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quinta-feira, 31 de março de 2016

Mental renovation...




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“There is this question as to how the mind, deeply conditioned as it is, can change radically. 

I hope you are putting this question to yourself because, unless there is morality which is not social morality, unless there is austerity which is not the austerity of the priest with his harshness and violence, unless there is order deeply within, this search for truth, for reality, for God, or for whatever name you like to give it has no meaning at all.

Because, unless you have a new mind, a fresh mind, eyes that see what is true, you cannot possibly understand the immeasurable, the nameless, that which is.”



Jiddu Krishnamurti
"The flight of the eagle"










Some people think 
Think they have none 
They might as well stay down 
Running in circles 
Like bulls in a ring 
'Til the sword finds it's way down

While the creep beats the rap on appeal 
And the cop who can't stop 
Shows the kids how to steal

And we all need some light now 
We all need some light now 
Yes, we all need some light now 
Turn on your light 
And wash the darkness away

Hey you on the brink 
Waiting to fall 
To become human surplus 
The movie's still shooting 
You might still get the roll 
And man it's all just a circus

But the clown left town long ago 
Maybe he'll come back and give us a show

And we all need some light now 
We all need some light now 
Yes, we all need some light now 
Turn on your light and wash the darkness away



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Mental renovation...



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"
(...)  Estivemos a considerar a atitude ou acção que se torna necessária para se enfrentar o desafio de um mundo tão completamente confuso e destrutivo como este. Nota-se em toda a parte um processo de destruição, degeneração, não apenas na sociedade, mas ainda no indivíduo. A onda de deterioração parece estar sempre a alcançar-nos e arrastamos. Há divisões entre as pessoas, tanto no domínio económico, como também no racial e religioso. No Oriente, nota-se sofrimento e esqualidez, isso no campo físico, emocional e psicológico. Há tensão, conflito, confusão, por toda a parte.
Considerando-se tudo isto, parece-me necessária uma mente totalmente nova; não a mente `recondicionada´, não a mente `banhada´ pelos comunistas, pelos capitalistas, pelos cristãos ou hindus, e sim, uma mente nova. E estivemos a considerar como fazer nascer essa mente nova.

Estudamos a questão praticamente de todos os pontos de vista, interior e exterior, e vimos que, quanto mais tentamos modificar a mente exteriormente, pela propaganda, como o fazem a maioria das religiões, ou mediante pressão económica ou social, tanto mais a mente fica condicionada, tanto mais superficial, vazia, embotada e insensível se torna. É bastante óbvio, parece-me, a qualquer um que já observou estas coisas, que a mente condicionada, consciente ou inconscientemente, a mente que está a ser influenciada, ainda que muito subtilmente, é incapaz de atender aos numerosos problemas que surgem na moderna civilização.

Interiormente, psicologicamente, somos em geral muito vulgares, limitados, sob o peso da nossa ilustração e saber. E temos tantos problemas, problemas de relação, problemas que surgem na nossa vida de cada dia, o que se deve fazer e o que se não deve fazer, o que se deve crer e o que se não deve crer, interminável busca de conforto, segurança e de um meio de fuga ao sofrimento, temos tantos problemas que, se os víssemos todos, em conjunto, poderíamos perder as esperanças. Assim, evidentemente, o que se torna necessário, o desejável e essencial é uma mente nova; porque, na verdade, tudo o que tocamos faz surgir um novo problema.

Assim, como dissemos na última reunião, é necessária uma mente religiosa. E, sem dúvida, a mente religiosa é aquela que se depurou de todas as crenças e de todos os dogmas; esta mente é capaz de um percebimento, uma compreensão interior que dá uma certa tranquilidade, serenidade. E, quando a mente está interiormente tranquila, há intenso percebimento de tudo o que se passa fora dela. Isto porque, se compreender todos os conflitos, frustrações, perturbações, agitações e sofrimentos interiores, ela está serena, e por conseguinte, exteriormente torna-se intensamente activa, com todos os sentidos bem despertos, capaz, portanto, de observar sem nada desfigurar, de seguir cada facto de maneira não tendenciosa.




A mente religiosa, pois, não só é capaz de observar as coisas externas com clareza, lógica e precisão, mas também, graças ao auto-conhecimento, tornou-se interiormente tranquila, de uma tranquilidade que tem o seu movimento próprio. E dissemos que essa mente religiosa está por conseguinte, num estado de revolução constante. Não estamos interessados em nenhuma espécie de revolução parcial, nenhuma revolução comunista, socialista ou capitalista. Os capitalistas, em geral, não desejam revolução alguma, mas os outros a desejam; e a revolução deles é sempre de natureza parcial, económica, etc. Mas a mente religiosa promove a revolução total, não só interiormente, mas também exteriormente; e no meu sentir, só a revolução religiosa, e nenhuma outra, pode resolver os múltiplos problemas da humana existência.


E que pode fazer essa mente? Que podemos fazer, vós e eu, como dois indivíduos, neste mundo monstruoso e insano? Não sei se já pensastes nisto, alguma vez. Que pode fazer uma mente religiosa?




Já explicamos com muita clareza que a mente religiosa não é a mente cristã, hindu ou budista, ou pertencente a alguma seita extravagante ou sociedade com fantásticas crenças e ideias; a mente religiosa é aquela que, tendo percebido interiormente a sua própria validade, a verdade das suas percepções, sem desfiguração, é capaz de resolver lógica, racional e sãmente os problemas que surgem, não permitindo que nenhum deles crie raízes. Desde que deixamos um problema lançar raízes na mente, existe conflito; e onde há conflito, está presente o `processo´ de deterioração, não só exteriormente, no mundo objectivo, mas também interiormente, no mundo das ideias, dos sentimentos, das afeições.


O que pode, então, fazer a mente religiosa? Provavelmente muito pouco. Porque o mundo, a sociedade é constituída de indivíduos ambiciosos, ávidos, `aquisitivos´, facilmente influenciáveis e que desejam pertencer a alguma coisa, crer em alguma coisa, filiando-se a certas correntes de pensamento e padrões de acção. Essas pessoas não podem ser modificadas senão pela influência, a propaganda, o oferecimento de novas formas de condicionamento.




Mas a mente religiosa lhes diz que se despojem, interiormente, de tudo. Porque é só em liberdade que se pode descobrir o que é verdadeiro e se existe a Verdade, Deus. A mente que crê nunca descobrirá o que é verdadeiro ou se existe Deus; só a mente livre pode descobri-lo. E para sermos livres, temos de penetrar todas as servidões que a mente a si mesma impôs. Isto é dificílimo, pois requer muita penetração, exterior e interiormente.
Quase todos, sabemo-lo, andamos às voltas com o sofrimento. Sofremos de uma ou de outra maneira, física, intelectual, ou interiormente. Somos torturados e nos torturamos a nós mesmos. Conhecemos o desespero, e a esperança, e o medo sob todos os seus aspectos; e nesse vórtice de conflito e contradições, preenchimentos e frustrações, ciúmes e ódio, debate-se a mente. 

Aprisionada que está, sofre, e todos sabemos que sofrimentos são estes: o sofrimento ocasionado pela morte, o sofrimento da mente insensível, o sofrimento da mente muito racional e intelectual, que conhece o desespero, porque reduziu tudo a pedaços e nada mais lhe resta. A mente sofredora faz nascer várias filosofias do desespero; busca refúgio através de numerosas vias de esperança, confiança, conforto, através do patriotismo, da política, das argumentações verbais, das opiniões. E para a mente sofredora existe sempre uma igreja, uma religião organizada pronta a acolhê-la e torná-la mais embotada ainda, com as suas promessas de consolo.


Conhecemos tudo isso; e quanto mais reflectimos, tanto mais intensa a mente se torna e nenhuma saída se encontra. Fisicamente, é possível fazer algo contra o sofrimento, tomar uma pílula, procurar o médico, alimentar-se melhor, mas aparentemente nenhuma saída existe senão pela fuga. Mas a fuga torna a mente muito embotada. Ela poderá ser penetrante nos seus argumentos, nas suas defesas; mas a mente em fuga está sempre temerosa, porque precisa proteger a coisa em que se refugiou, e evidentemente, tudo aquilo que protegemos, que possuímos, faz nascer o medo.

E, assim, o sofrimento continua; conscientemente, talvez, possamos afastá-lo, mas interiormente continua existente, corrompendo, putrefazendo. Mas podemos ficar livre dele, totalmente, completamente? Esta me parece a pergunta correcta que se deve fazer; porque se perguntamos:`Como ficar livre do sofrimento?´, então, o `como´ cria o padrão `do que se deve fazer e do que não se deve fazer´, e isso significa seguir por uma via de fuga, em vez de enfrentar o problema, a causa-efeito do próprio sofrimento. Assim, antes de começarmos a discutir, gostaria de investigar esta questão.






O sofrimento perverte e deforma a mente. O sofrimento não é o caminho da Verdade, da Realidade, de Deus (ou como quiserdes chamá-lo). Temos tentado enobrecê-lo, dizendo-o inevitável, necessário, alegando que traz a compreensão, etc. Mas a verdade é que, quanto mais intensamente uma pessoa sofre, tanto mais ansiosa se torna de fugir, de criar uma ilusão, de encontrar uma saída. Parece-me, pois que a mente sã, saudável, deve compreender o sofrimento e ficar completamente livre dele. E isso é possível?

Ora, como compreender por inteiro o sofrimento? Não estamos a tratar de uma única qualidade de sofrimento que por acaso estejais a passar ou eu esteja a passar; existem como sabeis, muitas variedades de sofrimento. Mas estamos a falar sobre o penar em geral, estamos a falar da totalidade da coisa; e como compreender ou sentir o todo? 

Espero que esteja a ser claro. Através da parte nunca é possível sentir o todo; mas se se compreende o todo, a parte pode então ajustar-se nele e tornar-se, assim, significativa.






Ora, como se sente o todo? Entendeis o que quero dizer? Sentir, não apenas como inglês, mas sentir a totalidade da humanidade; sentir não apenas a beleza das paisagens de Inglaterra, que são realmente belas, porém a beleza de toda a Terra; sentir o amor total, não apenas o amor pela minha mulher e pelos meus filhos, mas o sentimento total de amor; conhecer o sentimento total da beleza, não da beleza de um quadro pendente da parede, ou de um sorriso num rosto belo, ou de uma flor, de um poema, porém aquele sentimento de beleza que transcende todos os sentidos, todas as palavras, toda expressão. Como sentir assim?







Não sei se alguma vez já vos fizestes esta pergunta. Porque, vede, satisfazemo-nos tão facilmente com um quadro na parede, com o nosso jardim particular, uma árvore que num campo nos atrai a atenção. E como alcançar esse sentimento da inteireza da Terra e do céu, e da beleza da humanidade? Percebeis o que quero dizer, o sentimento profundo disso?

Prosseguirei a examinar este tópico, se desejais seguir-me, mas deixemo-lo de parte, por enquanto. Deixemos a questão em `fervura´, em ebulição, e entremos numa diferente ordem de considerações.

A mente que está em conflito, em batalha, em guerra, interiormente, torna-se embotada; não é uma mente sensível. Ora, o que é que torna a mente sensível, não apenas para uma ou outra coisa, porém sensível como um todo? Quando é ela sensível não apenas para o belo, mas também para o feio, para tudo? Só o é, por certo, quando não há conflito; isto é, quando a mente está tranquila interiormente, e por conseguinte, é capaz de observar todas as coisas exteriores com todos os seus sentidos. Ora, o que é que gera o conflito? E existe conflito não apenas na mente consciente, exterior, a mente que está sumamente consciente dos seus raciocínios, dos seus conhecimentos, da sua proficiência técnica, etc., mas também a mente interior, inconsciente, a qual, provavelmente está no `ponto de fervura´ a todas as horas. O que é pois, que cria o conflito? 

Por favor, não respondais, porquanto a mera análise mental ou investigação psicológica não resolve o problema. O exame verbal pode mostrar intelectualmente as causas do sofrimento, mas nós estamos a falar sobre o `estar de todo livre do sofrimento´. Cabe-nos, pois, experimentar ao mesmo tempo que falamos, sem nos deixarmos ficar no nível verbal.


O que cria o conflito é, obviamente, o `puxão´ em diferentes direcções. O homem que se deixou comprometer completamente com alguma coisa, é em geral, insano, desequilibrado; para ele não há conflito: ele é essa coisa. O homem que crê inteiramente numa dada coisa, sem duvidar, sem interrogar, o que se identificou completamente com aquilo que crê, esse homem não tem conflito nem problema. Tal é mais ou menos o estado de uma mente doente.

 E a maioria de nós gostaria muito de identificar-se, de `se comprometer´ com alguma coisa de tal maneira que não houvesse mais problema algum. Em geral, por não termos compreendido o processo do conflito, só desejamos evitar o conflito. 


Mas, como já assinalamos, o evitar só produz mais sofrimentos.






Assim, percebendo tudo isso, faço a mim mesmo, e portanto, também a vós, esta pergunta: 

O que cria o conflito? 
E conflito implica não só desejos contraditórios, vontades, temores e esperanças contraditórias, mas tudo quanto é contradição.

Ora, por que existe contradição? 
Espero que estejais a escutar, através das minhas palavras, nas vossas mentes e corações. Espero que vos estejais a servir das minhas palavras como um portal através do qual estais a observar, e a escutar a vós mesmos.

Uma das causas principais do conflito é a existência de um centro, um ego, o `eu´, resíduo de todas as lembranças, todas as experiências, todos os conhecimentos. 

E esse centro está sempre a tratar de se ajustar ao presente ou de absorvê-lo: sendo o presente o hoje, cada momento do nosso viver, que envolve sempre desafio e reacção. Está sempre a traduzir tudo o que encontra nos termos daquilo que já conhece. O que ele já conhece é todo o conteúdo de milhares de dias pretéritos, e com esse resíduo procura enfrentar o presente. Por conseguinte, ele modifica o presente, e nessa própria actividade modificadora alterou o presente, criando assim o futuro. E nesse processo do passado que traduz o presente e cria o futuro, está aprisionado o `eu´, o ego. E nós somos isso.






Assim, a fonte do conflito é o `experimentador´ e a coisa que está a `experimentar´. Não é assim? Quando dizeis `amo-vos´ ou `odeio-vos´, existe sempre esta separação entre vós e aquilo que amais ou odiais. Enquanto houver separação entre pensador e pensamento, experimentador e coisa experimentada, observador e coisa observada, tem de haver conflito. 

Divisão é contradição. Ora, pode-se anular esta divisão ou separação, de modo que sejais o que vedes, sejais o que sentis?

Importa compreender, primeiramente, que enquanto há divisão entre pensador e pensamento, tem de haver conflito, porque o pensador está sempre a tentar fazer alguma coisa em relação ao pensamento, a procurar alterá-lo, modificá-lo, controlá-lo, dominá-lo, a tentar tornar-se bom, não ser mau, etc. 

Enquanto perdurar a divisão geradora de conflito, tem de haver esta agitação da existência humana, não só internamente, mas também externamente.


Ora, existe pensador separado do pensamento? Está clara esta pergunta? O pensador é uma entidade separada, algo distinto, algo permanente, separado do pensamento? Ou existe só pensamento, o qual cria o pensador, porque assim poderá dar-lhe (ao pensador) permanência? Entendeis? O pensamento é impermanente, está num constante fluir, e a mente não gosta desse estado de fluidez. Deseja criar algo permanente, em que possa ficar em segurança. 

Mas, se não há pensamento, não há pensador, há? Não sei se já alguma vez exprimentastes isto, se já seguistes esta ordem de reflexões, ou investigastes inteiramente o processo do pensar e quem é o pensador. O pensamento declarou que o pensador é supremo, que existe a alma, o `eu superior´, a conferir assim ao pensador existência permanente, mas tudo isso continua a ser resultado do pensamento.

Assim, se observamos este facto, se o percebemos realmente, vê-se então que não há centro.

Notai, por favor, que isto pode ser muito simples de declarar, verbalmente; mas penetrar o facto, vê-lo, experimentá-lo, isto é muito difícil. No meu sentir, a fonte do conflito é esta separação entre o pensador e o pensamento. Esta seperação cria conflito; e a mente em conflito não pode viver, no mais elevado sentido desta palavra: não pode viver totalmente.


Não sei se já notastes alguma vez que, quando tendes um sentimento muito forte, seja do belo, seja do feio, provocado do exterior ou despertado interiormente, nesse estado imediato de intenso sentir não existe, momentaneamente, observador, nem divisão. 

O observador só se apresenta quando o sentimento se atenuou. Entra então em acção todo o processo da memória: Dizemos: `Devo repetir este estado´ ou `devo evitá-lo´, e tem início o processo do conflito. Podemos ver a verdade aí? E que entendemos por ver? Como vedes a pessoa que está sentada aqui, neste lado? Não a vedes apenas visualmente, mas também intelectualmente; estais a ver a pessoa com a vossa memória, as vossas simpatias e antipatias, as vossas diferentes formas de condicionamento; e por conseguinte, não estais a ver, não é verdade? 

Quando vedes alguma coisa realmente, vós a vedes sem nada daquilo (condicionamento, simpatias, antipatias, etc.) É possível olharmos para uma flor sem lhe dizermos o nome, sem `colar-lhe´ uma etiqueta: olhá-la, simplesmente? 

E não é possível, ao ouvirdes algo grato aos ouvidos, não apenas música organizada, mas o canto de uma ave na floresta, etc., escutá-lo com todo o vosso ser? E pode-se, pela mesma maneira, perceber realmente um coisa? Porque, se a mente é capaz de perceber, de sentir realmente, então só há experimentar e não existe experimentador; pode-se então ver que o conflito, com todas as suas angústias, esperanças, defesas, etc., termina.

Quando se percebe a verdade integral de uma coisa; ao vermos a verdade de que o conflito só pode cessar quando não há divisão entre o observador e a coisa observada; quando se experimenta realmente este estado, sem nos socorrermos da memória nem dos dias passados, então está terminado o conflito. Então seguis factos e não estais tolhido pela divisão que a mente faz entre o observador e o facto.


O facto é: sou estúpido, estou cansado, preso à monótona rotina da existência diária. Isto é um facto, mas não gosto dele; por isso, há divisão. Detesto o que estou a fazer, e põe-se, assim em movimento o mecanismo do conflito, com todas as defesas e fugas e sofrimentos que ocasiona. Mas o facto é que a minha vida é feia, superficial, vazia, cruel, escrava dos hábitos.






Ora, se a mente não criar esse senso de divisão, e por conseguinte, conflito, pode então seguir simplesmente o facto; seguir toda a rotina, todos os hábitos; seguir tudo, sem procurar alterar nada? Isto é percepção, no sentido em que estamos a empregar a palavra. E vereis que o facto nunca é estático, nunca é imóvel. É uma coisa que se move, uma coisa viva; mas a mente preferiria torná-lo estático e daí é que vem o conflito. 

Eu vos amo, desejo apegar-me a vós, possuir-vos; mas vós sois uma coisa viva, que se modifica, com existência própria; por isso, existe conflito e todos os sofrimentos dele decorrentes. 
E pode a mente ver o facto e segui-lo? Isso, em verdade, significa uma mente muito activa, muito viva, muito intensa, exteriormente, e ao mesmo tempo muito tranquila interiormente.
 
A mente que no interior não está de todo quieta não pode seguir um facto, pois este é muito rápido. Só a mente interiormente tranquila é capaz desse `processo´, capaz de seguir continuamente cada facto que se apresenta, sem dizer que o facto devia ser `deste jeito´ ou `daquele jeito´, sem criar separação, conflito, sofrimento: só essa mente pode cortar todas as raízes do sofrimento.

Podeis ver, então, se alcançastes este ponto, não no espaço e no tempo, mas na compreensão, que a mente entra num estado em que se vê completamente só.

Como sabeis, para a maioria de nós `estar só´ é uma coisa terrível. Não me refiro aqui à solidão, que é coisa diferente. Refiro-me ao `estar só´: estar só com alguém ou com o mundo: estar só com um facto. Só, no sentido de que a mente não está sujeita a influências, já não está presa ao passado, nem tem futuro, nem busca, nem teme: está só. O que é puro está só; a mente que está só conhece o amor, porque já não se enreda nos problemas do conflito, do sofrimento e do preenchimento. Só essa mente é uma mente nova, uma mente religiosa. E, talvez, só ela pode curar as feridas deste mundo caótico.





Pergunta: Podeis falar-nos um pouco mais sobre o que é o amor?

J. Krishnamurti: Isto supõe duas coisas, não? A definição verbal, de acordo com o dicionário, a qual, evidentemente, não é o amor. Essa é a primeira coisa, que envolve todos os símbolos, palavras, ideias, concernentes ao amor. A outra coisa é que só se pode encontrar o amor através da negação; só pode ser descoberto pela negação. E, para descobrir, a mente deve primeiramente libertar-se da escravidão das palavras, ideias e símbolos. Isto é, para descobrir o amor, a mente precisa varrer tudo o que já sabe a respeito do amor. Não é necessário `varrer´ tudo o que é conhecido para se poder descobrir `o desconhecido´? 
Não é necessário varrermos todas as nossas ideias, por mais que nos deleitem, todas as nossas tradições, por mais nobres que sejam, para descobrir o que é Deus, descobrir se existe Deus? Deus, aquela imensidão, deve ser incognoscível, não mensurável pela mente. Assim, precisamos cortar completamente o processo de medição, de comparação, e o processo de reconhecimento, para podermos descobrir.

Do mesmo modo, para saber, experimentar, sentir o que é o amor, a mente deve estar livre para descobri-lo; estar livre para senti-lo, para `viver com ele´, sem a divisão entre observador e coisa observada. Precisa ultrapassar as limitações da palavra; perceber tudo o que a palavra sugere: amor pecaminoso e amor divino; amor nobre e amor ignóbil, todos os preceitos e sanções e tabus sociais com que temos cercado esta palavra. E isso representa empreendimento dificílimo, não? Amar um comunista ou capitalista, amar a morte. E o amor não é o oposto do ódio, porque todo oposto é parte do outro oposto. Amar, compreender a brutalidade que impera no mundo, a brutalidade dos ricos e dos poderosos; ver o sorriso no rosto do pobre por quem passais na estrada e participar da felicidade dessa pessoa, experimentai isso uma vez, para verdes o que sucede. Amar requer uma mente que esteja sempre a purificar-se das coisas que conhece, que experimentou, recolheu, acumulou, e às quais se apegou. Sendo assim, não há possibilidade de descrever esta palavra; só podemos senti-la na sua totalidade.

Pergunta: Por outras palavras, nesse momento o indivíduo é amor. 

J. Krishnamurti: Infelizmente, acho que não, meu senhor, porque não há um momento reconhecível como `esse momento´. Não há `processo´ de reconhecerdes que sois amor. Já não sentistes raiva, já não odiastes alguém? Dizeis então: `Eu sou isso (a raiva, o ódio etc.)?´. Não há `um momento´ reconhecível, há? Vós sois a coisa, completamente. Só então a mente é capaz de descobrir o que é verdadeiro, porquanto só a mente livre pode seguir o facto. Para seguirdes o facto de que odiais, não necessitais de autoridade alguma; necessitais de uma mente livre de medo, livre de opiniões, e que não condena. Tudo isso exige muito trabalho. Para se `viver´ com uma coisa bela ou com uma coisa feia, requer-se intensa energia. Já notastes que o aldeão, o montanhês que `vive´ com uma majestosa montanha, nem sequer a vê, pois se acostumou com ela? Mas para `viver com uma coisa´ e nunca se acostumar com ela, necessita-se de muita intensidade, daquela extraordinária energia. E essa energia se manifesta quando a mente é livre, quando não há medo, quando não há autoridade.

Pergunta: O processo de purificar a mente é processo de pensamento?

J. Krishnamurti: O pensamento pode ser puro? Todo o pensamento não é impuro? Porque o pensamento, nasce da memória, já está contaminado. Por mais lógico, por mais racional que seja, está contaminado, é mecânico. Por conseguinte, não existe pensamento puro, ou pensamento `livre´. Ora, o percebimento desta verdade exige penetração de todo o processo da memória, isto é, ver que a memória é mecânica, e se baseia em muitos dias passados. O pensamento nunca pode tornar a mente pura; e o percebimento deste facto é a purificação da mente. Por favor, não concordeis nem discordeis. Examinai, procurai, como quem procura dinheiro, posição, autoridade e poderio; daí nascerá uma mente maravilhosa, uma mente purificada, `inocente´, fresca, uma coisa nova, e portanto, num estado de criação, ou seja, em revolução.

Pergunta: No momento da percepção de o que é, podeis dizer-nos o que acontece?

J. Krishnamurti: Posso dar-vos uma descrição, mas de que servirá ela? Consideremos a questão. O facto é que amamos, que somos ciumentos, invejosos. E vós condenais o facto, dizem: `Não devo ser assim´; portanto, há divisão. Ora, o que é que cria a divisão? Primeiro que tudo, a palavra. A palavra `ciúme´ é em si, separatista, condenatória. A palavra é invenção da mente, cheia de conhecimentos acumulados através de séculos, e portanto, incapaz de considerar o facto sem a palavra. Mas, quando a mente considera o facto sem condenação, quer dizer, sem a palavra, então o sentimento não é o mesmo da descrição verbal, não é a palavra. Considerai a palavra `beleza´. Todos pareceis suspirar quando se pronuncia esta palavra! Para a maioria de nós, a beleza é coisa dos sentidos. Também descritiva: `Ele é um homem de agradável aparência´ ou `Que edifício feio!´. Também comparação: `Isto é mais bonito do que aquilo´. Sempre a palavra é empregada para descrever algo que percebemos através dos sentidos, a coisa manifestada, o quadro, a árvore, o céu, a estrela, a pessoa.

Ora bem. Há beleza sem a palavra, transcendente à palavra, aos sentidos? Se perguntais ao artista, ele responderá que, sem a expressão, a beleza é inexistente; mas é exacto isto? Para se descobrir o que é a beleza, descobrir a sua imensidade, a sua totalidade, precisa-se de aguçar os sentidos, ultrapassar as coisas que rotulamos como `beleza´ e `fealdade´. Não sei se me estais a seguir. De modo idêntico, para se seguir um facto como o ciúme, requer-se uma mente que lhe dê toda a atenção. Quando vemos o facto, no próprio percebimento dele, no próprio instante de vê-lo, o ciúme desapareceu, foi-se completamente. Mas nós não desejamos o desaparecimento total do ciúme. Fomos educados para gostar dele, para `viver com ele´, e pensamos que, se não há ciúme, não existe amor.

Assim, o seguir um facto requer atenção, vigilância. E, depois, o que sucede? Sucede que ao estardes verdadeiramente vigilante, importa mais que o resultado final. Entendeis? A própria vigilância é mais significativa do que o estar livre do facto.

Pergunta: Pode haver pensamento sem a memória?

J. Krishnamurti: Por outras palavras: existe pensamento sem a palavra? Isto é muito interessante, se o examinarmos, Este orador está-se a servir do pensamento? O pensamento, como palavra, é necessário para a comunicação, não? O orador tem de servir-se de palavras, palavras inglesas, para se comunicar convosco, que entendeis o inglês. E as palavras, evidentemente, promanam da memória. Mas, qual é a fonte, o que existe atrás da palavra? 
Vou expressar-me de outra maneira:

Ali está um tambor; ele emite um certo som. Quando a pele está bem esticada, na tensão correcta, vós o bateis e ele emite o tom correcto, que podeis reconhecer. O tambor, que é vazio e foi posto na tensão correcta, é como a vossa mente pode ser. Quando há atenção correcta e se faz a pergunta correcta, então ela dá a resposta correcta. A resposta pode ser em termos verbais, reconhecíveis; mas o que provém daquele vazio, isto, por certo, é criação. A coisa criada pelo conhecimento é mecânica; porém, a coisa que provém do vazio do desconhecido, esta é o `estado de criação´."


Jiddu Krishnamurti
"O passo decisivo"


















“The relation of thought to action filled my mind on waking, and I found myself carried toward a bizarre formula, which seems to have something of the night still clinging about it: `Action is but coarsened thought´; thought become concrete, obscure, and unconscious. 

It seemed to me that our most trifling actions, of eating, walking, and sleeping, were the condensation of a multitude of truths and thoughts, and that the wealth of ideas involved was in direct proportion to the commonness of the action (as our dreams are the more active, the deeper our sleep). 

We are hemmed round with mystery, and the greatest mysteries are contained in what we see and do every day. 

In all spontaneity the work of creation is reproduced in analogy. When the spontaneity is unconscious, you have simple action; when it is conscious, intelligent and moral action. 

At bottom this is nothing more than the proposition of Hegel: `What is rational is real; and what is real is rational´; but it had never seemed to me more evident, more palpable. Everything which is, is thought, but not conscious and individual thought. 

The human intelligence is but the consciousness of being. It is what I have formulated before: Everything is a symbol of a symbol, and a symbol of what? Of mind.

Henri Amiel
“Intime Journal”













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