Cupiditas…
Cupiditas…
Somos
todos casos excepcionais. Todos queremos apelar de qualquer coisa!
Cada qual
exige ser inocente, a todo o custo, mesmo que para isso seja preciso inculpar o
género humano e o céu. Contentaremos mediocremente um homem, se lhe dermos
parabéns pelos esforços graças aos quais se tornou inteligente ou generoso.
Pelo
contrário, ele rejubilará, se se admirar a sua generosidade natural.
Inversamente, se disssermos a um criminoso que o seu crime nada tem com a sua
natureza, nem com o seu carácter, mas com infelizes circunstâncias, ele
ficar-nos-á violentamente reconhecido. Durante a defesa, escolherá mesmo este
momento para chorar.
No
entanto, não há mérito nenhum em ser-se honesto, nem inteligente, de nascença!
Como se
não é certamente mais responsável em ser-se criminoso por natureza que em sê-lo
devido às circunstâncias. Mas estes patifes querem a absolvição, isto é, a
irresponsabilidade, e tiram, sem vergonha, justificações da natureza ou
desculpas das circunstâncias, mesmo que sejam contraditórias.
O essencial
é que sejam inocentes, que as suas virtudes, pela graça do nascimento, não
possam ser postas em dúvida, e que os seus crimes, nascidos de uma infelicidade
passageira, nunca sejam senão provisórios.
Já lhe disse, trata-se de escapar ao
julgamento.
Como é difícil escapar e melindroso fazer, ao mesmo tempo, com que
se admire e desculpe a própria natureza, todos procuram ser ricos. Porquê?
Já o
perguntou a si mesmo?
Por causa do poder, certamente.
Mas
sobretudo porque a riqueza nos livra do julgamento imediato, nos retira da
turba do metropolitano para nos fechar numa carroçaria niquelada, nos isola em
vastos parques guardados, em carruagens-cama, em camarotes de luxo.
A
riqueza, caro amigo, não é ainda a absolvição, mas a pena suspensa, sempre
fácil de conseguir...
Albert Camus
“A queda”
“I have found out that reading is a
slavish sort of dreaming.
If I must dream, why not my own dreams?”
Fernando
Pessoa
Tito Colaço
XVI _ I _ MMXV
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