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domingo, 22 de maio de 2016

We are rich or poor?





Atolavam-se na ilusão da felicidade que extraíam dos bens possuídos. 

Ora a felicidade o que é senão o calor dos actos e o contentamento da criação? 

Aqueles que deixam de trocar seja o que for deles próprios e recebem de outrem o alimento, nem que fosse o mais bem escolhido e o mais delicado, aqueles que ouvem subtilmente os poemas alheios sem escreverem os poemas próprios, aproveitam-se do oásis sem o vivificarem, consomem cânticos que lhes fornecem, e fazem lembrar os que se apegam às mangedouras no estábulo e, reduzidos ao papel de gado, mostram-se prontos para a escravatura. 








Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. 

O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. 

Por eu amar a Deus, meto-me a pé pela estrada fora, coxeando penosamente para o levar aos outros homens. E não reduzo o meu Deus à escravatura. E sou alimentado com o que ele dá a outros. 

Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.


Antoine de Saint-Exupéry
"Cidadela"








The world is a good place, we do everything to get away from it through worship, prayer, our loves and fears. 



We don't know whether we are rich or poor, we have never gone deep down into ourselves and discovered what is.



We exist on the surface, satisfied with so little and made happy and unhappy by such small things.



Our petty minds have petty problems and petty answers, and so we spend our days.



We don't love, and when we do it is always with fear and frustration, with sorrow and longing.








We are
rich or poor?







"Estávamos sentados à sombra de uma árvore frondosa, que dominava um vale verdejante. 

Os pica-paus andavam muito activos e um bando de formigas iam e vinham muito apressadas, numa longa fileira, entre duas árvores. 

O vento soprava do mar, trazendo o cheiro de um nevoeiro distante. 
As montanhas azulavam ao longe, etéreas, irreais; outras vezes pareciam tão próximas; hoje, porém, estavam tão afastadas! 

Um passarinho bebia de uma poça de água, formada por um cano rachado. 

Dois esquilos cinzentos, de caudas grandes e felpudas, perseguiam-se mutuamente, subindo e descendo uma árvore; alçavam-se até às grimpas e vinham volupteando pelo tronco abaixo, em louca disparada, quase até o chão, e de novo voltavam ao topo da árvore.

Outrora fora um homem muito rico e agora havia renunciado às suas riquezas. 




Tivera muitos haveres, aceitou com agrado os respectivos encargos e responsabilidades, pois era caridoso e não de todo duro de coração. Dava sem relutância e esquecia o que dava.

Era bondoso para com os seus auxiliares, cuidando-lhe dos interesses, e ganhava dinheiro com facilidade, num mundo todo entregue à azáfama de ganhar dinheiro.

Não era igual àqueles, cujos depósitos nos bancos e cujos investimentos são mais importantes do que eles próprios, que vivem sós, com medo das pessoas e das suas exigências, isolados na peculiar atmosfera da sua riqueza. 

Para com a família, nem se mostrava severo demais nem cedia facilmente, e contava numerosos amigos, mas não por ser rico. 


Tinha abandonado as riquezas, disse, porque um dia, impressionado por certa leitura, compreendera quanto era estúpida aquela ânsia de ganhar dinheiro e a sua vida de riqueza.


Actualmente, possuía só umas poucas coisas e esforçava-se por viver uma vida simples, a fim de compreender o significado das coisas e descobrir se algo mais existe, dos apetites dos centros físicos.

Contentar-se com pouco é relativamente fácil; estar-se livre da carga de muitos haveres não é difícil, quando se está na jornada em busca de uma coisa nova. 


O ardor da busca interior dissipa a confusão que vem da posse de muitas coisas, mas estar livre das coisas exteriores não significa vida simples.






A simplicidade e a ordem exteriores não significam, necessariamente, tranquilidade interior e inocência.


É bom ser simples exteriormente, pois isso dá uma certa liberdade e expressa integridade; mas porque razão começamos invariavelmente com a simplicidade exterior e não com a simplicidade interior? 


E para convencermos a nós mesmos e a outros da nossa intenção? Por que achamos necessário convencer a nós mesmos? 



A nossa libertação das coisas depende da inteligência, não de gestos ou convicções; a inteligência, entretanto, não é uma coisa pessoal. 





Se se percebe claramente o inteiro significado do possuir muitas coisas, esta própria lucidez liberta, e não há mais necessidade de asserções e de gestos dramáticos. 


Quando não opera esse percebimento inteligente, recorreremos às disciplinas e aos gestos de desprendimento.




O que se deve levar em conta não é o muito ou o pouco, mas a inteligência; e o homem inteligente, contentando-se com pouco, está livre da carga de muitos haveres.





Mas o contentamento é uma coisa, e a simplicidade outra, muito diferente. 
O desejo de contentamento ou de simplicidade impede a acção. O desejo leva à complexidade. 



O contentamento vem do conhecimento do que é, e a simplicidade, com a libertação do que é. Se é bom ser simples exteriormente, muito mais importante é ser simples e esclarecido interiormente.



A claridade não vem da acção da mente determinada e resoluta; a mente não pode criar nenhuma claridade. Pode dispor e coordenar os seus pensamentos, mas isto não é claridade nem simplicidade.






A acção da vontade leva à confusão; porque a vontade, por mais sublimada, é sempre instrumento do desejo.


A vontade de ser, de vir-a-ser, por mais vantajosa e nobre que seja, pode dar-nos uma directiva, abrir-nos um caminho pelo meio da confusão; mas tal processo leva ao isolamento, e do isolamento não pode vir claridade.

A acção da vontade poderá iluminar temporariamente o primeiro plano e possibilitar a simples actividade; entretanto, nunca poderá iluminar o fundo; pois a própria vontade é produto desse mesmo fundo (background).

 O fundo gera e nutre a vontade, e a vontade poderá tornar mais activo o fundo, aumentar-lhe as potencialidades, porém nunca será capaz de purificá-lo.


A simplicidade não é coisa da mente. Simplicidade planeada não é mais do que ardiloso ajustamento, defesa contra a dor e o prazer; é actividade egocêntrica, produtiva de muitas formas de conflito e confusão.














O conflito traz a escuridão, interior e exterior. 
O conflito e a claridade não podem coexistir; e é a libertação do conflito que nos dá a simplicidade, e não a dominação do conflito.


O que se domina uma vez, tem de ser dominado de novo, repetidamente; com isto se torna interminável o conflito. 


A compreensão do conflito é a compreensão do desejo. 
O desejo poderá abstrair-se, na qualidade de observador ou entidade que compreende; mas esta sublimação do desejo é puro adiamento e não é compreensão.


O fenómeno observador e coisa observada não é um processo dual, mas um processo único; e só no conhecimento directo deste facto, deste processo unitário, pode dar-se a nossa libertação do desejo, do conflito. 

A questão sobre como conhecer este facto, jamais deveria apresentar-se. É uma experiência que deve acontecer e que só pode acontecer quando há vigilância e percebimento passivos. 

Não se pode ter a experiência real do encontro com uma serpente venenosa, desejando-a apenas, ou especulando a esse respeito, no quarto, em confortável poltrona. 
Para encontrar a serpente, temos de aventurar-nos a paragens distantes das ruas asfaltadas e da iluminação artificial.


O pensamento pode registar experiências, mas não pode conhecer directamente a liberdade existente na ausência do conflito; porque a simplicidade ou a clareza não é coisa da mente."




Jiddu Krishnamurti
"Comentários sobre o viver"










t.






































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