Unveils...
“There
is nothing to explain. Imagine attempting to explain to someone a language he
did not speak.”
Ricardo Reis
Nasci num
tempo em que a maioria dos jovens tinham perdido a crença em Deus, pela
mesma razão que os seus maiores a tinham tido, sem saber porquê.
E então,
porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não
porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de
Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem
daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os
grandes espaços que há ao lado.
Por isso nem
abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade.
Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser
adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não significando
mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que
qualquer outra espécie animal.
Este culto da Humanidade, com os seus rituais de
Liberdade e
Igualdade,
pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram
como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais.
Assim, não
sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como
outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comummente se chama
a Decadência.
A Decadência
é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da
vida.
O coração, se pudesse pensar, pararia. A quem, como eu, assim, vivendo
não sabe ter vida, que resta senão, como a meus poucos pares, a renúncia por
modo e a contemplação por destino?
Não sei o que é a vida religiosa, nem poder saber, porque não se tem fé com a
razão; não podendo ter fé na abstracção do homem, nem sabendo mesmo que fazer
dela perante nós, ficava-nos, como motivo de ter alma, a contemplação estética
da vida.
E, assim, alheios à solenidade de todos os mundos, indiferentes ao
divino e desprezadores do humano, entregamo-nos futilmente à sensação sem
propósito, cultivada num epicurismo subtilizado, como convém aos nossos nervos
cerebrais.
Retendo, da
ciência, somente aquele seu preceito central, de que tudo é sujeito às leis
fatais, contra as quais não se reage independentemente, porque reagir é estas terem
feito que reagíssemos; e verificando como esse preceito se ajusta ao outro, mais
antigo, da divina fatalidade das coisas, abdicamos do esforço como os débeis do
entretimento dos atletas, e curvamo-nos sobre o livro das sensações com um grande
escrúpulo de erudição sentida.
Não tomando nada a sério, nem considerando que
nos fosse dada, por certa, outra realidade que não as nossas sensações, nelas
nos abrigamos, e a elas exploramos como a grandes países desconhecidos. E, se
nos empregamos assiduamente, não só na contemplação estética mas também na
expressão dos seus modos e resultados, é que a prosa ou o verso que escrevemos,
destituídos de vontade de querer convencer o alheio entendimento ou mover a
alheia vontade, é apenas como o falar alto de quem lê, feito para dar plena
objectividade ao prazer subjectivo da leitura.
Sabemos bem
que toda a obra tem que ser imperfeita, e que a menos segura das nossas
contemplações estéticas será aquilo que escrevemos. Mas imperfeito é tudo,
nem há poente tão belo que o não pudesse ser mais, ou brisa leve que nos dê
sono que não pudesse dar-nos um sono mais calmo ainda. E assim, contempladores
iguais das montanhas e das estátuas, gozando os dias como os livros, sonhando
tudo, sobretudo, para o converter na nossa íntima substância, faremos também
descrições e análises, que, uma vez feitas, passarão a ser coisas alheias, que
podemos gozar como se viessem na tarde.
Não é este o conceito dos pessimistas,
como aquele de Vigny, para quem a vida é uma cadeia, onde ele tecia palha para
se distrair. Ser pessimista é tomar qualquer coisa como trágico, e essa atitude
é um exagero e um incómodo. Não temos, é certo, um conceito de valia que apliquemos
à obra que produzimos. Produzimo-la, é certo, para nos distrair, porém não como
o preso que tece a palha, para se distrair do Destino, senão da menina que
borda almofadas, para se distrair, sem mais nada.
Considero a
vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do
abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar
esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia
considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros.
Não sou,
porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto,
deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que
conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até a mim.
Sento-me à porta e embebo os meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem,
e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos
nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma
que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro.
Se o que deixar
escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também
na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também.
Fernando Pessoa
“O livro do desassossego”
Sometimes in the evening on Summer
days,
Even when there’s not a breeze at all, it seems
Like there’s a light breeze blowing for a minute
But the trees are unmoving
In every leaf of their leaves
And our feelings have had an illusion,
An illusion of what would please them...
Ah, our feelings, sick beings that see and hear!
Let’s be like we should be
And not keep this necessity for illusion in us...
It should be enough for us to feel with clarity and life
And not even consider what feelings are...
But thank God there’s imperfection in the World
Because imperfection is a thing,
And having people who make mistakes is different,
And there being sick people makes the world bigger.
If there were no imperfection there would be one less thing
And there should be many things
So we have alot to see and hear...
Even when there’s not a breeze at all, it seems
Like there’s a light breeze blowing for a minute
But the trees are unmoving
In every leaf of their leaves
And our feelings have had an illusion,
An illusion of what would please them...
Ah, our feelings, sick beings that see and hear!
Let’s be like we should be
And not keep this necessity for illusion in us...
It should be enough for us to feel with clarity and life
And not even consider what feelings are...
But thank God there’s imperfection in the World
Because imperfection is a thing,
And having people who make mistakes is different,
And there being sick people makes the world bigger.
If there were no imperfection there would be one less thing
And there should be many things
So we have alot to see and hear...
Alberto Caeiro
“The keeper of flocks”
(Poem XLI)
Tito Colaço
XIII _ I _ MMXV
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