The ideal is a fiction, a
myth;
it is not a reality…
“When
you observe why the idea becomes important, when you are aware why the pattern
has assumed such an extraordinary significance, you can see why it does.
Because,
first of all, it tends to postpone action: I am violent and I have this
marvelous idea of non-violence, which is an ideal, and I can pursue that ideal
and not act because I am still trying to be non-violent.
Therefore, it is an escape from the fact
of violence. If I have no ideal of non-violence, I can deal with the fact.
So the ideal becomes a distraction; the ideal is a fiction, a
myth; it is not a reality. The reality is what is, which is violence.
And
we think that by having an ideal like non-violence, we can push violence out of
ourselves, which never takes place, which can never take place. Because when we deal with facts
alone, there is an operation, not when we deal with ideas.
So that is one of the reasons: an idea or a
pattern offers a means of postponing, of escaping from the fact; and the idea
becomes important to give continuity to a particular act.
I
did this yesterday, I will do this today and tomorrow, it gives a continuity or
becomes a habit which prevents action. This is merely carrying out a certain formula and therefore
it becomes mechanical. Life is not mechanical; it has to be lived, it is action
changing every minute.
So ideas offer a means of postponing action. Therefore the more ideas, the more
ideals you have, the more inactive you are.
Please
do see this: when you act from an idea you are not active, because you are
living your life in a world of fiction without any reality.
So
escape, postponement, offering a continuity, which gives you a habit, and
functioning from a habit, that is memory and therefore mechanical.
So
you can see, ideas do not bring passion. I think it is very important to understand this: to act,
you must have passion; to do, you must have strong feelings; otherwise, it
becomes mechanical.
You cannot have strong, intense,
immediate feeling and passion if you have ideas.”
Jiddu Krishnamurti
"Collected Works"
The ideal
and the
reality...
"O medo, o prazer, o sofrimento, o pensamento e a violência
estão relacionados entre si. A maioria encontra prazer na violência, em não
gostar de alguém, em odiar uma dada raça ou grupo de pessoas, em nutrir
sentimentos hostis para com os outros.
Mas, no estado mental em que a violência
desapareceu completamente, há uma alegria muito diferente do prazer da
violência, com os seus conflitos, rancores e temores.
Podemos penetrar a raiz da violência e dela nos livrarmos?
De
contrário, viveremos a batalhar perenemente uns com os outros. Se é dessa
maneira que desejais viver, e aparentemente a maioria das pessoas o deseja, continuai então assim; se dizeis: `Ora, sinto muito, mas a violência nunca
terá fim, jamais acabará´, nesse caso vós e eu não temos possibilidade de
comungar, uma vez que vos emparedastes; mas se dizeis que talvez exista uma
diferente maneira de viver, teremos então a possibilidade de comunhão.
Consideremos, pois, juntos, aqueles de nós que têm a capacidade
de comungar, se existe alguma possibilidade de acabarmos totalmente com
qualquer forma de violência em nós mesmos existente, e ao mesmo tempo vivermos
neste mundo monstruoso e brutal. Acho que é possível.
Não desejo ter em mim a
mais leve
sombra de ódio, de ciúme, de ansiedade ou
medo. Desejo viver
completamente em paz. Mas
isso não significa que desejo morrer.
Desejo viver
nesta terra maravilhosa, tão cheia de vida, de riqueza e de beleza! Desejo
olhar as árvores, as flores, os rios, os prados, as mulheres, as crianças, e ao
mesmo tempo viver completamente em paz comigo mesmo e com o mundo.
O que posso
fazer?
Se soubermos olhar a violência, não só exteriormente, na
sociedade, guerras, rebeliões, antagonismos nacionais e conflitos de classes, mas também em nós mesmos, talvez então tenhamos a possibilidade de
transcendê-la.
Este é um problema muito complexo. Há séculos e séculos que o
homem é violento; as religiões, em todo o mundo, tentaram amansá-lo, e nenhuma
delas foi bem-sucedida.
Assim, se vamos examinar esta questão, devemos, acho eu,
encará-la com toda a seriedade, porque esse exame nos levará a um domínio
completamente diferente.
Mas se desejamos meramente entreter-nos
intelectualmente com o problema, não iremos muito longe.
Podeis pensar que da vossa parte esse problema vos interessa
seriamente, mas, uma vez que há tanta gente no mundo que não o leva a sério e
não se mostra disposta a tomar alguma medida em relação a ele, de que serve
fazerdes alguma coisa? Não me importa se os outros o levam a sério ou não; eu o
levo a sério, e tanto basta.
Eu não sou o guarda do meu irmão. Eu, da minha
parte, como ente humano, sinto-me fortemente interessado nesta questão da
violência, e farei o necessário para eu próprio não ser violento; mas não posso
dizer a vós nem a ninguém: `Não sejais violento´. Isso não tem
significação alguma, a não ser que também não desejeis sê-lo. Assim, se
pessoalmente desejais compreender o problema da violência, prossigamos juntos a
nossa viagem de exploração.
O problema da violência é exterior ou interior?
Desejais
resolver o problema no mundo exterior,
ou estais a questionar a
violência em
si, tal como
em vós existe?
Se, interiormente, em vós mesmos, estais livre da
violência, surge logo a pergunta:
`Como posso viver num mundo cheio de
violência, ganância, avidez,
inveja, brutalidade?
Não serei destruído?´
Esta alusão às palavras de Caim, após assassinar Abel, é a pergunta que
inevitável e invariavelmente se faz. Fazer tal pergunta, não me pareceis
estar a viver realmente em paz.
Se viveis pacificamente, não tendes problema de
espécie alguma. Podeis ir para a prisão se vos recusardes a alistar-vos no
exército, ou ser fuzilado se vos recusardes a combater; mas isso não é
problema: sereis fuzilado. É extremamente importante compreender isso.
Estamos a tentar compreender a violência como um facto, não como
uma ideia; como um facto existente no ente humano, e o ente humano sou eu. E,
para examinar o problema, eu tenho de ser completamente vulnerável, aberto a
ele. Tenho de desmascarar-me a mim mesmo; não há necessidade de me desmascarar
diante de vós, porque isso talvez não vos interesse, mas devo estar num
estado mental que queira levar o exame completamente a cabo, sem me deter em
nenhum ponto, e dizer: ´não irei mais adiante´.
Ora, devo ver bem claramente que sou um ente
humano violento.
Tenho experimentado a
violência na cólera, nos apetites sexuais, no
ódio, no
criar inimizades, no ciúme etc.
Tendo-a experimentado, conhecido, digo para mim: `Desejo compreender este problema integralmente, e não apenas um
fragmento seu, conforme se expressa na guerra; quero compreender essa
agressividade existente no homem e que também existe nos animais, dos quais
faço parte´.
Violência não é meramente assassinar.
Há violência no uso de uma
palavra áspera, num gesto de desprezo, na obediência motivada pelo medo.
A
violência, portanto, não é apenas a carnificina organizada, em nome de Deus, da
sociedade, da pátria. A violência é muito mais subtil e profunda, e nós queremos
investigar as suas últimas profundezas.
Quando vos denominais indiano, ou maometano,
ou cristão, ou
europeu, ou o que quer que seja,
estais a ser violento.
Sabeis por quê?
Porque
vos estais a separar do resto da humanidade.
Quando vos separais, pela crença,
pela
nacionalidade, pela tradição, gera-se a
violência. Assim, o homem que
deseja
compreender a violência, não deve pertencer a
nenhuma nação, nenhuma
religião, nenhum
partido político ou sistema partidário; o que deve
interessá-lo é a compreensão total da
humanidade.
Pois bem; há duas escolas principais de pensamento que se
interessam pela violência. Uma delas diz: `A violência é inata no
homem´; a outra diz: `A violência é o resultado da herança social e
cultural do homem´. Não nos interessa a escola a que pertenceis, pois isso
não tem importância nenhuma.
O importante é o facto de que somos violentos e não
a razão desse facto.
Uma das expressões da violência mais comuns é a cólera. Quando
atacam a minha esposa ou a minha irmã, sinto-me justamente encolerizado; quando são
atacados a minha pátria, as minhas ideias, os meus princípios, a minha maneira
de vida, fico também justamente encolerizado. Sinto também cólera, quando são
atacados os meus hábitos, as minhas insignificantes opiniões.
Se me pisais no
pé ou me insultais, enraiveço-me, ou se fugis com a minha mulher sinto ciúme, um
ciúme também justo, porque ela é `minha propriedade´. Todas essas manifestações
de cólera são moralmente justificadas. Também se justifica o matar pela pátria.
Assim, falar a respeito da cólera, que faz parte da violência, consideramo-la
em termos de cólera justa e cólera injusta, conforme as nossas próprias
inclinações ou as pressões do ambiente ou a consideramos como cólera
simplesmente? Existe cólera justa? Ou só existe a cólera?
Não há influência boa
ou influência má, só há influência; mas quando sou influenciado por uma coisa
que não me convém, chamo-lhe má influência.
Se protegeis a vossa família, a vossa pátria, um trapo colorido
chamado bandeira, uma crença, uma ideia, um dogma, aquilo que quereis possuir
ou que já tendes nas mãos, essa própria protecção denota cólera.
Assim, podeis
olhar a cólera sem nenhuma explicação ou justificação, sem dizerdes: `Tenho de proteger o que é meu´ ou `Tive razão para me
encolerizar´ ou `Que estupidez minha, ter-me encolerizado´?
Podeis olhar a cólera como uma coisa em si? Podeis olhá-la de maneira
completamente nova, quer dizer, sem defendê-la, nem condenada? Podeis?
Posso olhar-vos se vos sou hostil ou se vos considero uma pessoa
excelente? Só posso ver-vos, quando vos olho com certo cuidado em que não esteja
contida nenhuma dessas coisas.
Ora, posso eu olhar a cólera da mesma maneira, o que significa
que sou vulnerável ao problema, que não resisto a ele, que estou a observar,
que estou a observar esse extraordinário fenómeno sem nenhuma reacção a ele?
É muito difícil considerar a cólera desapaixonadamente,
porquanto ela faz parte de mim, mas é isso o que estou a tentar fazer. Aqui
estou eu, um ente humano violento, não importa se sou preto, se sou moreno,
branco ou vermelho. Não importa se herdei essa violência ou se a sociedade a
produziu. Só isto me importa: `Se é possível libertar-me dela´.
Livrar-me da violência significa tudo para mim.
É-me mais importante do que o
sexo, o alimento,
a posição, porque essa coisa me corrompe.
Estou a
destruir-me e a destruir o mundo, e
preciso compreender a violência,
transcendê-la.
Sinto-me responsável por toda a cólera e toda a
violência
existentes no mundo.
Sinto-me responsável, e isso não são meras palavras. Digo para comigo: `Só posso fazer alguma coisa se eu próprio transcender
a cólera, a violência, a nacionalidade´. É esse meu sentimento de que devo
compreender a violência em mim existente e me confere uma estupenda vitalidade e
paixão para compreendê-la.
Mas, para transcender a violência, não posso
reprimi-la,
negá-la, não posso dizer: `Ora, ela
faz parte de mim, e está acabado´ ou `Eu não a
quero´. Tenho de enfrentá-la, de estudá-la, de
entrar em
intimidade com ela, e essa intimidade
não é possível se a condeno ou justifico.
Entretanto, na verdade, nós a condenamos e justificamos. Por conseguinte, digo `Deixemos, por ora, de condená-la ou de justificá-la´.
Ora bem, se desejais acabar com a violência, acabar com as
guerras, quanta vitalidade, quanto de vós mesmos aplicais a isso?
Não vos
importa que os vossos filhos pequenos
sejam mortos, que os vossos filhos mais velhos
se
alistem no exército para serem maltratados e
abatidos como reses? Não vos
importa isso?
Deus meu! Se isso não vos importa, o que mais
vos importa?
Conservar o vosso dinheiro? Gozar
a vida? Tomar drogas? Não percebeis que a
violência em vós existente está a destruir os
vossos filhos? Ou a vedes apenas
como uma
espécie de abstracção?
Bem; se tendes interesse nisso, aplicai-vos de corpo e alma a
compreendê-lo. Não vos recosteis na cadeira, a dizer: `Está bem; conta-nos
toda a história´. Preciso fazer-vos ver que não se pode olhar a cólera nem
a violência com olhos que condenam ou justificam, e que, se a violência não
representa para vós um urgente problema, não podeis afastar aquelas duas
coisas.
Assim, em primeiro lugar, tendes de aprender;
tendes de aprender a
olhar a cólera, a olhar o
vosso marido, a vossa esposa, os vossos filhos:
tendes de
escutar o político, aprender porque
não sois objectivo, porque condenais ou
justificais. Tendes de aprender que condenais e
justificais porque isso faz
parte da estrutura social
em que viveis, faz parte do vosso
condicionamento
como alemão, indiano, negro,
americano, ou o que acaso sois por nascimento,
com toda a superficialidade mental resultante
desse condicionamento.
Para aprender,
para descobrir uma coisa fundamental, precisais de penetração. Se tendes um
instrumento obtuso, um instrumento insensível, não podeis penetrar profundamente.
Assim, o que agora estamos a fazer é aguçar o instrumento, que é a mente, essa mente que se insensibilizou por causa do justificar e do condenar. Só sereis
capaz de penetrar fundo se a vossa mente for penetrante como uma agulha e forte
como o aço.
De nada serve ficardes recostado e perguntar: `Como
chegarei a ter essa mente?´. Vós tendes de desejá-la assim como desejais a
vossa próxima refeição, e para a terdes deveis ver que o que está a tornar a vossa
mente insensível e estúpida é esse estado de invulnerabilidade que ergueu
muralhas ao redor dela e que faz parte da condenação e da justificação.
Se a
mente puder libertar-se desse estado, sereis então capaz de olhar, de estudar,
de penetrar, e assim, talvez, alcançar um estado totalmente consciente do
problema no seu todo.
Voltemos, pois, ao problema central: É possível erradicarmos a
violência em nós existente? É uma forma de violência dizer: `Não mudaste!
Por que não mudaste?´. Não é isso que estou a fazer. Para mim, nada
significa convencer-vos de uma coisa. Trata-se da vossa vida, e não da minha
vida. A vossa maneira de viver é da vossa própria conta.
O que pergunto é se é
possível a um ente humano que psicologicamente vive, e não importa em que sociedade,
se é possível a esse ente humano libertar-se interiormente da violência. Se é
possível, esse mesmo processo criará uma nova maneira de viver neste mundo.
A maioria aceita a violência como maneira de vida. Duas guerras
medonhas nada nos ensinaram a não ser a levantar mais e mais barreiras entre os
seres humanos, entre vós e mim. Mas, quanto àqueles que desejam libertar-se da
violência, o que se deve fazer?
Penso que nada se conseguirá através da análise,
feita por vós mesmos ou por um profissional.
Poderíamos, talvez, modificar-nos
ligeiramente, viver um pouco mais sossegadamente, com um pouco mais de afeição,
mas isso, por si só, não nos dará a percepção total. Mas eu preciso saber
analisar, pois, no processo da análise a mente se torna de sobremodo penetrante e
é essa capacidade de penetração, de atenção, de seriedade, que dará a percepção
total.
Ninguém tem olhos capazes de ver o todo num relance; essa clarividência
só é possível se podemos ver os detalhes e, depois, saltar.
Alguns dentre nós, a fim de se libertarem da violência, têm-se
servido de um conceito, de um ideal chamado `não violência´, e
pensamos que, tendo um ideal que seja o oposto da violência, a não-violência, podemos libertar-nos do facto, da coisa real; mas não podemos.
Temos tido inumeráveis
ideais, todos os livros
sagrados estão cheios deles, e contudo,
continuamos
violentos; portanto, por que não
enfrentar a própria violência e esquecer de
todo
a palavra?
Se desejais compreender a realidade, a isso
deveis aplicar toda
a vossa energia.
Essa atenção e energia são desviadas quando se
cria um mundo
fictício, ideal.
Assim, podeis banir completamente o ideal?
O homem que é
realmente sério, que sente a ânsia de descobrir o que é a verdade, o que é o
amor, não tem conceito de espécie alguma.
Só vive dentro de `o que é´.
Para investigar o facto da vossa própria cólera, não deveis
pronunciar julgamento sobre ela, porque no mesmo instante em que concebeis o
seu oposto, a estais a condenar, e por conseguinte, não podeis vê-la tal como
é.
Quando dizeis que não gostais ou que tendes ódio de alguém, isso é um facto,
embora pareça terrível. Se o olhais, se o examinais cabalmente, ele deixa de
existir; mas se disserdes: `Eu não devo odiar; devo ter amor no
coração´, ficais então a viver num mundo hipócrita, de duplos padrões.
Viver com plenitude no momento presente é viver
com o que é, o real, sem ideia
de condenação
ou justificação; então é quando compreendeis
tão completamente, que
ficais livre dele. Quando
se vê claramente, o problema está resolvido.
Mas, podeis ver claramente a face da violência, não só fora mas
também dentro de vós, o que significa que estais totalmente livre da violência,
uma vez que não aceitastes nenhuma ideologia, para por ela, vos
libertardes da violência?
Isso exige meditação muito profunda, e não uma
simples concordância ou discordância verbal.
Acabastes de ler uma série de asserções, mas
tereis compreendido
tudo? A vossa mente
condicionada, a vossa maneira de vida, a inteira
estrutura da
sociedade em que viveis, vos
impedem de olhar um facto e dele vos livrardes
imediatamente. Dizeis: `Vou pensar a respeito
disso; vou considerar se é
ou não possível
libertar-me da violência. Vou tentar ser livre´.
Esta é
uma das coisas mais terríveis que se
podem dizer: Vou tentar. Não há tentar,
não há
esforçar-se. Ou agimos ou não agimos. Estais a
admitir o tempo, com a
casa em chamas. A casa
está a arder, como resultado da violência
existente no
mundo inteiro e em vós mesmos, e dizeis:
`Vou pensar nisso. Qual é a melhor ideologia
para extinguir o fogo?´.
Quando a casa está em chamas, discutis
sobre a
cor dos cabelos do homem que traz a água?"
Jiddu Krishnamurti
"Liberte-se do condicionamento"
"Não sei mesmo se este espaço interior não será apenas uma nova dimensão do outro. Talvez a investigação científica do futuro venha a descobrir que tudo são dimensões do mesmo espaço, nem material nem espiritual por isso. Numa dimensão viveremos corpo; na outra viveremos alma. E há talvez outras dimensões onde vivemos outras coisas igualmente reais de nós. Apraz-me às vezes deixar-me possuir pela meditação inútil do ponto até onde esta investigação pode levar.
Talvez se descubra que aquilo a que chamamos Deus, e que tão patentemente está em outro plano que não a lógica e a realidade espacial e temporal, é um nosso modo de existência, uma sensação de nós em outra dimensão do ser. Isto não me parece impossível. Os sonhos também serão talvez ou ainda outra dimensão em que vivemos, ou um cruzamento de duas dimensões; como um corpo vive na altura, na largura e no comprimento, os nossos sonhos, quem sabe, viverão no ideal, no eu e no espaço. No espaço pela sua representação visível; no ideal pela sua apresentação de outro género que a da matéria; no eu pela sua íntima dimensão de nossos. O próprio Eu, o de cada um de nós, é talvez uma dimensão divina. Tudo isto é complexo e a seu tempo, sem dúvida, será determinado. Os sonhadores actuais são talvez os grandes precursores da ciência final do futuro. Não creio, é claro, numa ciência final do futuro. Mas isso nada tem para o caso.
Faço às vezes metafísica destas, com a atenção escrupulosa e respeitosa de quem trabalha deveras e faz ciência. Já disse que chega a ser possível que a esteja realmente fazendo. O essencial é eu não me orgulhar muito com isto, dado que o orgulho é prejudicial à exacta imparcialidade da precisão científica."
Fernando Pessoa
"Livro do desassossego"
t.
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