Tempus vitae...
Tempus
vitae...
Não
há nada que resista ao tempo. Como uma grande duna que se vai formando grão a
grão, o esquecimento cobre tudo. Ainda há dias pensava nisto a propósito de não
sei que afecto.
Nisto
de duas pessoas julgarem que se amam tresloucadamente, de não terem mutuamente
no corpo e no pensamento senão a imagem do outro, e daí a meia dúzia de anos
não se lembrarem sequer de que tal amor existiu, cruzarem-se numa rua sem
qualquer estremecimento, como dois desconhecidos.
Essa certeza, hoje então, radicou-se ainda mais em mim.
Fui ver a casa onde passei um dos anos cruciais da minha vida de menino. E nem as portas, nem as janelas, nem o panorama em frente me disseram nada. Tinha cá dentro, é certo, uma nebulosa sentimental de tudo aquilo. Mas o concreto, o real, o número de degraus da escada, a cara da senhoria, a significação terrena de tudo aquilo, desaparecera.
Essa certeza, hoje então, radicou-se ainda mais em mim.
Fui ver a casa onde passei um dos anos cruciais da minha vida de menino. E nem as portas, nem as janelas, nem o panorama em frente me disseram nada. Tinha cá dentro, é certo, uma nebulosa sentimental de tudo aquilo. Mas o concreto, o real, o número de degraus da escada, a cara da senhoria, a significação terrena de tudo aquilo, desaparecera.
A
vida... e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos
arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas
rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não
entenderam na solidão das celas.
Nisto,
ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste
pequenez de tudo, a começar por nós.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Miguel
Torga
1st - "Diário (1940)"
2nd -"Diário (1941)"
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