"Thousands of theories, grotesque, extraordinary, profound, on the world, on man, on all problems that pertain to metaphysics have passed through my mind.
I have had in me thousands of philosophies not any two of which — as if they were real — agreed.
All the ideas I had if written down had been a great cheque on posterity; but by the very peculiar character of my mind, no sooner did the theory, the idea struck me that it disappeared, and after I ached to feel that one moment after I remembered nothing — absolutely nothing of what it might have been.
Thus memory, as all my other faculties predisposed me to live in a dream."
Fernando Pessoa
ex nihilo nihil fit...
“O pensamento, no mortal, é uma rudimentar concepção do mundo.
Deus pensa-nos e por nós e em nós.
Não pensa senão por nós, em
nós e nós — nós sendo o universo inteiro.”
Fernando Pessoa
“Donde vem a
Verdade-mais-erro de toda a teoria filosófica?
Cada
um de nós é Deus sendo ele, é
Deus pensando-se ele . Como,
por isso, cada um de nós é Deus, cada um de nós vê a verdade, tem a verdade em
si. Mas como cada um de nós, é, por pensamento de Deus não-Deus, não-ser, é
erro. Pensamo-nos como Deus.
Somos
determinados... Somos livres porque somos Deus, e porque Deus,
somos o determinante determinando-se a si-próprio, sendo livre, portanto,
porque o determinar-se a si é ser livre.
Dos
sistemas filosóficos os positivos erram por incompletos ; os negativos por parciais ; os criticistas e cepticistas... Todo o sistema positivo, o materialismo, por exp., peca por não ir até ao
fim. Tudo é matéria, diz. É certo. Mas a matéria é o total pensamento dela.
Portanto, tudo é matéria quer dizer que tudo é Deus, porque é o ser .
O
ser, para ser outro, tem de ser não-ser. Por isso a verdade para ser humana tem
de ser erro. Mas
o não-ser como existe? Só para o pensamento que o pensa como sendo não-ser .
O não-ser é o não-ser ; tem um ser , que é o do não-ser; pertence ao ser portanto.
Ser
tem dois sentidos; o de ser
absoluto , por ser para si,
no que absolutamente, pode ter; o de ser , como oposto a não-ser, que tem para
nós.
O
não-ser existe, é como
não-ser . Pensado como
não-ser, existe, porque como não-ser é pensado. Mas, para além deste pensamento não é, porque é não-ser. Não nos é possível pensar o
não-ser como não sendo, porque pensar é fazer
ser, e portanto pensar o
não-ser é fazê-lo ser, como não-ser.
Há
pois 3 formas de ser:
(1)
Ser como ser, em si, além de absoluto. (Deus como ser em si e para si existe).
(2)
Ser absoluto envolvendo em si o não-ser e fazendo-o ser. (Deus como para nós existe).
(3)
Ser relativo. (Deus como em nós existe.)
É-nos
impossível pensar ser sem como oposto a não-ser, ser como não sendo não-ser, ou
o não-ser como ser sendo não-ser.
O ser como ser, e o não-ser como não-ser
são-nos impensáveis. Pensar o ser absolutamente seria... Pensar o não-ser
seria não pensar, o que nos é impossível quando pensamos. Isto é assim, porque somos ser e não-ser.”
“Tudo quanto
existe envolve contradição, porque envolve o ser o ser e o não-ser ao mesmo tempo. Porque
envolve o ser quanto a nós, e não ser quanto a Deus. Mas o que é esse nós?
A
condição da existência racional é não envolver contradição; a da existência real é precisamente o envolvê-la. Mas então como se dá o acordo entre o racional e o real?
Esse
acordo é como que parcial. Esse acordo toca na realidade pelo que ela tem de ser ; não pelo lado de não-ser. Assim o
movimento é racionalmente provado, mas permanece racional-realmente
inconcebível.
É que o ser é racional; o não-ser irracional;
porque o racional é essencialmente o
que é ; e o irracional o que não é .
Veja-se, note-se, de resto, a
própria expressão não-ser , como é um nada real para o pensamento. Assim o irreal do mundo.
Só Deus é que está acima do ser como do não-ser; superior à
possibilidade de contradição; acima de lhe haver mesmo um não-Deus oposto.
Bem
sei que isto se torna incompreensível, mas com a nossa limitação, não podemos
senão chegar a este apontar ridículo para uma porta fechada.”
"A vontade é apenas a consciência de um
movimento do nosso espírito em relação e em direcção ao exterior, ao qual
corresponde um movimento centrífugo no nosso sistema nervoso. Ora já Ihe provei
que a qualquer movimento no espaço corresponde uma idealização no tempo; portanto a
esse movimento centrífugo deve corresponder uma idealização centrífuga. A isso
chamamos nós vontade.
— `O sentimento e a vontade´, continua o
Professor Serzedas, `são os resultados materiais do indivíduo ser limitado como
pensamento. Como a ferrugem ataca o ferro inusado, assim o sentimento e a
vontade são as consequências naturais de sermos cada um de nós um pensamento
limitado.´
— `Mas´, objectei, `nesse caso porque é que nós,
sendo mais pensamento do que por exp., um átomo, temos mais sentimento e vontade
— e não menos, como seria de esperar, sendo as coisas como o Professor diz...´
— `Porque, meu caro amigo, dentro do número
quanto maior um número é mais número é sem dúvida, mas tão longe do infinito
está o menor como o maior número. De modo que não tendo nós vantagem alguma
sobre o átomo em absoluto , o que somos é mais complexamente limitados do que
ele, donde segue que mais complexa e completamente devemos apresentar o
sentimento e a vontade, estigmas da limitação. Compreende?´
— `Perfeitamente, perfeitamente´.
— `O caso é o seguinte: o átomo ocupa por
exemplo na escala dos seres o lugar três e um homem o lugar dois milhões. Ora 3
está mais perto , por assim dizer, de zero onde, idealmente, a escala
principia, como idealmente acaba em infinito. Ora, como já lhes provei, este
zero é outro modo de dizer infinito, de modo que 3 está ao mesmo tempo mais
perto e mais longe (por assim dizer) do infinito do que 2 milhões, isto é, nós;
é mais e menos pensamento do que nós somos. Analisando de perto as naturezas
comparadas nossa e a do átomo ver-se-á como as partes concordam connosco.
É
sempre a concordância do real com o pensamento. Assim vemos que o átomo
concebe, deve por força conceber, o universo como uma coisa vaga, vazia, irreal.
Ora aqui está no que o átomo é mais pensamento do que nós, em que Deus está
mais visível no átomo do que em nós; para ele sem dúvida que o mundo é irreal.
Assim o mais baixo para o pensamento corresponde-se com o mais alto...
Para nós
o mundo existe muito mais realmente do que para o átomo; o que quer dizer que
pensamos mais (...).
A identidade dos contrários — vê-se meus amigos — não é
uma palavra vã. É preciso, porém, só saber interpretá-la.
Por que é, por exemplo, que o materialismo
extremo — aquele que nem a ideia de causa deixa de pé —, se confunde com o
idealismo extremo? Porque produz o Hegelianismo materialistas complexos e
completos?
Repare-se que a evolução do mundo é uma evolução
em complexidade.
A nossa diversidade do átomo é em complexidade;
isto é material. A evolução deve ser rectilínea em pensamento.
*
— `Reflectindo bem´, continua o professor
Serzedas, `não há sentimento nem vontade. Porque o essencial para que os haja é
que delas haja de algum modo consciência. Implicam-na. Logo, se lhes é
basilarmente necessária a consciência, como a todo o facto psíquico, segue,
meus caros amigos, que são apenas como qualquer coisa do mundo externo, dados
da percepção...
Da percepção interna, direis, e portanto, não da percepção
propriamente. Demoremo-nos aqui; há aqui que analisar.
O sentimento e a vontade são a consciência de
movimentos ou centrípetos (sentimentos) ou centrífugos (vontade): eis tudo.
Ora
para que cada um de nós possa ter essa consciência é preciso que a tenha em si
só como indivíduo, isto é, como sendo aquela percepção, sua e não de outro.
Resulta daqui que se dá uma limitação da consciência, e o sentimento meu não
é senão o sentimento de nós como consciências parciais, limitadas,
imperfeitas, (números)...
É evidente que esta consciência de si como limitado
deve dar qualquer coisa de novo ao psiquismo.
De mais a mais o sentir uma realidade dentro de
nós...
Deus não sente nem quer, mas sente e quer porque
em nós quer e sente, limitado em nós (...).
*
— `O antropomorfismo...´, disse eu.
— `O antropomorfismo´, replicou o professor, `tem isto de errado: que não considera que o que nós chamamos sentimento e
vontade não são coisa que Deus possa ter, nem sequer concebido como
personalidade. Sentimento e vontade são faculdades que só um ser limitado,
inabsoluto pode ter.
Somos, não o pensamento — isso Deus é, para com o mundo,
em relação ao mundo — mas fragmentos de pensamento, formas de pensar, números
na série das formas de conceber. Do facto de sermos limitadamente pensamento
(porque cada número é limitado) vem que, como não podemos ter uma concepção
total integral do mundo, nada podemos (...) nem criar; pelo que temos de nos
esforçar por visionar o que vamos fazer — daí a vontade.
O pensamento absoluto
totalmente exclui, porque totalmente inclui e contém, sem obrigadamente a
conter — a vontade... Do mesmo modo o sentimento é o resultado de cada um ter
o seu mundo, (...) e do esforço da `vontade´.
Falar na vontade de Deus, ou em qualquer
sentimento de Deus eis o erro. Deus concebido por nós (em si não sabemos o que
é) é o pensamento absoluto, ou o pensador absoluto.
A única faculdade nossa
que tem que ver com o absoluto é o pensamento; e a percepção (que é `pensamento´,
pelas razões que já sabe) a única que concebe uma realidade. Tanto o sentimento
como a vontade são individuais.
A única `faculdade´ que podemos conceber Deus
como tendo, admitindo, ao conceber, que isso é relativamente a nós, é o
pensamento.
Uma lei é a exteriorização de um pensamento. É
com justiça que se chama leis às ordens dos fenómenos, e leis às que o homem impõe
às sociedades...
Estas são imperfeitas, porque imperfeito é o nosso pensamento;
mas é justa a identidade do nome, porque há identidade de causa."
“O
pensamento visiona; o visionar do pensamento absoluto é o mundo. É visionado
por nós e em nós, numericamente; por isso o vemos todos de um modo basilarmente
igual e superficialmente diverso.
Quando
visionamos uma coisa, o próprio visionar é criá-la; a própria visão dela é ela
existir. Como porém, o nosso pensamento não é absoluto, essa criação não é
absoluta — isto é, não pertence ao sistema do mundo.
A
percepção, a memória, a imaginação - continua o próprio Serzedas - são actos em
nós idênticos ao acto criativo do mundo; reproduzimos a criação, falhando em
fazê-la uma criação absoluta, simplesmente porque não temos o pensamento
absoluto.
Ora,
sendo o pensamento uno, chegamos à conclusão que pensamos porque Deus pensa em
nós, e pensamos limitada — porque diversamente, e diversa porque numericamente.
Para
Deus pensar o número foi realizar o número em si totalmente, não em si, ainda
que em si, em cada número individual.
Quando
pensamos o universo, quando o visionamos, a nossa visão do universo e esse
universo como visionado são a mesma coisa.
Se concebermos em lugar do nosso
pensamento, um pensamento absoluto, veremos que ele, logicamente, não pode
conceber senão uma coisa absoluta, não um universo portanto, mas a ideia do
universo, o infinito da série quanto a universo, a possibilidade de todos os
universos portanto.
Essa concepção, fragmentada por nós, dá o resultado que,
sendo absoluta é criadora, mas sendo limitada em cada um de nós diferente e
individual, é não ideia, não possível, mas realidade, real.
Daí cada
consciência ver um universo real, daí o ver cada um, um universo diferente, em
graus e apenas graus de limites diferentes, desde o átomo ao homem.
O
ser o pensamento divino absoluto dá resultado serem os nossos universos
basilarmente iguais nisto em serem reais , e basilarmente parecidos
nisto em serem pensados , portanto sujeitos a leis (porque a lei é a
forma do pensamento).
Daí a realidade que não é mais que, o que de
fundamento comum há nos nossos pensamentos.
A
verdade é a base comum a todas as consciências no ter consciência. Eu,
raciocinando assim, remonto a Deus. Não posso compreender intimamente porque
são parte do concebido, mas posso compreender, dentro dos meus limites, até
onde lhe mostrei que compreendi.
Tudo
quanto pensamos é real, verdadeiro... A mentira, a irrealidade é o nada, e o
nada o nada é. Tudo o que pensamos é real, porque o pensamos, e o pensamento é
a realidade e realmente Deus é que em nós diferenciadamente pensa. Não é real
porque diferentemente pensa, porque numericamente pensamos...
Por
isso todos os sistemas filosóficos são certos, e criados todos. Só certos no
que afirmam, e errados no que negam, porque negar é sempre erro
metafísico — o único sofisma — pois é afirmar que uma coisa não é ,
quando a própria discussão dessa coisa (que temos para podermos afirmar que ela
não existe) é, por pensada, existente.
É
assim que o panteísmo tem razão em dizer que Deus pensa em nós, e o
antipanteísmo em dizer que pensamos fora
de Deus; é assim que o materialista tem razão porque o mundo é real, e o
idealista também porque o real não é real...
A
prova que Deus pensa em nós é que temos corpo. Deus pensa-nos, por isso
fisicamente somos; por isso também pensamos. O nosso corpo é a mostra visual da
nossa limitação.
Um
fakir que, com uma lucidez que exclua tudo, se visione suspenso no ar,
encontrar-se-á suspenso no ar. Pode não se lembrar da intensidade com que viu,
mas isso é mais uma prova: indica que a atenção foi tão tomada que não deixa
lugar à consciência da atenção, e à memória dessa atenção portanto.
O
fantasma, é, quanto a mim, possível. É uma enorme visionação inconsciente, cuja
intensidade, superior à normal, vai meio a caminho de criar uma realidade.
—
Mas no fantasma de facto desconhecido...
—
Isso é mais complexo, mas explicável ainda assim...”
Fernando Pessoa
"O vencedor do tempo - Serzedas"
"O vencedor do tempo - Serzedas"
Nada surge do nada...
t.
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