diz que assim é. 


Se estais conscientes desse mundo interior e observar a vós mesmos sem condenação ou justificação, dia por dia, momento por momento, vereis então que há nesse percebimento uma tremenda vitalidade.



A mente que acumula, teme morrer, e ela nunca descobrirá o que é a Verdade. 
Mas à mente que está a morrer, a cada minuto, para tudo o que experimentou, vem uma extraordinária vitalidade, porque cada momento é novo; e só assim é a mente capaz de descobrimento.



Senhores, é bom ser sério, mas muito raramente somos sérios na nossa vida. Não entendo com isso `ser sério a respeito de alguma coisa´, mas sim, termos o sentimento da seriedade em nós mesmos.


Sabemos muito bem o que significa ser alegre, gracejador, mas muito poucos de nós conhecem o sentimento de profunda seriedade, sem um objecto que nos faz sérios; (pouquíssimos) conhecem aquele estado em que a mente se abeira de cada situação, por mais cómica, alegre ou estimulante que seja, com um propósito sério. 

É, portanto, bom passarmos juntos uma hora dessa maneira, numa séria investigação, pois a vida é para a maioria de nós muito superficial, uma rotineira relação de trabalho, sexo, devoção, etc.


A mente está sempre à superfície, e penetrar abaixo da superfície parece tarefa extremamente difícil.


O necessário é esse estado `explosivo´, que é a revolução real no verdadeiro sentido religioso, porque, só quando `explosiva´ a mente, é capaz de descobrir ou de criar algo original, novo."



Jiddu Krishnamurti
"O homem livre"








"Pergunta: Pratiquei uma acção iníqua e pecaminosa, que me deixou com um verdadeiro sentimento de culpa. Como poderei superar esse sentimento?


J. Krishnamurti: Senhor, que entendeis por `pecado´? Os cristãos têm um conceito de pecado que vós não tendes, mas vós vos sentis `culpado´ ao possuirdes mais dinheiro, ao terdes uma casa maior do que outro, pelo menos assim deveríeis sentir-vos. 


Quando passeais num carro confortável e avistais uma interminável fila de pessoas à espera de um autocarro, isso tem um certo efeito em vós, tendes o que se chama `sentimento de culpa´ e desejais fazer alguma reforma radical, não no estúpido sentido económico, mas no sentido religioso, de modo que tais coisas não possam acontecer no mundo.


Ou, podeis sentir-vos `culpado´ porque sabeis que tendes uma certa capacidade, um certo discernimento que a outros falta. Mas é muito estranho verificar que nunca nos sentimos `culpados´ a respeito de tais coisas; só nos sentimos culpados quando se trata de coisas materiais, mundanas, ter mais dinheiro, melhor posição social, etc.


Ora, o que é esse `sentimento de culpa´ e quando vos tornais consciente dele? É uma manifestação de piedade? A maioria de nós está ocupada consigo mesma, em diferentes maneiras, de manhã à noite, e consciente ou inconscientemente, vamos vogando nessa corrente. 


Ao surgir um súbito desafio, esse movimento, essa ocupação egoísta perturba-se, e então, nos sentimos `culpados´, sentimos que estamos a fazer algo iníquo, ou que deixamos de fazer algo justo; mas esse sentimento está ainda na corrente da actividade egocêntrica, não é verdade? Não sei se todos vós estais a seguir isto.


Por que deveis sentir-vos `culpado´? Se estais a viver intensamente, com todo o vosso ser, se percebeis plenamente tudo o que se passa ao redor de vós e dentro de vós, tanto consciente como inconscientemente, onde há lugar para a `culpa´?


O homem que vive fragmentadamente, que está interiormente dividido, esse, sim, sente `culpa´. Uma parte dele é boa, outra parte corrupta; uma parte procura ser nobre, e a outra é ignóbil; uma parte é ambiciosa, cruel, e a outra fala de paz e de amor. Essas pessoas sentem-se `culpadas´ porque estão ainda dentro do padrão que elas próprias fabricaram.


Enquanto houver actividade egocêntrica, não podereis superar o sentimento de culpa. Só desaparece esse sentimento quando ides ao encontro da vida totalmente, com todo o vosso ser, isto é, quando não há preenchimento de espécie alguma. 
Vedes então que o sentimento de culpa já não existe, porque não estais a pensar em vós mesmos. Não há actividade egocêntrica.


Senhores, se estais a escutar, mas não agis, isso é o mesmo que estar sempre a arar sem nunca semear. É melhor não escutar uma verdade, do que escutá-la sem agir, porque ela então se torna veneno.


Se aprovais ou desaprovais certas particularidades do que se está a dizer, isso é sem importância; o importante é perceberdes a verdade de que, enquanto funcionardes dentro do campo da actividade egocêntrica, não podeis fugir a várias formas de sofrimento e de frustração.


O sofrimento e a frustração só podem cessar quando viveis totalmente, com a intensidade de todo o vosso ser, da vossa mente, coração e corpo; e não podeis viver desse modo completo, com essa intensidade, se só cuidais de vossa própria virtude. Podeis estar livres hoje do sentimento de culpa, mas ele surgirá com outra forma amanhã ou um dia depois.


Experimentai isso, senhores, experimentai um pouco viver intensamente todos os dias, com toda a vossa mente, coração e corpo, com tudo o que possuís, e vereis que então não há contradição, não há pecado. 


É o desejo, a inveja, a ambição, que gera a contradição, e a mente envolvida em contradição nunca descobrirá a realidade."




Jiddu Krishnamurti
"O homem livre"










t.

































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