Scarecrow
of
life...
Scarecrow of life...
Scarecrow of
life...
A esperança, trunfo humano da miragem do bem que se quer,
naquilo que se entende por força de vontade, em viver num mundo onde todos
querem algo.
Todos, sem excepção, trazem desde cedo, sonhos, desejos, etapas
a cumprir, desenhadas quase a régua e esquadro para semearem, a colheita esperada.
A projecção criadora da parte criada pela mão do Homem, imposta
pelo seu pensamento, isto é, pela sua realidade, possível no seu mundo, é
tangível ao que não domina, mas potencia, enquanto criador do mesmo.
As leis vigentes que sustentam este universo, quiçá, de todos os
universos, a natureza, restantes animais, são na verdade, transpostas pela
imaginação, fruto do pensamento, real ou irreal, dependendo da aceitação do
imaginador, e traduzidas para a linguagem verbal humana. Tudo é humanamente
configurado e caracterizado para ter a imagem e sentido humano.
Temos no mundo real, a ilusão realista, e no mundo da ilusão, a
realidade ilusória.
Somos parte da realidade, como um todo fragmentado. Somos
fracção, como uma parte irreal, onde tudo cabe no universo criado por cada
pensamento, realidade desse domínio, que é o criador de si mesmo.
A criança humana nasce com a faculdade de se recriar, a partir da
base que tem em seu poder, mas cresce com a que tem em seu redor, como base da
sua civilização. É daí, que os grandes Homens são forjados, aqueles que
conseguem crescer sem matar essa força criadora interior de novos mundos, ainda
por criar.
Essa esperança, fruto da miragem do bem que se quer, naquilo que
se entende por força de vontade, em viver num mundo onde todos querem algo, é
da própria natureza humana, e tão humana, que a queremos, mesmo onde naturalmente não exista, como demonstrado em todas as criações artísticas humanas.
Por isso, até um espanta-pardais, tem esperança, naquilo que o
seu criador quiser, sendo o que de mais humano tem...
TITO COLAÇO
25.01.2015
Espanta-Pardais
“Era um boneco humilde de
quem a cegonha vaidosa fazia troça. Tinha dois grandes braços sempre abertos,
um casaco de remendinhos de todas as cores, um cachecol e um chapéu preto com
uma flor no alto.
A única coisa que o Espanta- Pardais desejava na vida era, um
dia, poder caminhar na Estrada Larga.
Uma tarde em que estava farto dos dedos quentes do Sol,
farto das mãos geladas da chuva, farto do silêncio e farto de estar sozinho,
disse numa voz tão alta que as árvores estremeceram:
- Estou farto! Pronto!
Estou farto de estar aqui de braços abertos.
- Com quem estás a falar,
Espanta-Pardais?
O boneco ficou muito
atrapalhado ao ouvir aquela voz. Olhou, olhou devagar como se fosse um
girassol, e qual não foi o seu espanto ao ver, sentada num molho de trigo, uma
menina linda como a madrugada.
- Então tu não me
conheces?
- Não, nunca te tinha
visto.
- Eu sou a Maria Primavera
e venho aqui todos os anos. Mas porque estás a olhar para mim dessa maneira?
Tenho cara de sapo?
- És tão bonita, Maria Primavera! Donde vens? - perguntou ele,
muito baixinho, cheio de vergonha e de ternura.
- Eu venho da Estrada Larga.
Ao ouvir este nome, o
Espanta- Pardais estremeceu. Depois gaguejou:
- Ah!... Da Estrada
Larga!...Conta-me o que viste lá.
E Maria Primavera falou
das cidades de cimento com pássaros de alumínio voando no céu azul; dos homens
que trabalham nas minas, no fundo da terra; dos jornais que davam notícias às
pessoas; dos meninos que iam para as escolas, e falou sobretudo nos mares com
peixes de madeira que levam homens e saudades.
- Tu falas tão bem, Maria
Primavera! E eu gostava tanto de ir contigo para a Estrada Larga!”
Maria Rosa Colaço
Excerto da obra "Espanta-Pardais"
A
obra de Maria Rosa Colaço “Espanta-Pardais” (1961), é unanimemente aclamado
como a maior obra infantil da literatura portuguesa do século XX.
A
procura que tem tido, a multiplicidade de trabalhos escolares que tem gerado,
as várias representações teatrais, quer pelos alunos das escolas quer por
companhias teatrais, a quantidade de referências que tem suscitado, tudo aponta
nesse sentido.
A
odisseia poética do Espanta-Pardais apostado em ser pessoa real, Maria
Primavera e o Pássaro Verde são personagens inesquecíveis, e as suas aventuras
na Estrada-Larga ficaram na memória de muitas gerações de leitores.
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