“The relation of thought to action filled
my mind on waking, and I found myself carried toward a bizarre formula, which
seems to have something of the night still clinging about it: `Action is but
coarsened thought´; thought become concrete, obscure, and unconscious.
It
seemed to me that our most trifling actions, of eating, walking, and sleeping,
were the condensation of a multitude of truths and thoughts, and that the
wealth of ideas involved was in direct proportion to the commonness of the
action (as our dreams are the more active, the deeper our sleep).
We are hemmed
round with mystery, and the greatest mysteries are contained in what we see and
do every day. In all spontaneity the work of creation is reproduced in analogy.
When the spontaneity is unconscious, you have simple action; when it is
conscious, intelligent and moral action.
At bottom this is nothing more than
the proposition of Hegel: `What is rational is real; and what is real is
rational´; but it had never seemed to me more evident, more palpable. Everything
which is, is thought, but not conscious and individual thought.
The human
intelligence is but the consciousness of being. It is what I have formulated
before: Everything is a symbol of a symbol, and a symbol of what? Of mind.”
Henri Amiel
“Intime journal”
"I´am talking to the individual because only the individual can change, not the mass; only you can transform yourself, and so the individual matters infinitely.
I know it is the fashion to talk about groups, the mass, the race, as though the individual had no importance at all, but in any creative action it is the individual who matters.
Any true action, any important decision, the search for freedom, the inquiry after truth, can only come from the individual who understands.
If any one of us is truly individual in the sense that he is trying to understand the whole process of his mind, then he will be a creative entity, a free person, unconditioned, capable of pursuing truth for itself and not for a result."
Jiddu Krishnamurti
"The Collected Works - Individual and Society"
"Parece-me de suma relevância compreender globalmente todos os
problemas, em vez de se tratar, simplesmente, de resolver os problemas um a um;
mas a tendência geral, penso eu, é de resolver cada problema no seu nível
especial, sem uma inteira visão do problema da existência.
O importante, sem
dúvida, é ver o todo e não se deixar prender à parte, porque, alcançando-se o
todo, a parte será resolvida e compreendida. Em geral nos preocupamos com um
dado problema económico, social ou religioso, e não parecemos estar conscientes
do todo. Embora a parte seja importante, se pudéssemos perceber o todo e não
nos deixarmos absorver na parte, acho que então estaríamos aptos a resolver os
numerosos problemas que se nos defrontam.
Todos temos muitos problemas, não é
exacto?
A nossa existência está
repleta de problemas contraditórios; e como poderão entes humanos como vós e eu
resolver esse enorme complexo de problemas? Temos o problema económico, o das
nossas mútuas relações, o problema da guerra e da paz, o problema da morte, o
problema da existência de Deus, da Verdade, o da reforma social, o problema de
qual sistema se deve seguir, o comunista, o socialista ou o capitalista, etc.
Ora, como é que nos abeiramos desses
numerosos problemas?
Consideramos os problemas da vida
separadamente da totalidade da existência, ou consideramos a totalidade da
existência para em seguida atendermos à particularidade? Entendeis o que quero
dizer?
A nossa vida consiste
em actividade política, actividade religiosa, a actividade de um emprego e a
actividade pessoal da acção egocêntrica; interessa-nos saber qual o líder que
devemos seguir, a autoridade a que devemos obedecer, o instrutor que devemos
imitar, etc. Tal é a nossa vida e, sem compreendermos a sua totalidade,
procuramos, em regra, tratar de cada problema separadamente, esperando assim
resolver o problema integral.
O líder político está
interessado num problema, o líder religioso noutro, enquanto o reformador
social se interessa pelo melhoramento da sociedade, deseja abolir o sistema de
castas, etc. Há problemas inumeráveis, mas acho que nenhum problema pode ser
resolvido isoladamente, porque todos os problemas estão relacionados entre si.
Quase todos nós consideramos a educação, a reforma política e a vida religiosa,
por exemplo, como problemas separados, não inter-relacionados, e por isso
cresce a nossa confusão. O político só está interessado em legislação, o
chamado religioso na busca da Realidade, de Deus, e ao obreiro social só
interessa a reforma da sociedade. Para mim, essa visão fragmentária, com sua
actividade isolada, é sumamente perigosa, porquanto só cria mais sofrimentos, e
é isso, exactamente, o que está a acontecer em todo o mundo.
Ora, ao se aperceber desse processo
integral e estar consciente do seu significado, como poderá cada um de nós
compreender a totalidade da existência, e em seguida, aplicar a nossa
compreensão à particularidade? O que é que faz um grande pintor? Ora, um grande
pintor é um homem que vê primeiramente o todo e depois pinta as
particularidades. Analogamente, pode cada um de nós ver a totalidade da
existência, e não ficar unicamente preocupado com a particularidade? A
totalidade da existência influi em todas as nossas particulares
idiossincrasias, as nossas particulares vaidades, o nosso condicionamento por determinada
religião, cultura ou sistema político, e se não compreendemos a totalidade e
atendemos apenas a uma dada questão especial, isso não resolverá nenhum dos
nossos problemas.
Julgo que qualquer
pessoa razoavelmente séria deveria perceber claramente que nenhum problema pode
ser resolvido no seu nível próprio, e que dele devemos abeirar-nos com a
compreensão da totalidade.
O que significa compreender a totalidade? Significa, por certo, que devo compreender a
totalidade do meu próprio ser, pois eu não sou diferente da sociedade. Sou um produto da sociedade, assim como a sociedade é
uma `projecção´ de mim mesmo; e
para conseguir uma transformação fundamental da sociedade, devo transformar-me
totalmente.
Só quando me empenho na
total transformação de mim mesmo, me torno capaz de me ocupar a respeito da
sociedade. A moda hoje é interessar-se pela reforma da sociedade, como se a
sociedade diferisse de nós. Mas vós e eu criamos a sociedade com a nossa
ambição, a nossa estupidez, a busca de algo que pensamos ser Deus; assim, o
problema individual é o problema mundial.
Cada um de nós está
intimamente relacionado com o mundo, com a sociedade, e para resolvermos o
problema social, temos de compreender o criador desse problema, que sois vós,
que sou eu.
Por conseguinte, para compreender a
totalidade da acção, tenho de compreender a estrutura total do meu próprio ser,
tanto a parte consciente como a inconsciente; devo compreender o movimento dos
meus pensamentos e sentimentos. Se não produzo uma revolução básica em mim
mesmo, não há nenhuma possibilidade de criar-se uma nova sociedade, e isso deve
parecer bastante óbvio, pelo menos a quem pensa nesses problemas
fundamentalmente.
E como poderemos vós e
eu, como indivíduos, compreender-nos e produzir essa transformação pessoal?
Compreendeis o problema? O problema não é de saber em que partido ingressar,
que legislação aprovar, que líder seguir, que guru imitar, mas sim de saber
como eu, que sou composto de todos esses modos de ver parciais, de todas essas
contradições, poderei operar uma revolução completa em mim mesmo.
Saber o que sou é de infinita
importância, porque a minha acção reflecte a contradição em mim existente, e
por conseguinte, cria contradição na sociedade. Isso não significa dar relevo à
salvação individual, ao indivíduo e ao seu preenchimento; pelo contrário,
descobrir o que somos é investigar se realmente somos indivíduos. Compreendeis?
Em geral, pensamos que somos indivíduos,
que somos capazes de pensar independentemente e, por conseguinte, de agir
livremente; mas é exacto isso? Vós sois um indivíduo? Tendes um nome
particular, uma conta bancária particular, certos traços fisionómicos e certas
qualidades que vos distinguem de outra pessoa; mas sois um indivíduo, no
sentido de que a vossa mente não está contaminada, de maneira nenhuma, pela
sociedade?
Ou a vossa mente é puro
produto da sociedade, de determinada cultura (civilização)? Pois, nesse caso,
não sois de modo nenhum um indivíduo, embora as vossas actividades, as vossas
reflexões e lembranças vos façam pensar que sois um indivíduo. Compreendeis?
Pensamos que somos indivíduos; mas o
somos realmente? Quando dizeis que sois hindu, muçulmano, budista ou cristão,
estais a repetir o que vos dizem desde a infância; e o repetir os dizeres
alheios não constitui individualidade. Ser verdadeiramente um indivíduo é não
ser um resultado do `colectivo´; mas vós sois o resultado do colectivo, porque
simplesmente repetis as coisas que a sociedade vos ensinou. Podeis pensar que
tendes uma alma individual, mas essa crença é apenas a marca de uma determinada
civilização.
Considero muito importante compreender
isto. Vede, a Verdade, a Realidade, Deus, ou o nome que quiserdes, só pode ser
experimentado pela mente que está completamente só; e não está só a mente
quando contaminada pela sociedade, quando produto do chamado saber, de
determinada civilização ou cultura.
Somente o indivíduo que
deveras compreendeu o inteiro significado da verdade é efectivamente religioso,
e esse indivíduo, se estiver num estado de revolução total, terá efeito
revolucionário na sociedade.
Eis por que é tão importante descobrir se
a mente poderá ser livre para pensar independentemente.
O pensar pode ser independente? Enquanto
a mente está condicionada, não pode, decerto, haver liberdade no pensar. E a
vossa mente está condicionada, não? Como hindus estais moldados por muitos
séculos de tradição, o brâmane, o intocável, etc., e isso significa que sois
produto da sociedade em que fostes educados; a vossa mente está condicionada
por certas crenças, conhecimentos, ideais, que vos foram transmitidos, e esse é
o fundo de onde se origina o vosso pensar. Mas, a não ser que o indivíduo
esteja inteiramente livre desse fundo, não há possibilidade de pensar
independentemente. Enquanto eu não deixar de ser hindu, não me será possível
descobrir o que é verdadeiro, e acho muito importante compreender isso.
A mente condicionada, a
mente formada pela sociedade, pelo tempo, é incapaz de encontrar o atemporal.
É necessário, pois, esse senso da
individualidade, o qual só pode apresentar-se quando a mente não está
contaminada pela sociedade, isto é, já não está a pensar como hindu, cristão,
budista, etc. A mente que se está a libertar constantemente das lembranças, das
tradições, dos valores que a sociedade lhe impôs, essa é uma mente individual,
e só ela é capaz de investigar o que é verdadeiro. Enquanto está condicionada,
moldada pela sociedade, por influências económicas e religiosas, a mente nunca
é livre, e só a mente livre pode descobrir o que é novo. E a verdade é algo
totalmente novo; Deus deve ser algo que nunca foi `experimentado´
anteriormente. E é por isso que a mente condicionada, moldada pela autoridade,
pela tradição, pelos livros religiosos, jamais pode descobrir se existe, ou
não, uma realidade.
A totalidade dessa revolução reside no
descobrimento pela mente de quanto está condicionada e no libertar-se desse
condicionamento. Afinal, a mente que é ambiciosa, invejosa, em qualquer nível
que seja, político, religioso, social, é incapaz de compreender o que é
verdadeiro. É dificílimo à maioria de nós nos livrarmos da ambição, porque a
ambição é a essência mesma do `ego´, do `eu´; e a mente que procura alcançar um
chamado estado espiritual, que procura alcançar `a outra margem´, é tão
ambiciosa quanto a mente que deseja uma posição na sociedade.
A revolução total é
necessária, para que possamos criar um mundo completamente diferente, e essa
revolução total só será possível quando a mente de cada um de nós já não
estiver sujeita à sociedade, isto é, quando já não for o resultado do
`colectivo´, podendo, por conseguinte, separar-se da estrutura social.
Senhores, fizeram-me algumas perguntas. Tende a
bondade de notar que vamos investigar cada problema e descobrir juntos a
resposta. Não espereis de mim uma resposta à pergunta, mas examinemos juntos o
problema. Embora eu esteja a descrever e explicar, deveis observar como ele
opera em vós; e essa observação, esse percebimento e compreensão do problema em
vós mesmos, resolverá o problema.
Pergunta: As pessoas muito versadas nas escrituras hindus dizem
que a prática de sadhana é essencial para se alcançar o estado de mukti. Vinoba
Bhaveji disse que o que chamais liberdade não pode ser a mesma coisa que mukti,
pois aparentemente não credes em sadhana. Tende a bondade de explicar-vos.
J. Krishnamurti: Ora,
senhor, o que é importante nesta questão? Não é o que diz Vinoba Bhaveji, nem o
que eu digo, nem o que está escrito nas Escrituras: o importante é descobrirdes
por vós mesmos o que é verdadeiro. Sadhana, consta-me, significa o método, o
sistema, a prática visante a um fim; e a questão é se sadhana é necessário ou
não. Assim, compreendei por favor que não estamos a discutir sobre o que disse
X ou Y, porém se de facto uma prática que visa a um certo fim conduz à
liberdade, à realidade.
Pensamos, em geral, que se executar certas coisas, praticar ioga, meditar,
disciplinar, reprimir, rejeitar, torturar a si própria, a mente será conduzida
à Realidade, a Deus. Essa é a base em que fostes educados; mas eu vos digo que
nenhum método nem sistema vos pode conduzir à realidade, porque vos tornareis
prisioneiro desse sistema, e só a mente que está livre pode descobrir o que é
verdadeiro. De mais a mais, a verdade não tem morada fixa, não é estática e,
sim, uma coisa viva, em movimento constante, e um caminho só pode conduzir ao
que está fixado num ponto, que é estático. A prática de qualquer método ou
sistema só pode produzir o resultado que o sistema oferece. Compreendeis?
Senhores, não estou a procurar
convencer-vos da verdade do que digo, mas, se vós mesmos a perceberdes,
ficareis livre do sistema que, segundo esperais, vos conduzirá à Verdade. Compreender
que nenhum sistema pode conduzir-vos à verdade, estais livre de todos os
sistemas.
Em primeiro lugar, pensais que a verdade,
a realidade, Deus, ou como quiserdes chamá-lo, é um ponto fixo e que para
alcançá-lo basta-vos praticar diligentemente, todos os dias, uma certa
disciplina, obrigar a vossa mente a ajustar-se a um certo padrão. É o que dizem
os vossos livros, os vossos líderes, os vossos stvamis e iogues; mas todos eles
podem estar redondamente enganados, inclusive o Gita. Cabe-vos, pois, descobrir;
e como ireis descobrir?
Por certo, deveis
começar abandonar todas as autoridades. Isso significa que não deveis ter medo.
E então o que acontece? Começais a investigar o que está implicado numa
prática, num método. Sem dúvida, uma prática, método ou disciplina implica a
repressão de todos os vossos pensamentos próprios, para obrigá-los a ajustar-se
a um determinado padrão que, segundo julgais, vos conduzirá à Realidade.
Isto vos interessa, ou preferis dormir?
Como vedes, o que estou a dizer está completamente em oposição a tudo o que
credes, e naturalmente, a maioria de vós deseja continuar a pensar pelas velhas
normas; porque o que estou a dizer significa uma verdadeira revolução, não de
ordem económica ou social, porém a revolução básica que se verifica quando se
põe em dúvida toda a estrutura da autoridade, não só a autoridade do guru, mas
também a da tradição e da vossa própria experiência.
O que estamos, pois, a investigar?
Estamos a procurar descobrir a verdade ou a falsidade da crença comum, que
inclui as ideias dos vossos vários gurus de que certas práticas são necessárias
para se alcançar moksha, se alcançar a liberdade. Se examinardes muito
cuidadosamente todo o `processo´, descobrireis que, pela prática de um método,
a vossa mente não se torna livre, porém apenas ajustada ao método, e portanto,
escrava dele e do resultado que produzirá. Penso que isso, uma vez percebido,
se torna bem claro. A mente, para ser criadora, precisa ser livre e não deve
ajustar-se a um padrão ou estrutura que, pensais, vos conduzirá ao real.
Senhores, outro factor aqui envolvido é a questão da
disciplina. Pode a disciplina libertar a mente? Ou, para ser livre, deve a
mente, mediante intensa vigilância, compreender o significado da disciplina, e
desse modo, libertar-se dela?
Disciplina implica
repressão com o fim de alcançar um resultado a respeito do qual nada sabeis. O
que sabeis a respeito de moksha, etc., é apenas o que vos foi dito, e a fim de
alcançardes o que pensais ser a Verdade, praticais disciplinas; mas pode a Verdade
se tornar conhecida para a mente que é ambiciosa, invejosa, cruel? Por que não
vos empenhais em libertar a mente da inveja, por exemplo? Podeis livrá-la da
inveja por meio de disciplina?
Estão a compreender, senhores? Já
tentastes libertar a vossa mente da inveja, obrigando-a a não ser invejosa?
Quando assim fazeis, o que acontece? A mente que é obrigada a não ser invejosa
é uma mente morta, não achais? Ergueu em torno de si uma muralha, e por
conseguinte, é uma mente insensível. Podeis ser `não-mundano´ e trajar uma
simples tanga, mas interiormente continuais invejoso, porque desejais chegar a
uma certa parte, no chamado sentido espiritual. Se examinardes isso muito
profundamente, vereis que a mente jamais poderá livrar-se da inveja mediante
qualquer forma de disciplina, e só o conseguirá ao compreender o inteiro
processo da inveja, o que significa estudar a inveja, não condená-la nem
compará-la com outra coisa qualquer. A inveja se torna existente quando há
comparação, quando desejais ser melhor do que X, ser mais isto ou mais
aquilo.
Enquanto a mente pensar em termos de
mais, tem de haver inveja; e ao vos disciplinardes para não ser invejoso,
estais ainda a exigir mais, e portanto, sois ainda invejoso. Se bem
compreenderdes isto, vereis que a verdade não se encontra num certo ponto
distante; ela não está `lá, do outro lado´, separada de vós por um vão, um
intervalo de tempo. Quando criais esse intervalo, necessitais de tempo para o
transpordes, precisais executar várias disciplinas a fim de alcançardes o que
chamais `a verdade´.
Assim, não há necessidade de saàhana de
espécie alguma, e o próprio percebimento dessa desnecessidade produz uma
profunda compreensão do funcionamento da mente. A mente tem uma contínua ânsia de certeza. Deseja um
resultado, deseja sentir-se confiante, alcançar um fim que seja permanente,
garantido; e praticamos, assim, essas coisas, a fim de encontrarmos conforto,
satisfação, o sentimento de termos alcançado a meta, tudo isso processo do
`eu´, do `ego´.
Com essa compreensão,
não apenas verbal ou intelectual, mas se percebeis realmente a verdade
respectiva, não há então distância nenhuma entre o que é e a Verdade.
Entretanto, para perceberdes essa verdade, deveis começar a abandonar toda e
qualquer autoridade, a autoridade do livro, por melhor e por mais religioso que
seja, a autoridade dos gurus, a de todos aqueles que julgam ter alcançado a
meta. O homem que diz que sabe, não sabe, porque o que conhece é só o passado,
e não a Verdade.
Para serdes livre da autoridade, deveis compreender o medo, e o medo
existirá sempre enquanto a mente estiver em busca de segurança, de conforto,
satisfação, poder, posição, quer neste mundo, quer no chamado mundo espiritual.
Se percebeis isso realmente, que necessidade há de disciplina? Se compreendeis
que uma coisa é venenosa, vós certamente não tocais nela; não há tentação, não
há conflito, não tendes de disciplinar-vos para não tocar nela. Simplesmente a
deixais onde está. Da mesma maneira, se compreendeis o veneno da ambição, da
inveja, vós a deixais `cair da mão´, simplesmente, não tendes de praticar
nenhuma disciplina para vos livrardes dela. Mas para compreenderdes que a
ambição é veneno, deveis aplicar-lhe toda a vossa atenção, e não podeis fazê-lo
se sentis medo ou se estais em busca de algum resultado confortador.
A questão, pois, não é de saber qual é o sadhana
correcto ou se há qualquer necessidade de sadhana, mas sim, de saber se a mente
pode libertar-se do temor. O
temor nasce sempre que a mente está a tentar `vir a ser´ alguma coisa. Se percebeis ser isto verdadeiro, então não se faz
necessária nenhuma disciplina. Mas, para perceber a verdade, necessitais de uma
mente sem medo, uma mente não-ansiosa, não-cobiciosa, e que objective posição,
poder, prestígio, quer neste mundo, quer no outro. Na realidade, estais em busca dessas coisas, e também
desejais alcançar a Verdade ou a Felicidade, e por essa razão existe conflito;
e desejais saber como vos libertar do conflito sem terdes de renunciar a isto
ou àquilo.
Assim, para se compreender o que é
verdadeiro ou o que é falso, precisa-se estar livre do medo, e não se pode
disciplinar a mente para deixar de temer. Deveis perceber por vós mesmos que a
ambição, a cobiça, a violência, a avidez, etc., são veneno, porque então não
mais tocareis nelas. Isso significa opor-se totalmente à sociedade, e a muitas
coisas que tendes mantido como se fossem essenciais à vida.
Pergunta: O
que é o hábito? Há certas necessidades que são fundamentais, e outras que se baseiam
na memória psicológica do prazer. Isso significa que devemos satisfazer ou não
satisfazer uma necessidade, conforme seja fundamental ou baseada na memória?
J. Krishnamurti: Senhores,
esta é uma questão bem interessante e complexa, porquanto envolve muitas
coisas. Entendeis o que quero dizer? Eu descrevo e explico uma coisa, mas essa
explicação permanecerá no nível meramente verbal e será, portanto, inútil, se
não observardes os vossos próprios hábitos e vos tornardes conscientes de como
funcionam.
Ora, o que se entende por `hábito´? Caminhemos
devagar, passo a passo. Trata-se de problema muito complexo, que exige muita
atenção, e se não acompanhardes atentamente a explicação perdereis todo o seu
significado. O que se entende por `hábito´? Não estamos a pedir uma definição,
porém a investigar o conteúdo da palavra. Uma pessoa, por exemplo, toma todas
as manhãs uma xícara de café porque acha que, sem ela, terá dor de cabeça. Esse
acto se tornou um hábito, baseado no que a pessoa considera uma necessidade.
Até aqui está bastante simples e claro. É como fumar. Embora o primeiro cigarro
talvez vos tenba causado náuseas, o fumar se tornou gradualmente aprazível e
continuais, assim, a repetir o acto. Esta é uma forma do hábito.
E temos, também, o `processo´ relativo ao comer. É
essencial ao corpo receber alimento; e o comer se torna um hábito? Só se torna
hábito quando eu exijo que o alimento tenha tal e tal sabor, baseado no prazer.
Quero picles, quero arroz, quero isto ou aquilo, e isso significa que o meu paladar
está a ditar o hábito de comer, baseado no prazer.
Analogamente, existe o hábito do sexo com tudo o que
implica. Há secreções glandulares, e isso é uma função do corpo, e há
necessidade de lhes dar vazão. O que acontece então? A mente guarda como lembrança
o prazer do acto sexual. Ora, a secreção glandular é um hábito, ou o hábito só
surge quando a mente encontra prazer em ressuscitar a lembrança do acto sexual,
e dessa maneira, se toma escrava dessa lembrança? Estais-me a acompanhar?
O hábito, por certo, é a repetição de um prazer
baseado na lembrança de ontem. Segui isto, senhores, porque se seguirdes
atentamente, vigilantemente, não apenas as minhas palavras, mas também a vossa
própria mente, vereis que a mente cria o hábito com a exigência de prazer.
Hábito não é a natural exigência da fome, por exemplo, porém a exigência de
prazer e a repetição desse prazer baseado na memória. Um corpo que tem fome
necessita de alimento, mas o hábito surge quando ele exige que o alimento tenha
determinado sabor, ou seja a repetição do prazer que antes experimentou. O
hábito, pois, é a lembrança de um prazer que a mente experimentou e cuja
constante repetição deseja. Está claro? Ou está complexo demais? Não importa,
senhores. Acompanhai-me, examinemos juntos a questão.
A mente é resultado de hábito, ela só conhece as
lembranças de milhares de dias, e todo o acto oriundo desse fundo (background)
se torna um hábito. Agora, segui o que vou dizer. A mente estabelece um hábito
baseado na lembrança e na repetição de determinado prazer. Depois, a sociedade,
o vosso guru, ou o livro sagrado vos diz que o hábito é muito nocivo, e tendes
então o oposto: deveis ser casto, ser isto ou aquilo.
Em consequência, há um
conflito entre o facto, que é o hábito, e o que pensais que deveis ser; assim,
ides pedir a alguém que vos diga como vos livrardes desse conflito, criando-se
dessa maneira mais um problema. Tínheis antes um conflito, e agora tendes dois;
e assim é a nossa vida, uma interminável série de conflitos. A mente, que se vê
sempre frustrada, sempre atribulada e com medo, deseja algo transcendente a si
própria. Isso é impossível.
A mente busca a repetição de um certo prazer, sexual
ou outro qualquer, e enquanto está a exigir esse prazer funciona na rotina do
hábito. Isso é um facto. A mente diz então:`Preciso ficar livre deste hábito´,
fica sempre a resistir, a lutar, e procura cultivar outro hábito diferente. O
que aconteceu, pois? A mente está em conflito, deseja um certo prazer e ao
mesmo tempo procura repelir aquilo que deseja. Não estou a dizer que ela deva
ou não deva ceder ao prazer; não é este o problema. Vê-lo-emos mais adiante.
Vejo um belo poente, com nuvens ondulosas iluminadas
pelo Sol. Experimento grande deleite, pois é um lindo espetáculo. Isso é
prazer, não? Agora, por que dizemos que observar uma nuvem `é bom´ e que certas
outras formas de prazer são `más´? Quando repelimos o prazer num terreno e o
mantemos noutro, estamo-nos a tornar insensíveis. Compreendeis? Isso é como a
mente dizer:`Só quero estar cercada de coisas belas; portanto, vou fechar a
janela para não ver essa aldeia sórdida´. A
vida é tanto o feio como o belo, mas nós só queremos uma coisa e não a outra; e
a rejeição do feio nos torna insensíveis.
Assim, quando vos vedes entregues a um
hábito e a ele resistis a fim de adquirirdes outro hábito que considerais
melhor, estais a cultivar a insensibilidade. O hábito se baseia no prazer e na
repetição desse prazer; mas se desejais destruir o prazer, como o fazem os
swanis, os iogues e tantos outros, então não deveis sequer viver, porque o
prazer é parte integrante da vida. Ao verdes uma nuvem, um sorriso, uma
lágrima, ao observardes uma criança, uma mulher, ou um homem, tudo isso é a
vida, e, se negais alguma parte da vida, vos tomais insensível.
O homem sensível não
tem hábito nenhum. Prestai atenção. Se dizeis:`Não devo ter prazer nenhum´,
então deveis também rejeitar o amor. Não? Pois foi isso o que fizestes. Quando
a mente está dominada pelo hábito, e por conseguinte, insensibilizada, como pode
haver amor? Amor puro e simples, não amor divino e amor físico. Percebeis o que
quero dizer?
Estou a falar do amor,
e isso significa amar o ente humano, a flor, o animal, e não pensar em si mesmo
e nos próprios prazeres, vaidades, ambições. A mente deve ser sensível ao amor;
deve ser `vulnerável´ ao amor. Mas, como pode ser vulnerável ao amor, se possui
hábitos, bons ou maus?
Segui isto, senhores, para perceberdes
por vós mesmos a sua verdade. Por certo, uma mente insensível não pode saber o
que é a beleza. Como poderia? E, se é insensível à beleza, não há austeridade.
Um iogue, um swami ou mahatma que só possui uma tanga e pratica toda a sorte de
austeridades, não é austero.
Austeridade é ser
sensível à beleza, ao amor. Não podeis ser austero, se não sois simples. E
simplicidade não é questão das roupas que usamos ou não usamos, pois isso é
apenas um modo imaturo de pensar.
Ser simples é ser
interiormente sem ambição, sem resistência, o que significa ser completamente
vulnerável, totalmente sensível. Não se pode ser sensível, se há conflito; por
conseguinte, um homem que está em negação, a resistir, lutar para cultivar um
bom hábito, oposto a um hábito mau, não é sensível. A sua mente jamais
conhecerá o amor, porquanto só se interessa pelo seu próprio progresso, pelas
suas próprias ideias, não importa quão nobres sejam. Quem não ama não sabe o
que é ser austero; consequentemente, não sabe o que é ser simples.
Assim, com esta total compreensão vereis que a mente que está em conflito,
que força por `vir a ser´ algo, nunca será sensível; e o que quer que ela faça
e por mais que se esforce para reformar o mundo, só será capaz de causar
maiores males, maiores danos. Só a pessoa sensível, que sabe o que é amor, e
por conseguinte, está livre da ambição, da inveja, do desejo de poder, posição,
prestígio, só ela pode ser útil à humanidade."
Jiddu Krishnamurti
"O homem livre"
t.
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