Páginas

segunda-feira, 18 de abril de 2016

ex nihilo nihil fit...








"Thousands of theories, grotesque, extraordinary, profound, on the world, on man, on all problems that pertain to metaphysics have passed through my mind. 

I have had in me thousands of philosophies not any two of which — as if they were real — agreed. 

All the ideas I had if written down had been a great cheque on posterity; but by the very peculiar character of my mind, no sooner did the theory, the idea struck me that it disappeared, and after I ached to feel that one moment after I remembered nothing — absolutely nothing of what it might have been. 

Thus memory, as all my other faculties predisposed me to live in a dream."


Fernando Pessoa






ex nihilo nihil fit...








O pensamento, no mortal, é uma rudimentar concepção do mundo.

Deus pensa-nos e por nós e em nós. 

Não pensa senão por nós, em nós e nós — nós sendo o universo inteiro.




Fernando Pessoa








Donde vem a Verdade-mais-erro de toda a teoria filosófica?
Cada um de nós é Deus sendo ele, é Deus pensando-se ele . Como, por isso, cada um de nós é Deus, cada um de nós vê a verdade, tem a verdade em si. Mas como cada um de nós, é, por pensamento de Deus não-Deus, não-ser, é erro. Pensamo-nos como Deus.

Somos determinados... Somos livres porque somos Deus, e porque Deus, somos o determinante determinando-se a si-próprio, sendo livre, portanto, porque o determinar-se a si é ser livre.

Dos sistemas filosóficos os positivos erram por incompletos ; os negativos por parciais ; os criticistas e cepticistas... Todo o sistema positivo, o materialismo, por exp., peca por não ir até ao fim. Tudo é matéria, diz. É certo. Mas a matéria é o total pensamento dela. Portanto, tudo é matéria quer dizer que tudo é Deus, porque é o ser .

O ser, para ser outro, tem de ser não-ser. Por isso a verdade para ser humana tem de ser erro. Mas o não-ser como existe? Só para o pensamento que o pensa como sendo não-ser 
O não-ser é o não-ser ; tem um ser , que é o do não-ser; pertence ao ser portanto.

Ser tem dois sentidos; o de ser absoluto , por ser para si, no que absolutamente, pode ter; o de ser , como oposto a não-ser, que tem para nós.

O não-ser existe, é como não-ser . Pensado como não-ser, existe, porque como não-ser é pensado. Mas, para além deste pensamento não é, porque é não-ser. Não nos é possível pensar o não-ser como não sendo, porque pensar é fazer ser, e portanto pensar o não-ser é fazê-lo ser, como não-ser.

Há pois 3 formas de ser:

(1) Ser como ser, em si, além de absoluto. (Deus como ser em si e para si existe).

(2) Ser absoluto envolvendo em si o não-ser e fazendo-o ser. (Deus como para nós existe).

(3) Ser relativo. (Deus como em nós existe.)

É-nos impossível pensar ser sem como oposto a não-ser, ser como não sendo não-ser, ou o não-ser como ser sendo não-ser. 

O ser como ser, e o não-ser como não-ser são-nos impensáveis. Pensar o ser absolutamente seria... Pensar o não-ser seria não pensar, o que nos é impossível quando pensamos. Isto é assim, porque somos ser e não-ser.







Tudo quanto existe envolve contradição, porque envolve o ser o ser e o não-ser ao mesmo tempo. Porque envolve o ser quanto a nós, e não ser quanto a Deus. Mas o que é esse nós? 

A condição da existência racional é não envolver contradição; a da existência real é precisamente o envolvê-la. Mas então como se dá o acordo entre o racional e o real? 

Esse acordo é como que parcial. Esse acordo toca na realidade pelo que ela tem de ser ; não pelo lado de não-ser. Assim o movimento é racionalmente provado, mas permanece racional-realmente inconcebível. 


É que o ser é racional; o não-ser irracional; porque o racional é essencialmente o que é ; e o irracional o que não é 


Veja-se, note-se, de resto, a própria expressão não-ser , como é um nada real para o pensamento. Assim o irreal do mundo.

Só Deus é que está acima do ser como do não-ser; superior à possibilidade de contradição; acima de lhe haver mesmo um não-Deus oposto. 


Bem sei que isto se torna incompreensível, mas com a nossa limitação, não podemos senão chegar a este apontar ridículo para uma porta fechada.














"A vontade é apenas a consciência de um movimento do nosso espírito em relação e em direcção ao exterior, ao qual corresponde um movimento centrífugo no nosso sistema nervoso. Ora já Ihe provei que a qualquer movimento no espaço corresponde uma idealização no tempo; portanto a esse movimento centrífugo deve corresponder uma idealização centrífuga. A isso chamamos nós vontade.

— `O sentimento e a vontade´, continua o Professor Serzedas, `são os resultados materiais do indivíduo ser limitado como pensamento. Como a ferrugem ataca o ferro inusado, assim o sentimento e a vontade são as consequências naturais de sermos cada um de nós um pensamento limitado.´

`Mas´, objectei, `nesse caso porque é que nós, sendo mais pensamento do que por exp., um átomo, temos mais sentimento e vontade — e não menos, como seria de esperar, sendo as coisas como o Professor diz...´

`Porque, meu caro amigo, dentro do número quanto maior um número é mais número é sem dúvida, mas tão longe do infinito está o menor como o maior número. De modo que não tendo nós vantagem alguma sobre o átomo em absoluto , o que somos é mais complexamente limitados do que ele, donde segue que mais complexa e completamente devemos apresentar o sentimento e a vontade, estigmas da limitação. Compreende?´

`Perfeitamente, perfeitamente´.

`O caso é o seguinte: o átomo ocupa por exemplo na escala dos seres o lugar três e um homem o lugar dois milhões. Ora 3 está mais perto , por assim dizer, de zero onde, idealmente, a escala principia, como idealmente acaba em infinito. Ora, como já lhes provei, este zero é outro modo de dizer infinito, de modo que 3 está ao mesmo tempo mais perto e mais longe (por assim dizer) do infinito do que 2 milhões, isto é, nós; é mais e menos pensamento do que nós somos. Analisando de perto as naturezas comparadas nossa e a do átomo ver-se-á como as partes concordam connosco. 

É sempre a concordância do real com o pensamento. Assim vemos que o átomo concebe, deve por força conceber, o universo como uma coisa vaga, vazia, irreal. Ora aqui está no que o átomo é mais pensamento do que nós, em que Deus está mais visível no átomo do que em nós; para ele sem dúvida que o mundo é irreal. Assim o mais baixo para o pensamento corresponde-se com o mais alto... 

Para nós o mundo existe muito mais realmente do que para o átomo; o que quer dizer que pensamos mais (...). 
A identidade dos contrários — vê-se meus amigos — não é uma palavra vã. É preciso, porém, só saber interpretá-la.

Por que é, por exemplo, que o materialismo extremo — aquele que nem a ideia de causa deixa de pé —, se confunde com o idealismo extremo? Porque produz o Hegelianismo materialistas complexos e completos?

Repare-se que a evolução do mundo é uma evolução em complexidade.

A nossa diversidade do átomo é em complexidade; isto é material. A evolução deve ser rectilínea em pensamento.

*

`Reflectindo bem´, continua o professor Serzedas, `não há sentimento nem vontade. Porque o essencial para que os haja é que delas haja de algum modo consciência. Implicam-na. Logo, se lhes é basilarmente necessária a consciência, como a todo o facto psíquico, segue, meus caros amigos, que são apenas como qualquer coisa do mundo externo, dados da percepção... 

Da percepção interna, direis, e portanto, não da percepção propriamente. Demoremo-nos aqui; há aqui que analisar.

O sentimento e a vontade são a consciência de movimentos ou centrípetos (sentimentos) ou centrífugos (vontade): eis tudo. 

Ora para que cada um de nós possa ter essa consciência é preciso que a tenha em si só como indivíduo, isto é, como sendo aquela percepção, sua e não de outro. Resulta daqui que se dá uma limitação da consciência, e o sentimento meu não é senão o sentimento de nós como consciências parciais, limitadas, imperfeitas, (números)... 

É evidente que esta consciência de si como limitado deve dar qualquer coisa de novo ao psiquismo.
De mais a mais o sentir uma realidade dentro de nós...

Deus não sente nem quer, mas sente e quer porque em nós quer e sente, limitado em nós (...).


*

`O antropomorfismo...´, disse eu.

`O antropomorfismo´, replicou o professor, `tem isto de errado: que não considera que o que nós chamamos sentimento e vontade não são coisa que Deus possa ter, nem sequer concebido como personalidade. Sentimento e vontade são faculdades que só um ser limitado, inabsoluto pode ter. 

Somos, não o pensamento — isso Deus é, para com o mundo, em relação ao mundo — mas fragmentos de pensamento, formas de pensar, números na série das formas de conceber. Do facto de sermos limitadamente pensamento (porque cada número é limitado) vem que, como não podemos ter uma concepção total integral do mundo, nada podemos (...) nem criar; pelo que temos de nos esforçar por visionar o que vamos fazer — daí a vontade. 

O pensamento absoluto totalmente exclui, porque totalmente inclui e contém, sem obrigadamente a conter — a vontade... Do mesmo modo o sentimento é o resultado de cada um ter o seu mundo, (...) e do esforço da `vontade´.

Falar na vontade de Deus, ou em qualquer sentimento de Deus eis o erro. Deus concebido por nós (em si não sabemos o que é) é o pensamento absoluto, ou o pensador absoluto. 

A única faculdade nossa que tem que ver com o absoluto é o pensamento; e a percepção (que é `pensamento´, pelas razões que já sabe) a única que concebe uma realidade. Tanto o sentimento como a vontade são individuais.

A única `faculdade´ que podemos conceber Deus como tendo, admitindo, ao conceber, que isso é relativamente a nós, é o pensamento.

Uma lei é a exteriorização de um pensamento. É com justiça que se chama leis às ordens dos fenómenos, e leis às que o homem impõe às sociedades... 

Estas são imperfeitas, porque imperfeito é o nosso pensamento; mas é justa a identidade do nome, porque há identidade de causa."







O pensamento visiona; o visionar do pensamento absoluto é o mundo. É visionado por nós e em nós, numericamente; por isso o vemos todos de um modo basilarmente igual e superficialmente diverso.

Quando visionamos uma coisa, o próprio visionar é criá-la; a própria visão dela é ela existir. Como porém, o nosso pensamento não é absoluto, essa criação não é absoluta — isto é, não pertence ao sistema do mundo.

A percepção, a memória, a imaginação - continua o próprio Serzedas - são actos em nós idênticos ao acto criativo do mundo; reproduzimos a criação, falhando em fazê-la uma criação absoluta, simplesmente porque não temos o pensamento absoluto.

Ora, sendo o pensamento uno, chegamos à conclusão que pensamos porque Deus pensa em nós, e pensamos limitada — porque diversamente, e diversa porque numericamente.

Para Deus pensar o número foi realizar o número em si totalmente, não em si, ainda que em si, em cada número individual.


Quando pensamos o universo, quando o visionamos, a nossa visão do universo e esse universo como visionado são a mesma coisa. 




Se concebermos em lugar do nosso pensamento, um pensamento absoluto, veremos que ele, logicamente, não pode conceber senão uma coisa absoluta, não um universo portanto, mas a ideia do universo, o infinito da série quanto a universo, a possibilidade de todos os universos portanto. 

Essa concepção, fragmentada por nós, dá o resultado que, sendo absoluta é criadora, mas sendo limitada em cada um de nós diferente e individual, é não ideia, não possível, mas realidade, real. 


Daí cada consciência ver um universo real, daí o ver cada um, um universo diferente, em graus e apenas graus de limites diferentes, desde o átomo ao homem.




O ser o pensamento divino absoluto dá resultado serem os nossos universos basilarmente iguais nisto em serem reais , e basilarmente parecidos nisto em serem pensados , portanto sujeitos a leis (porque a lei é a forma do pensamento). 

Daí a realidade que não é mais que, o que de fundamento comum há nos nossos pensamentos.

A verdade é a base comum a todas as consciências no ter consciência. Eu, raciocinando assim, remonto a Deus. Não posso compreender intimamente porque são parte do concebido, mas posso compreender, dentro dos meus limites, até onde lhe mostrei que compreendi.

Tudo quanto pensamos é real, verdadeiro... A mentira, a irrealidade é o nada, e o nada o nada é. Tudo o que pensamos é real, porque o pensamos, e o pensamento é a realidade e realmente Deus é que em nós diferenciadamente pensa. Não é real porque diferentemente pensa, porque numericamente pensamos...

Por isso todos os sistemas filosóficos são certos, e criados todos. Só certos no que afirmam, e errados no que negam, porque negar é sempre erro metafísico — o único sofisma — pois é afirmar que uma coisa não é , quando a própria discussão dessa coisa (que temos para podermos afirmar que ela não existe) é, por pensada, existente.

É assim que o panteísmo tem razão em dizer que Deus pensa em nós, e o antipanteísmo em dizer que pensamos fora de Deus; é assim que o materialista tem razão porque o mundo é real, e o idealista também porque o real não é real...

A prova que Deus pensa em nós é que temos corpo. Deus pensa-nos, por isso fisicamente somos; por isso também pensamos. O nosso corpo é a mostra visual da nossa limitação.

Um fakir que, com uma lucidez que exclua tudo, se visione suspenso no ar, encontrar-se-á suspenso no ar. Pode não se lembrar da intensidade com que viu, mas isso é mais uma prova: indica que a atenção foi tão tomada que não deixa lugar à consciência da atenção, e à memória dessa atenção portanto.

O fantasma, é, quanto a mim, possível. É uma enorme visionação inconsciente, cuja intensidade, superior à normal, vai meio a caminho de criar uma realidade.

Mas no fantasma de facto desconhecido...

— Isso é mais complexo, mas explicável ainda assim...





Fernando Pessoa
"O vencedor do tempo - Serzedas"







Nada surge do nada...













t.








































0 comentários:

Enviar um comentário