Libertus...
Libertus ...
The
trees are in their autumn beauty,
The
woodland paths are dry,
Under
the October twilight the water
Mirrors
a still sky;
Upon
the brimming water among the stones
Are
nine-and-fifty swans.
The
nineteenth autumn has come upon me
Since
I first made my count;
I
saw, before I had well finished,
All
suddenly mount
And
scatter wheeling in great broken rings
Upon
their clamorous wings.
I
have looked upon those brilliant creatures,
And
now my heart is sore.
All's
changed since I, hearing at twilight,
The
first time on this shore,
The
bell-beat of their wings above my head,
Trod
with a lighter tread.
Unwearied
still, lover by lover,
They
paddle in the cold
Companionable
streams or climb the air;
Their
hearts have not grown old;
Passion
or conquest, wander where they will,
Attend
upon them still.
But
now they drift on the still water,
Mysterious,
beautiful;
Among
what rushes will they build,
By
what lake's edge or pool
Delight
men's eyes when I awake some day
To
find they have flown away?
WILLIAM BUTLER YEATS
“The
wild swans at Coole”
Cumpre-me agora dizer que espécie de homem
sou.
Não importa o meu nome, nem quaisquer outros
pormenores externos que me digam respeito.
É acerca do meu carácter que se impõe dizer
algo.
Toda a constituição do meu espírito é de
hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas
oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim
é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado.
Todas as coisas são “desconhecidas”,
símbolos do Desconhecido.
O resultado é horror, mistério, um medo por
demais inteligente.
Pelas minhas tendências naturais, pelas
circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela influência dos estudos
feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) — por tudo isto o meu
carácter é do género interior, auto-cêntrico, mudo, não auto-suficiente mas
perdido em si próprio.
Toda a minha vida tem sido de passividade e
sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror da e na incapacidade que
impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para
pensamentos definidos.
Jamais tive uma decisão nascida do
auto-domínio, jamais traí externamente uma vontade consciente.
Os meus escritos, todos eles ficaram por
acabar; sempre se interpunham novos pensamentos, extraordinárias, inexpulsáveis
associações de ideias cujo termo era o infinito. Não posso evitar o ódio que os
meus pensamentos têm a acabar seja o que for; uma coisa simples suscita dez mil
pensamentos, e destes dez mil pensamentos brotam dez mil inter-associacões, e
não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só
pensamento central em que se percam os pormenores sem importância mas a eles
associados. Perpassam dentro de mim; não são pensamentos meus, mas sim
pensamentos que passam através de mim.
Não pondero, sonho; não estou inspirado,
deliro.
Sei pintar mas nunca pintei, sei compor
música, mas nunca compus.
Estranhas concepções em três artes, belos vôos
de imaginação acariciam-me o cérebro; mas deixo-os ali dormitar até que morrem,
pois falta-me poder para lhes dar corpo, para os converter em coisas do mundo
externo.
O meu carácter é tal que detesto o
começo e o fim das coisas, pois são pontos definidos.
Aflige-me a ideia de se encontrar uma
solução para os mais altos, mais nobres, problemas da ciência, da filosofia; a
ideia que algo possa ser determinado por Deus ou pelo mundo enche-me de horror.
Que as coisas mais momentosas se
concretizem, que um dia os homens venham todos a ser felizes, que se encontre
uma solução para os males da sociedade, mesmo na sua concepção — enfurece-me.
E, contudo, não sou mau nem cruel; sou
louco, e isso duma forma difícil de conceber.
Embora tenha sido leitor voraz e ardente,
não me lembro de qualquer livro que haja lido, em tal grau eram as minhas
leituras estados do meu próprio espírito, sonhos meus — mais, provocações de
sonhos.
A minha própria recordação de
acontecimentos, de coisas externas, é vaga, mais do que incoerente.
Estremeço ao pensar quão pouco resta no meu
espírito do que foi a minha vida passada.
Eu, um homem convicto de que hoje é um
sonho, sou menos do que uma coisa de hoje.
Fernando Pessoa
“Páginas íntimas e de auto-interpretação”
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