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sexta-feira, 25 de março de 2016

Only you can transform yourself...


















































The relation of thought to action filled my mind on waking, and I found myself carried toward a bizarre formula, which seems to have something of the night still clinging about it: `Action is but coarsened thought´; thought become concrete, obscure, and unconscious. 

It seemed to me that our most trifling actions, of eating, walking, and sleeping, were the condensation of a multitude of truths and thoughts, and that the wealth of ideas involved was in direct proportion to the commonness of the action (as our dreams are the more active, the deeper our sleep). 

We are hemmed round with mystery, and the greatest mysteries are contained in what we see and do every day. In all spontaneity the work of creation is reproduced in analogy. When the spontaneity is unconscious, you have simple action; when it is conscious, intelligent and moral action. 

At bottom this is nothing more than the proposition of Hegel: `What is rational is real; and what is real is rational´; but it had never seemed to me more evident, more palpable. Everything which is, is thought, but not conscious and individual thought. 

The human intelligence is but the consciousness of being. It is what I have formulated before: Everything is a symbol of a symbol, and a symbol of what? Of mind.



Henri Amiel
“Intime journal”









Only you
can transform




yourself...














"I´am talking to the individual because only the individual can change, not the mass; only you can transform yourself, and so the individual matters infinitely. 

I know it is the fashion to talk about groups, the mass, the race, as though the individual had no importance at all, but in any creative action it is the individual who matters. 

Any true action, any important decision, the search for freedom, the inquiry after truth, can only come from the individual who understands.

If any one of us is truly individual in the sense that he is trying to understand the whole process of his mind, then he will be a creative entity, a free person, unconditioned, capable of pursuing truth for itself and not for a result."



Jiddu Krishnamurti
"The Collected Works - Individual and Society"











"Parece-me de suma relevância compreender globalmente todos os problemas, em vez de se tratar, simplesmente, de resolver os problemas um a um; mas a tendência geral, penso eu, é de resolver cada problema no seu nível especial, sem uma inteira visão do problema da existência. 


O importante, sem dúvida, é ver o todo e não se deixar prender à parte, porque, alcançando-se o todo, a parte será resolvida e compreendida. Em geral nos preocupamos com um dado problema económico, social ou religioso, e não parecemos estar conscientes do todo. Embora a parte seja importante, se pudéssemos perceber o todo e não nos deixarmos absorver na parte, acho que então estaríamos aptos a resolver os numerosos problemas que se nos defrontam.

Todos temos muitos problemas, não é exacto? 

A nossa existência está repleta de problemas contraditórios; e como poderão entes humanos como vós e eu resolver esse enorme complexo de problemas? Temos o problema económico, o das nossas mútuas relações, o problema da guerra e da paz, o problema da morte, o problema da existência de Deus, da Verdade, o da reforma social, o problema de qual sistema se deve seguir, o comunista, o socialista ou o capitalista, etc.

Ora, como é que nos abeiramos desses numerosos problemas? 


Consideramos os problemas da vida separadamente da totalidade da existência, ou consideramos a totalidade da existência para em seguida atendermos à particularidade? Entendeis o que quero dizer?


A nossa vida consiste em actividade política, actividade religiosa, a actividade de um emprego e a actividade pessoal da acção egocêntrica; interessa-nos saber qual o líder que devemos seguir, a autoridade a que devemos obedecer, o instrutor que devemos imitar, etc. Tal é a nossa vida e, sem compreendermos a sua totalidade, procuramos, em regra, tratar de cada problema separadamente, esperando assim resolver o problema integral. 


O líder político está interessado num problema, o líder religioso noutro, enquanto o reformador social se interessa pelo melhoramento da sociedade, deseja abolir o sistema de castas, etc. Há problemas inumeráveis, mas acho que nenhum problema pode ser resolvido isoladamente, porque todos os problemas estão relacionados entre si. Quase todos nós consideramos a educação, a reforma política e a vida religiosa, por exemplo, como problemas separados, não inter-relacionados, e por isso cresce a nossa confusão. O político só está interessado em legislação, o chamado religioso na busca da Realidade, de Deus, e ao obreiro social só interessa a reforma da sociedade. Para mim, essa visão fragmentária, com sua actividade isolada, é sumamente perigosa, porquanto só cria mais sofrimentos, e é isso, exactamente, o que está a acontecer em todo o mundo.

Ora, ao se aperceber desse processo integral e estar consciente do seu significado, como poderá cada um de nós compreender a totalidade da existência, e em seguida, aplicar a nossa compreensão à particularidade? O que é que faz um grande pintor? Ora, um grande pintor é um homem que vê primeiramente o todo e depois pinta as particularidades. Analogamente, pode cada um de nós ver a totalidade da existência, e não ficar unicamente preocupado com a particularidade? A totalidade da existência influi em todas as nossas particulares idiossincrasias, as nossas particulares vaidades, o nosso condicionamento por determinada religião, cultura ou sistema político, e se não compreendemos a totalidade e atendemos apenas a uma dada questão especial, isso não resolverá nenhum dos nossos problemas.




Julgo que qualquer pessoa razoavelmente séria deveria perceber claramente que nenhum problema pode ser resolvido no seu nível próprio, e que dele devemos abeirar-nos com a compreensão da totalidade.

O que significa compreender a totalidade? Significa, por certo, que devo compreender a totalidade do meu próprio ser, pois eu não sou diferente da sociedade. Sou um produto da sociedade, assim como a sociedade é uma `projecção´ de mim mesmo; e para conseguir uma transformação fundamental da sociedade, devo transformar-me totalmente. 



Só quando me empenho na total transformação de mim mesmo, me torno capaz de me ocupar a respeito da sociedade. A moda hoje é interessar-se pela reforma da sociedade, como se a sociedade diferisse de nós. Mas vós e eu criamos a sociedade com a nossa ambição, a nossa estupidez, a busca de algo que pensamos ser Deus; assim, o problema individual é o problema mundial. 


Cada um de nós está intimamente relacionado com o mundo, com a sociedade, e para resolvermos o problema social, temos de compreender o criador desse problema, que sois vós, que sou eu.

Por conseguinte, para compreender a totalidade da acção, tenho de compreender a estrutura total do meu próprio ser, tanto a parte consciente como a inconsciente; devo compreender o movimento dos meus pensamentos e sentimentos. Se não produzo uma revolução básica em mim mesmo, não há nenhuma possibilidade de criar-se uma nova sociedade, e isso deve parecer bastante óbvio, pelo menos a quem pensa nesses problemas fundamentalmente. 



E como poderemos vós e eu, como indivíduos, compreender-nos e produzir essa transformação pessoal? Compreendeis o problema? O problema não é de saber em que partido ingressar, que legislação aprovar, que líder seguir, que guru imitar, mas sim de saber como eu, que sou composto de todos esses modos de ver parciais, de todas essas contradições, poderei operar uma revolução completa em mim mesmo. 


Saber o que sou é de infinita importância, porque a minha acção reflecte a contradição em mim existente, e por conseguinte, cria contradição na sociedade. Isso não significa dar relevo à salvação individual, ao indivíduo e ao seu preenchimento; pelo contrário, descobrir o que somos é investigar se realmente somos indivíduos. Compreendeis?

Em geral, pensamos que somos indivíduos, que somos capazes de pensar independentemente e, por conseguinte, de agir livremente; mas é exacto isso? Vós sois um indivíduo? Tendes um nome particular, uma conta bancária particular, certos traços fisionómicos e certas qualidades que vos distinguem de outra pessoa; mas sois um indivíduo, no sentido de que a vossa mente não está contaminada, de maneira nenhuma, pela sociedade? 




Ou a vossa mente é puro produto da sociedade, de determinada cultura (civilização)? Pois, nesse caso, não sois de modo nenhum um indivíduo, embora as vossas actividades, as vossas reflexões e lembranças vos façam pensar que sois um indivíduo. Compreendeis?

Pensamos que somos indivíduos; mas o somos realmente? Quando dizeis que sois hindu, muçulmano, budista ou cristão, estais a repetir o que vos dizem desde a infância; e o repetir os dizeres alheios não constitui individualidade. Ser verdadeiramente um indivíduo é não ser um resultado do `colectivo´; mas vós sois o resultado do colectivo, porque simplesmente repetis as coisas que a sociedade vos ensinou. Podeis pensar que tendes uma alma individual, mas essa crença é apenas a marca de uma determinada civilização.

Considero muito importante compreender isto. Vede, a Verdade, a Realidade, Deus, ou o nome que quiserdes, só pode ser experimentado pela mente que está completamente só; e não está só a mente quando contaminada pela sociedade, quando produto do chamado saber, de determinada civilização ou cultura. 



Somente o indivíduo que deveras compreendeu o inteiro significado da verdade é efectivamente religioso, e esse indivíduo, se estiver num estado de revolução total, terá efeito revolucionário na sociedade. 


Eis por que é tão importante descobrir se a mente poderá ser livre para pensar independentemente.

O pensar pode ser independente? Enquanto a mente está condicionada, não pode, decerto, haver liberdade no pensar. E a vossa mente está condicionada, não? Como hindus estais moldados por muitos séculos de tradição, o brâmane, o intocável, etc., e isso significa que sois produto da sociedade em que fostes educados; a vossa mente está condicionada por certas crenças, conhecimentos, ideais, que vos foram transmitidos, e esse é o fundo de onde se origina o vosso pensar. Mas, a não ser que o indivíduo esteja inteiramente livre desse fundo, não há possibilidade de pensar independentemente. Enquanto eu não deixar de ser hindu, não me será possível descobrir o que é verdadeiro, e acho muito importante compreender isso. 



A mente condicionada, a mente formada pela sociedade, pelo tempo, é incapaz de encontrar o atemporal.

É necessário, pois, esse senso da individualidade, o qual só pode apresentar-se quando a mente não está contaminada pela sociedade, isto é, já não está a pensar como hindu, cristão, budista, etc. A mente que se está a libertar constantemente das lembranças, das tradições, dos valores que a sociedade lhe impôs, essa é uma mente individual, e só ela é capaz de investigar o que é verdadeiro. Enquanto está condicionada, moldada pela sociedade, por influências económicas e religiosas, a mente nunca é livre, e só a mente livre pode descobrir o que é novo. E a verdade é algo totalmente novo; Deus deve ser algo que nunca foi `experimentado´ anteriormente. E é por isso que a mente condicionada, moldada pela autoridade, pela tradição, pelos livros religiosos, jamais pode descobrir se existe, ou não, uma realidade.

A totalidade dessa revolução reside no descobrimento pela mente de quanto está condicionada e no libertar-se desse condicionamento. Afinal, a mente que é ambiciosa, invejosa, em qualquer nível que seja, político, religioso, social, é incapaz de compreender o que é verdadeiro. É dificílimo à maioria de nós nos livrarmos da ambição, porque a ambição é a essência mesma do `ego´, do `eu´; e a mente que procura alcançar um chamado estado espiritual, que procura alcançar `a outra margem´, é tão ambiciosa quanto a mente que deseja uma posição na sociedade. 




A revolução total é necessária, para que possamos criar um mundo completamente diferente, e essa revolução total só será possível quando a mente de cada um de nós já não estiver sujeita à sociedade, isto é, quando já não for o resultado do `colectivo´, podendo, por conseguinte, separar-se da estrutura social.

Senhores, fizeram-me algumas perguntas. Tende a bondade de notar que vamos investigar cada problema e descobrir juntos a resposta. Não espereis de mim uma resposta à pergunta, mas examinemos juntos o problema. Embora eu esteja a descrever e explicar, deveis observar como ele opera em vós; e essa observação, esse percebimento e compreensão do problema em vós mesmos, resolverá o problema.






Pergunta: As pessoas muito versadas nas escrituras hindus dizem que a prática de sadhana é essencial para se alcançar o estado de mukti. Vinoba Bhaveji disse que o que chamais liberdade não pode ser a mesma coisa que mukti, pois aparentemente não credes em sadhana. Tende a bondade de explicar-vos.

J. Krishnamurti: Ora, senhor, o que é importante nesta questão? Não é o que diz Vinoba Bhaveji, nem o que eu digo, nem o que está escrito nas Escrituras: o importante é descobrirdes por vós mesmos o que é verdadeiro. Sadhana, consta-me, significa o método, o sistema, a prática visante a um fim; e a questão é se sadhana é necessário ou não. Assim, compreendei por favor que não estamos a discutir sobre o que disse X ou Y, porém se de facto uma prática que visa a um certo fim conduz à liberdade, à realidade.

Pensamos, em geral, que se executar certas coisas, praticar ioga, meditar, disciplinar, reprimir, rejeitar, torturar a si própria, a mente será conduzida à Realidade, a Deus. Essa é a base em que fostes educados; mas eu vos digo que nenhum método nem sistema vos pode conduzir à realidade, porque vos tornareis prisioneiro desse sistema, e só a mente que está livre pode descobrir o que é verdadeiro. De mais a mais, a verdade não tem morada fixa, não é estática e, sim, uma coisa viva, em movimento constante, e um caminho só pode conduzir ao que está fixado num ponto, que é estático. A prática de qualquer método ou sistema só pode produzir o resultado que o sistema oferece. Compreendeis?

Senhores, não estou a procurar convencer-vos da verdade do que digo, mas, se vós mesmos a perceberdes, ficareis livre do sistema que, segundo esperais, vos conduzirá à Verdade. Compreender que nenhum sistema pode conduzir-vos à verdade, estais livre de todos os sistemas.

Em primeiro lugar, pensais que a verdade, a realidade, Deus, ou como quiserdes chamá-lo, é um ponto fixo e que para alcançá-lo basta-vos praticar diligentemente, todos os dias, uma certa disciplina, obrigar a vossa mente a ajustar-se a um certo padrão. É o que dizem os vossos livros, os vossos líderes, os vossos stvamis e iogues; mas todos eles podem estar redondamente enganados, inclusive o Gita. Cabe-vos, pois, descobrir; e como ireis descobrir?




Por certo, deveis começar abandonar todas as autoridades. Isso significa que não deveis ter medo. E então o que acontece? Começais a investigar o que está implicado numa prática, num método. Sem dúvida, uma prática, método ou disciplina implica a repressão de todos os vossos pensamentos próprios, para obrigá-los a ajustar-se a um determinado padrão que, segundo julgais, vos conduzirá à Realidade.

Isto vos interessa, ou preferis dormir? Como vedes, o que estou a dizer está completamente em oposição a tudo o que credes, e naturalmente, a maioria de vós deseja continuar a pensar pelas velhas normas; porque o que estou a dizer significa uma verdadeira revolução, não de ordem económica ou social, porém a revolução básica que se verifica quando se põe em dúvida toda a estrutura da autoridade, não só a autoridade do guru, mas também a da tradição e da vossa própria experiência.

O que estamos, pois, a investigar? Estamos a procurar descobrir a verdade ou a falsidade da crença comum, que inclui as ideias dos vossos vários gurus de que certas práticas são necessárias para se alcançar moksha, se alcançar a liberdade. Se examinardes muito cuidadosamente todo o `processo´, descobrireis que, pela prática de um método, a vossa mente não se torna livre, porém apenas ajustada ao método, e portanto, escrava dele e do resultado que produzirá. Penso que isso, uma vez percebido, se torna bem claro. A mente, para ser criadora, precisa ser livre e não deve ajustar-se a um padrão ou estrutura que, pensais, vos conduzirá ao real.

Senhores, outro factor aqui envolvido é a questão da disciplina. Pode a disciplina libertar a mente? Ou, para ser livre, deve a mente, mediante intensa vigilância, compreender o significado da disciplina, e desse modo, libertar-se dela? 




Disciplina implica repressão com o fim de alcançar um resultado a respeito do qual nada sabeis. O que sabeis a respeito de moksha, etc., é apenas o que vos foi dito, e a fim de alcançardes o que pensais ser a Verdade, praticais disciplinas; mas pode a Verdade se tornar conhecida para a mente que é ambiciosa, invejosa, cruel? Por que não vos empenhais em libertar a mente da inveja, por exemplo? Podeis livrá-la da inveja por meio de disciplina?

Estão a compreender, senhores? Já tentastes libertar a vossa mente da inveja, obrigando-a a não ser invejosa? Quando assim fazeis, o que acontece? A mente que é obrigada a não ser invejosa é uma mente morta, não achais? Ergueu em torno de si uma muralha, e por conseguinte, é uma mente insensível. Podeis ser `não-mundano´ e trajar uma simples tanga, mas interiormente continuais invejoso, porque desejais chegar a uma certa parte, no chamado sentido espiritual. Se examinardes isso muito profundamente, vereis que a mente jamais poderá livrar-se da inveja mediante qualquer forma de disciplina, e só o conseguirá ao compreender o inteiro processo da inveja, o que significa estudar a inveja, não condená-la nem compará-la com outra coisa qualquer. A inveja se torna existente quando há comparação, quando desejais ser melhor do que X, ser mais isto ou mais aquilo. 




Enquanto a mente pensar em termos de mais, tem de haver inveja; e ao vos disciplinardes para não ser invejoso, estais ainda a exigir mais, e portanto, sois ainda invejoso. Se bem compreenderdes isto, vereis que a verdade não se encontra num certo ponto distante; ela não está `lá, do outro lado´, separada de vós por um vão, um intervalo de tempo. Quando criais esse intervalo, necessitais de tempo para o transpordes, precisais executar várias disciplinas a fim de alcançardes o que chamais `a verdade´.

Assim, não há necessidade de saàhana de espécie alguma, e o próprio percebimento dessa desnecessidade produz uma profunda compreensão do funcionamento da mente. A mente tem uma contínua ânsia de certeza. Deseja um resultado, deseja sentir-se confiante, alcançar um fim que seja permanente, garantido; e praticamos, assim, essas coisas, a fim de encontrarmos conforto, satisfação, o sentimento de termos alcançado a meta, tudo isso processo do `eu´, do `ego´. 




Com essa compreensão, não apenas verbal ou intelectual, mas se percebeis realmente a verdade respectiva, não há então distância nenhuma entre o que é e a Verdade. Entretanto, para perceberdes essa verdade, deveis começar a abandonar toda e qualquer autoridade, a autoridade do livro, por melhor e por mais religioso que seja, a autoridade dos gurus, a de todos aqueles que julgam ter alcançado a meta. O homem que diz que sabe, não sabe, porque o que conhece é só o passado, e não a Verdade.

Para serdes livre da autoridade, deveis compreender o medo, e o medo existirá sempre enquanto a mente estiver em busca de segurança, de conforto, satisfação, poder, posição, quer neste mundo, quer no chamado mundo espiritual. Se percebeis isso realmente, que necessidade há de disciplina? Se compreendeis que uma coisa é venenosa, vós certamente não tocais nela; não há tentação, não há conflito, não tendes de disciplinar-vos para não tocar nela. Simplesmente a deixais onde está. Da mesma maneira, se compreendeis o veneno da ambição, da inveja, vós a deixais `cair da mão´, simplesmente, não tendes de praticar nenhuma disciplina para vos livrardes dela. Mas para compreenderdes que a ambição é veneno, deveis aplicar-lhe toda a vossa atenção, e não podeis fazê-lo se sentis medo ou se estais em busca de algum resultado confortador.

A questão, pois, não é de saber qual é o sadhana correcto ou se há qualquer necessidade de sadhana, mas sim, de saber se a mente pode libertar-se do temor. O temor nasce sempre que a mente está a tentar `vir a ser´ alguma coisa. Se percebeis ser isto verdadeiro, então não se faz necessária nenhuma disciplina. Mas, para perceber a verdade, necessitais de uma mente sem medo, uma mente não-ansiosa, não-cobiciosa, e que objective posição, poder, prestígio, quer neste mundo, quer no outro. Na realidade, estais em busca dessas coisas, e também desejais alcançar a Verdade ou a Felicidade, e por essa razão existe conflito; e desejais saber como vos libertar do conflito sem terdes de renunciar a isto ou àquilo.

Assim, para se compreender o que é verdadeiro ou o que é falso, precisa-se estar livre do medo, e não se pode disciplinar a mente para deixar de temer. Deveis perceber por vós mesmos que a ambição, a cobiça, a violência, a avidez, etc., são veneno, porque então não mais tocareis nelas. Isso significa opor-se totalmente à sociedade, e a muitas coisas que tendes mantido como se fossem essenciais à vida.






Pergunta: O que é o hábito? Há certas necessidades que são fundamentais, e outras que se baseiam na memória psicológica do prazer. Isso significa que devemos satisfazer ou não satisfazer uma necessidade, conforme seja fundamental ou baseada na memória?

J. Krishnamurti: Senhores, esta é uma questão bem interessante e complexa, porquanto envolve muitas coisas. Entendeis o que quero dizer? Eu descrevo e explico uma coisa, mas essa explicação permanecerá no nível meramente verbal e será, portanto, inútil, se não observardes os vossos próprios hábitos e vos tornardes conscientes de como funcionam.

Ora, o que se entende por `hábito´? Caminhemos devagar, passo a passo. Trata-se de problema muito complexo, que exige muita atenção, e se não acompanhardes atentamente a explicação perdereis todo o seu significado. O que se entende por `hábito´? Não estamos a pedir uma definição, porém a investigar o conteúdo da palavra. Uma pessoa, por exemplo, toma todas as manhãs uma xícara de café porque acha que, sem ela, terá dor de cabeça. Esse acto se tornou um hábito, baseado no que a pessoa considera uma necessidade. Até aqui está bastante simples e claro. É como fumar. Embora o primeiro cigarro talvez vos tenba causado náuseas, o fumar se tornou gradualmente aprazível e continuais, assim, a repetir o acto. Esta é uma forma do hábito.





E temos, também, o `processo´ relativo ao comer. É essencial ao corpo receber alimento; e o comer se torna um hábito? Só se torna hábito quando eu exijo que o alimento tenha tal e tal sabor, baseado no prazer. Quero picles, quero arroz, quero isto ou aquilo, e isso significa que o meu paladar está a ditar o hábito de comer, baseado no prazer.

Analogamente, existe o hábito do sexo com tudo o que implica. Há secreções glandulares, e isso é uma função do corpo, e há necessidade de lhes dar vazão. O que acontece então? A mente guarda como lembrança o prazer do acto sexual. Ora, a secreção glandular é um hábito, ou o hábito só surge quando a mente encontra prazer em ressuscitar a lembrança do acto sexual, e dessa maneira, se toma escrava dessa lembrança? Estais-me a acompanhar?

O hábito, por certo, é a repetição de um prazer baseado na lembrança de ontem. Segui isto, senhores, porque se seguirdes atentamente, vigilantemente, não apenas as minhas palavras, mas também a vossa própria mente, vereis que a mente cria o hábito com a exigência de prazer. Hábito não é a natural exigência da fome, por exemplo, porém a exigência de prazer e a repetição desse prazer baseado na memória. Um corpo que tem fome necessita de alimento, mas o hábito surge quando ele exige que o alimento tenha determinado sabor, ou seja a repetição do prazer que antes experimentou. O hábito, pois, é a lembrança de um prazer que a mente experimentou e cuja constante repetição deseja. Está claro? Ou está complexo demais? Não importa, senhores. Acompanhai-me, examinemos juntos a questão.

A mente é resultado de hábito, ela só conhece as lembranças de milhares de dias, e todo o acto oriundo desse fundo (background) se torna um hábito. Agora, segui o que vou dizer. A mente estabelece um hábito baseado na lembrança e na repetição de determinado prazer. Depois, a sociedade, o vosso guru, ou o livro sagrado vos diz que o hábito é muito nocivo, e tendes então o oposto: deveis ser casto, ser isto ou aquilo. 




Em consequência, há um conflito entre o facto, que é o hábito, e o que pensais que deveis ser; assim, ides pedir a alguém que vos diga como vos livrardes desse conflito, criando-se dessa maneira mais um problema. Tínheis antes um conflito, e agora tendes dois; e assim é a nossa vida, uma interminável série de conflitos. A mente, que se vê sempre frustrada, sempre atribulada e com medo, deseja algo transcendente a si própria. Isso é impossível.

A mente busca a repetição de um certo prazer, sexual ou outro qualquer, e enquanto está a exigir esse prazer funciona na rotina do hábito. Isso é um facto. A mente diz então:`Preciso ficar livre deste hábito´, fica sempre a resistir, a lutar, e procura cultivar outro hábito diferente. O que aconteceu, pois? A mente está em conflito, deseja um certo prazer e ao mesmo tempo procura repelir aquilo que deseja. Não estou a dizer que ela deva ou não deva ceder ao prazer; não é este o problema. Vê-lo-emos mais adiante.

Vejo um belo poente, com nuvens ondulosas iluminadas pelo Sol. Experimento grande deleite, pois é um lindo espetáculo. Isso é prazer, não? Agora, por que dizemos que observar uma nuvem `é bom´ e que certas outras formas de prazer são `más´? Quando repelimos o prazer num terreno e o mantemos noutro, estamo-nos a tornar insensíveis. Compreendeis? Isso é como a mente dizer:`Só quero estar cercada de coisas belas; portanto, vou fechar a janela para não ver essa aldeia sórdida´. A vida é tanto o feio como o belo, mas nós só queremos uma coisa e não a outra; e a rejeição do feio nos torna insensíveis.

Assim, quando vos vedes entregues a um hábito e a ele resistis a fim de adquirirdes outro hábito que considerais melhor, estais a cultivar a insensibilidade. O hábito se baseia no prazer e na repetição desse prazer; mas se desejais destruir o prazer, como o fazem os swanis, os iogues e tantos outros, então não deveis sequer viver, porque o prazer é parte integrante da vida. Ao verdes uma nuvem, um sorriso, uma lágrima, ao observardes uma criança, uma mulher, ou um homem, tudo isso é a vida, e, se negais alguma parte da vida, vos tomais insensível. 



O homem sensível não tem hábito nenhum. Prestai atenção. Se dizeis:`Não devo ter prazer nenhum´, então deveis também rejeitar o amor. Não? Pois foi isso o que fizestes. Quando a mente está dominada pelo hábito, e por conseguinte, insensibilizada, como pode haver amor? Amor puro e simples, não amor divino e amor físico. Percebeis o que quero dizer? 


Estou a falar do amor, e isso significa amar o ente humano, a flor, o animal, e não pensar em si mesmo e nos próprios prazeres, vaidades, ambições. A mente deve ser sensível ao amor; deve ser `vulnerável´ ao amor. Mas, como pode ser vulnerável ao amor, se possui hábitos, bons ou maus?






Segui isto, senhores, para perceberdes por vós mesmos a sua verdade. Por certo, uma mente insensível não pode saber o que é a beleza. Como poderia? E, se é insensível à beleza, não há austeridade. Um iogue, um swami ou mahatma que só possui uma tanga e pratica toda a sorte de austeridades, não é austero. 



Austeridade é ser sensível à beleza, ao amor. Não podeis ser austero, se não sois simples. E simplicidade não é questão das roupas que usamos ou não usamos, pois isso é apenas um modo imaturo de pensar. 


Ser simples é ser interiormente sem ambição, sem resistência, o que significa ser completamente vulnerável, totalmente sensível. Não se pode ser sensível, se há conflito; por conseguinte, um homem que está em negação, a resistir, lutar para cultivar um bom hábito, oposto a um hábito mau, não é sensível. A sua mente jamais conhecerá o amor, porquanto só se interessa pelo seu próprio progresso, pelas suas próprias ideias, não importa quão nobres sejam. Quem não ama não sabe o que é ser austero; consequentemente, não sabe o que é ser simples.



















Assim, com esta total compreensão vereis que a mente que está em conflito, que força por `vir a ser´ algo, nunca será sensível; e o que quer que ela faça e por mais que se esforce para reformar o mundo, só será capaz de causar maiores males, maiores danos. Só a pessoa sensível, que sabe o que é amor, e por conseguinte, está livre da ambição, da inveja, do desejo de poder, posição, prestígio, só ela pode ser útil à humanidade."



Jiddu Krishnamurti
"O homem livre"



































t.


































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