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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

FIAT LUX ...














Fiat lux








Possivelmente não é sem razão que atribuímos à ingenuidade e ignorância a facilidade de crer e de se deixar persuadir: pois parece-me ter aprendido outrora que a crença era como uma impressão que se fazia na nossa alma; e na medida em que esta se encontrava mais mole e com menor resistência, era mais fácil imprimir-lhe algo. Assim como, necessariamente, os pesos que nele colocamos fazem pender o prato da balança, assim a evidência arrasta a mente” (Cícero).
Quanto mais vazia e sem contrapeso está a alma, mais facilmente ela cede sob a carga da primeira persuasão.
Eis porque as crianças, o vulgo, (...) e os doentes estão mais sujeitos a ser conduzidos pelas orelhas (ou seja, pelo que ouvem). Mas também, por outro lado, é uma tola presunção ir desdenhando e condenando como falso o que não nos parece verossímil; esse é um vício habitual nos que pensam ter algum discernimento além do comum. 
Outrora eu agia assim, e, se ouvia falar de espíritos que retornam, ou do prognóstico das coisas futuras, de encantamentos, de feitiçarias, ou contarem alguma outra história que eu não conseguisse compreender, vinha-me compaixão pelo pobre povo logrado por essas loucuras. Mas, actualmente acho que eu próprio era no mínimo igualmente digno de pena; não que posteriormente a experiência me tenha feito ver acima das minhas primeiras crenças, o que no entanto não dependeu da minha curiosidade (não resultou de uma falta de curiosidade minha); mas a razão ensinou-me que condenar assim resolutamente uma coisa como falsa e impossível é atribuir a si mesmo o privilégio de saber as fronteiras e os limites da vontade de Deus e do poder da nossa mãe natureza; e que não há no mundo loucura mais imensa do que reduzi-los à medida da nossa capacidade e inteligência.
Se chamarmos de monstros ou milagres aquilo a que a nossa razão não consegue chegar, quanto disso se apresenta continuamente à nossa vista?
Consideremos o quanto é pelo meio do nevoeiro e às apalpadelas que somos conduzidos ao conhecimento da maioria das coisas que temos em mãos: sem dúvida descobriremos que é mais o hábito do que o conhecimento que nos elimina a estranheza delas, Enfadados e saciados que estamos do espectáculo dos céus, ninguém mais se digna levantar a cabeça para esses templos de luz” (Lucrécio), e que, se essas coisas nos fossem apresentadas pela primeira vez achá-las-íamos tanto ou mais inacreditáveis que quaisquer outras: Supondo que agora pela primeira vez elas se manifestem subitamente aos mortais e de golpe se apresentem a seus olhos: não se poderia citar algo mais admirável, e antes de vê-las os homens não teriam podido acreditar em algo semelhante.” (Lucrécio).





Michel de Montaigne
“Ensaios”

















                                                                



  FIAT LUX  






Into a vision before me the world
Flowered, and it as when a flag, unfurled,
Suddenly shows unknown colours and signs.
Into an unknown meaning, evident
And unknown ever, it outspread its lines
Of meaning to my passive wonderment.
The outward and the inward became one.
Feelings and thoughts were visible in shapes,
And flowers and trees as feelings, thoughts. Great capes
Stood out of Soul, thrust into conscious seas,
And on all this a man‑sky spoke its breeze.

Each thing was linked into each other thing
By links of being past imagining,
But visible, as if the skeleton
Were visible and the flesh round it, each one
As if a separate thing visibly alone.

There was no difference between a tree
And an idea. Seeing a river be
And the exterior river were one thing.
The bird's soul and the motion of its wing
Were an inextricable oneness made.
And all this I saw, seeing not, dismayed
With the New God this vision told me of;
For this was aught I could not speak nor love
But a new sentiment not like all others,
Nought like the human feelings, men are brothers
In feeling, woke on my astonished spirit.
With a great suddenness did this disinherit
That thought that looks through mine eyes of the pelf
Of ordered seeing that maketh it itself.

O horror set with mad joy to appal!
O self‑transcendency of all!
O inner infinity of each thing, that now
Suddenly was made visible and local, though
No manner of speech to speak these things in words

Followed that vision! Sight whose sense absurds
Likeness of like, and makes disparity
Contiguous innerly to unity!

How to express what, seen, is not expressed
To the struck sight that sees it? How to know
What comes to senses' threshold to bestow
A visible ignorance upon the knowing?
How to obey the analogy‑behest,
Community in unity to prove
The intellectual meaning of to love,
Shipwrecking difference upon the sight
Renewed from God to Inwards infinite?

Nothing: the exterior world inner expressed,
The flower of the whole vision of the world
Into its colour of absolutely meaning
In the night unfurled,
And therefore nought unfurling, abstract, that,
Vision self‑screening,
Patent invisible fact.

Nothing: all,
And I centre of to recall,
As if Seeing were a god.
The rest the presence of to see,
Hollow self‑sensed infinity,
And all my being‑not‑souled‑to‑oneness trod
To fragments in my sight‑dishevelled sight.

This Night is Light.







Fernando Pessoa
“The Mad Fiddler”  in Poesia Inglesa






































































































Tito Colaço



XXIX _ I _ MMXV

















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