When passion
is a state of being...
"In most of us there is very little passion. We may be lustful, we may be longing for something, we may be wanting to escape from something, and all this does give one a certain intensity.
But unless we awaken and feel our way into this flame of passion without a cause, we shall not be able to understand that which we call sorrow.
To understand something you must have passion, the intensity of complete attention.
Where there is the passion for something, which produces contradiction, conflict, this pure flame of passion cannot be; and this pure flame of passion must exist in order to end sorrow, dissipate it completely."
Jiddu Krishnamurti
"The book of life"
"Um dos maiores problemas com que
se confronta cada um de nós é, parece-me, uma total falta
de intensidade no sentir.
Temos uma certa agitação emocional constante, relativamente às nossas actividades, o que se
deve fazer ou o que não se deve fazer.
Entusiasmamo-nos com coisas que, na realidade, não têm qualquer
importância.
Mas, segundo me parece, há falta de paixão, não por um
determinado fim a atingir, não por algum objectivo a alcançar; refiro-me à
capacidade de sentir com intensidade e força.
Geralmente, temos mentes muito superficiais, mentes limitadas, estreitas,
presas a uma rotina fútil, que funcionam sem problemas, a não ser que
aconteça um acidente qualquer; há então perturbação, mas, depois delas, as
nossas mentes voltam ao estado anterior, submetendo-se a uma nova rotina.
A
mente superficial não é capaz de encarar problemas. Tem problemas
inumeráveis, todo o problema da existência.
Mas invariavelmente traduz esses problemas extraordinariamente significativos,
que são os problemas da vida, de acordo com o seu entendimento superficial,
estreito, limitado, e procura desviar esta caudalosa corrente da vida para os
seus acanhados estreitos canais.
E é com isso que estamos confrontados agora, e
talvez sempre o tenhamos estado. Mas muito mais agora, dado que o desafio é muito
mais forte, e exige uma resposta igualmente intensa, igualmente enérgica,
igualmente viva.
Esta paixão a que nos referimos não é coisa que se possa cultivar facilmente, ao tomar determinada droga, ao ficar hipnotizado por certos ideais, etc..
Vem
naturalmente, tem de vir. Estou a usar propositadamente a palavra paixão. Em
geral, só empregamos esta palavra em relação ao sexo; ou quando se sofre
intensamente, `apaixonadamente´, tentando-se então terminar esse sofrimento.
Mas estou a usar a palavra paixão no sentido de um
estado da mente, um estado de ser, um estado da nossa íntima essência, se tal
coisa existe, que sente intensamente, que é altamente sensível, igualmente
sensível à sujidade, à sordidez, à pobreza, às enormes fortunas e à corrupção,
à beleza de uma árvore, de um pássaro, ao correr da água, ao lago que reflecte
o céu crepuscular. E necessário sentir tudo isso fortemente, intensamente.
Porque sem paixão a vida torna-se vazia, superficial e sem muito sentido.
Se somos incapazes de ver a beleza de uma
árvore e de sentir intensa afeição e interesse por ela, não
estamos vivos.
Uso as palavras `não estamos vivos´
intensionalmente, porque, neste país, a religião parece
estar completamente divorciada da beleza.
Se não somos sensíveis a essa extraordinária beleza da vida, à beleza de um
rosto, às linhas de um edifício, à forma de uma árvore, ao voo de um pássaro, à
canção da manhã, se não estamos atentos a tudo isso, se não sentimos
intensamente tudo isso, então, obviamente, a vida, que é cooperação e relação,
não tem nenhum sentido; estamos então a funcionar mecanicamente. É sobre isso
que gostaria de falar esta tarde.
Esta paixão não é devoção, não é sentimentalismo; e nada tem em comum com
sensualidade. Se a paixão tem algum motivo, ou se é inspirada por algum motivo,
ou se é paixão por alguma coisa, torna-se prazer e dor. Por favor compreendamos
isto.
Não tenho agora de entrar em detalhes, pois vamos continuar a investigar
esta questão. Se a paixão é estimulada sexualmente, ou se é paixão por alguma
coisa que se deseja atingir, se tem uma causa, se tem um fim em vista, então,
nessa chamada paixão há frustração, há dor, há a exigência da continuação do
prazer e, portanto, o medo de não ter esse prazer, a preocupação de evitar a
dor.
Assim, a paixão com um motivo, ou a paixão que é estimulada, acaba invariavelmente em desespero, dor, frustração, ansiedade.
Estamos a falar da paixão que não tem motivo algum,
e que é completamente diferente. Se existe ou não, é a vós que pertence
descobrir.
Mas sabemos que a paixão que é estimulada termina em desespero, em
ansiedade, em dor, ou na exigência de uma determinada forma de prazer. E nisso
há conflito, há contradição, há uma exigência constante.
Estamos a referir-nos
a uma paixão sem motivo. Essa paixão existe. Não tem nenhuma relação com
qualquer ganho ou perda pessoal, nem com as mesquinhas exigências de um
determinado prazer, ou a preocupação de evitar a dor.
Sem essa paixão não há possibilidade de se cooperar verdadeiramente, e
cooperação é vida, que é relação.
Tal cooperação não é a favor de uma ideia;
coopera-se, não porque se é levado a isso pelo Estado, nem porque se quer ter
uma recompensa ou evitar uma punição, nem porque se trabalha por um certo ideal
económico, por uma utopia; coopera-se, mas não no sentido de trabalhar em comum
por algum ideal, tudo isso, para nós, não leva à verdadeira cooperação.
Estou a referir-me ao espírito de cooperação. Se não cooperamos, não pode
haver autêntico relacionamento.
A vida exige que vós e eu cooperemos, façamos coisas juntos, trabalhemos
juntos, sintamos juntos, vivamos juntos, compreendamos coisas juntos.
E este
`sentido de união´ tem de ser ao mesmo tempo, tem de ter a mesma intensidade e
estar ao mesmo nível; de outro modo não há união.
Se observarmos bem este mundo
tão triste e destrutivo, vemos que a mente se está a tornar mecânica, rotineira, e no aspecto tecnológico, está a ser mantida num estreito canal.
E portanto, o
sentido de intensidade, a capacidade de sentir intensamente em relação a alguma
coisa desaparece gradualmente.
E se não somos capazes de sentir intensamente, é óbvio que a mente está insensibilizada, está entorpecida, está com medo, etc...
E se não somos capazes de sentir intensamente, é óbvio que a mente está insensibilizada, está entorpecida, está com medo, etc...
Assim, a paixão de que estamos a falar é um estado de ser. É realmente um
estado extraordinário, como hão-de ver se nele penetrarem, um estado sem mancha
de sofrimento, sem auto-compaixão, sem medo.
E para o compreender, temos de
compreender o desejo. Especialmente os que foram criados com ideias e sanções
religiosas de uma dada sociedade, onde a chamada religião tem uma grande
influência, pensam que, para `realizar´ o que chamam Deus, a mente tem de estar
sem desejo; acham que a ausência de desejo, o não ter desejo, é uma das
primeiras e mais importantes condições.
Provavelmente conheceis todos os livros que falam disto, todos os slokas (passagens de livros religiosos hindus) e tudo o resto. Conseguimos matar toda a paixão, excepto num único aspecto, sexualmente.
Provavelmente conheceis todos os livros que falam disto, todos os slokas (passagens de livros religiosos hindus) e tudo o resto. Conseguimos matar toda a paixão, excepto num único aspecto, sexualmente.
E conseguimos dominar o
desejo. A sociedade, a religião, a vida em comum, de tudo isso fizemos uma
coisa sem vitalidade, porque temos a ideia de que um homem, um ser humano
que sente de modo muito forte, muito próximo de um desejo intenso,
não tem possibilidade de compreender aquilo a que se chama Deus.
O que de mal há no desejo? Todos o temos, o sentimos, muito intensamente
ou de maneira vaga; todos sentem desejo, de uma ou de outra espécie. Que
mal há nele?
Por que aceitamos tão facilmente subjugar, destruir, perverter, reprimir o
desejo?
Porque, evidentemente, o desejo traz conflito, o desejo de
riqueza, posição, fama, etc. E alcançar fama, adquirir posses, desejar com
muita força, implica conflito, perturbação; e não desejamos ser
perturbados.
É só isso que procuramos essencialmente,
profundamente, não ser perturbados.
E quando nos vemos perturbados tentamos
encontrar uma saída dessa situação e voltar a instalar-nos num estado
reconfortante, onde nada nos venha perturbar.
Assim, o desejo é olhado por nós como uma perturbação. Reparemos nisto, por favor.
Assim, o desejo é olhado por nós como uma perturbação. Reparemos nisto, por favor.
Estamos a apontar factos psicológicos, não se
trata de uma questão de aceitar ou não aceitar, de concordar ou discordar.
São factos, e não opiniões minhas.
O desejo torna-se assim uma coisa que é
preciso controlar, reprimir; e portanto esforçamo-nos nesse sentido, custe
o que custar, não vamos deixar-nos perturbar, e tudo o que possa
perturbar deve ser reprimido, `sublimado´ ou posto de lado.
Como dissemos noutro dia e de novo dizemos em cada palestra, o que é importante não é ouvir as palavras, mas escutar realmente.
Como dissemos noutro dia e de novo dizemos em cada palestra, o que é importante não é ouvir as palavras, mas escutar realmente.
Há grande beleza no escutar.
Esta tarde, vimos da janela um pássaro, um alcião. Tinha um bico comprido e
penas brilhantes, de cor intensamente azul. Estava a chamar, com o seu canto, e
outra ave da mesme espécie, outro alcião, respondia ao longe. Ficar apenas a
escutá-lo, sem dizer, `E um alcião. Como é belo!´, ou `Como é feio!´, `Quem me
dera que aquela espécie de corvo parasse de grasnar!´, não sei se já alguma vez
escutaram com esse estado de espírito.
Escutar, simplesmente, quando não há nada a
lucrar, quando não há qualquer objectivo utilitário; escutar, quando não
se está a tentar alcançar, ou evitar, alguma coisa.
Ou olhar o sol
poente, aquele esplendor do entardecer, aquele brilho, aquele
pequeno retalho de lua crescente, olhar, apenas, e sentir intensamente
tudo isso.
Se escutarmos, de facto, nessa feliz disposição, tranquilamente, sem qualquer tensão, então o próprio acto de escutar é um verdadeiro milagre. Milagre, porque nessa acção, nesse momento, compreendemos tudo o que está contido no acto de escutar, de perceber, de ver; foram eliminadas todas as barreiras, e há espaço, entre nós e o mundo, e aquilo que estamos a escutar.
Precisamos de ter
esse espaço para observar, ver, escutar; quanto mais amplo, quanto mais profundo
ele for, mais beleza e profundidade haverá.
É algo de qualidade diferente surge quando há esse espaço entre nós e aquilo que estamos a escutar.
Não estou a ser poético, sentimental ou romântico.
Mas, na realidade, não sabemos escutar, escutar simplesmente, escutar a nossa
mulher, ou o nosso marido, que está a implicar, a questionar, a zangar-se ou a
arreliar-nos.
Quando apenas escutamos, compreendemos muito; e os céus
abrem-se-nos largamente. Façamos isso, de quando em quando; não o tentemos
apenas, façamo-lo, e descobriremos por nós mesmos.
Espero que estejais a escutar dessa maneira. Porque aquilo de que estamos a falar é algo que está além da mera palavra.
Espero que estejais a escutar dessa maneira. Porque aquilo de que estamos a falar é algo que está além da mera palavra.
A palavra não é a coisa. A palavra
`paixão´ não é paixão. Sentir aquilo que transcende a palavra, e deixar-se
`captar´ por isso, sem qualquer volição, sem directiva ou objectivo, escutar
aquilo a que se chama desejo, escutar os nossos próprios desejos, e temos
tantos, vagos ou intensos, então, quando os escutarmos, veremos o enorme mal
que fazemos quando reprimimos o desejo, quando o distorcemos, quando queremos
satisfazê-lo, quando queremos fazer alguma coisa em relação a ele, quando temos
uma opinião a seu respeito.
A maior parte das pessoas perdeu o sentir apaixonado.
Talvez o tenha tido outrora, na juventude, talvez apenas num vago murmúrio,
tornar-se rico, alcançar a fama, e viver uma vida burguesa, respeitável...
Mas a sociedade, que é o que nós somos, reprime o
sentir. E, assim, cada um é levado a ajustar-se àqueles que estão
`mortos´, que são `respeitáveis´, que não têm sequer uma centelha de paixão; e
passa então a fazer parte deles, perdendo assim o sentir apaixonado.
Para compreender todo este problema do desejo, temos de compreender o esforço. Porque, desde o momento em que vamos para a escola até morrermos, vivemos num constante esforço; a nossa mente, a nossa psicose, é um campo de batalha.
Nunca
há um momento de quietação, de descompressão, de liberdade; estamos sempre a
batalhar, a lutar, a esforçar-nos, a adquirir, a evitar, a acumular, é isto a
nossa vida!
Não estou a descrever uma coisa que não existe. A
nossa vida é esforço constante. Não sei se já notastes que quando não fazemos
qualquer esforço o que não quer dizer estagnar ou dormir, quando todo o nosso
ser está tranquilo, sem esforço, então vemos as coisas com muita clareza e
penetração, com vitalidade, energia, paixão.
Fazemos esforço, porque somos impelidos por dois ou mais desejos contrários. Estamos sempre a opor um desejo a outro desejo, o desejo de ter e o desejo de não ter, se temos realmente este problema... Mas se temos um só desejo, não há então problema nenhum. Procuramos satisfazê-lo implacavelmente, lógica ou ilogicamente, com todas as suas consequências, dor, prazer.
Mas como em geral somos um pouco civilizados, embora não demais... temos esses desejos contrários e assim há sempre uma batalha.
Fazemos esforço, porque somos impelidos por dois ou mais desejos contrários. Estamos sempre a opor um desejo a outro desejo, o desejo de ter e o desejo de não ter, se temos realmente este problema... Mas se temos um só desejo, não há então problema nenhum. Procuramos satisfazê-lo implacavelmente, lógica ou ilogicamente, com todas as suas consequências, dor, prazer.
Mas como em geral somos um pouco civilizados, embora não demais... temos esses desejos contrários e assim há sempre uma batalha.
Há o preceito religioso que manda viver sem desejo, o padrão, o ideal
estabelecido por este ou aquele instrutor, este ou aquele `guru´, por meio de
uma constante repetição. Há o padrão implantado na consciência, através de
séculos de propaganda, a que chamam `religião´.
E há também, por outro lado, o
desejo instintivo de cada um, em face das exigências, das pressões, das tensões
quotidianas. Há assim contradição entre o padrão religioso e o desejo. E a
pessoa tem de reprimir um e aceitar o outro, ou recusar o outro e não abandonar
aquele que tem, e tudo isso implica esforço.
Para mim, todo o acto de `volição´, todo o acto de desejo e o desejo é uma reacção, tem de trazer consigo esforço e contradição, e implica, portanto, uma mente dividida, dilacerada entre desejos inumeráveis.
Por exemplo, vê-se uma determinada coisa, um carro, um belo carro; tomamos contacto com ele por meio dos sentidos, e vem-nos então o desejo de o possuir. Ou podemos ter qualquer outra forma de desejo, mas podemos sempre observar por nós mesmos como o desejo nasce.
Quando nasce em nós qualquer desejo, temos
também consciência do desejo de o reprimir, desejo este inculcado pela
tradição, e que está profundamente enraizado nas pessoas. Mas quando
um desejo nasce, temos de dar-lhe atenção, de o compreender, de escutar todos
os indícios e sinais.
Temos de o escutar, em vez de o negar, de o reprimir, de o pôr de lado ou
de fugir-lhe. Não é possível fugir dos desejos.
Os `santos´ e `yogis´ são impelidos, dilacerados pelo desejo. Quando se
vestem como ascetas e se cobrem de cinzas, pensam que levam uma vida
simples. Nada disso. Interiormente estão em ebulição, tendo, ou não,
consciência disso, e não sabem o que hão-de fazer.
E assim tornam a sua
vida e a sua congregação de `santos´ uma coisa feia,
desumana, envenenada, cheia de ressentimentos. Porque quando não se
compreende o desejo, cria-se inimizade e antagonismo.
E por mais que se pregue a fraternidade isso não terá qualquer significado se não se compreender essa coisa tão simples chamada desejo. Se negamos o desejo, se dizemos, por exemplo: `Já passei por uma provação com esse desejo e não devo tê-lo mais´; então estamos meramente a comparar o desejo presente com uma experiência que já tivemos e se tornou uma lembrança que irá controlar o desejo. E assim ficamos de novo enredados na batalha.
Mas, ao nascer cada desejo, mesmo que da coisa mais simples, temos de observá-lo, de vê-lo nascer, viver, florescer, ganhar vitalidade. E se não o reprimirmos, se não o compararmos, se ele não for dominado pela lembrança daquela passada experiência, e se pudermos observá-lo com aquele espaço de que falámos, veremos então que esse desejo se transforma num sentir intenso e sem objecto, se transforma apenas num sentir.
Mas para quase todos nós, a vontade é que é
importante, necessária, ou pelo menos pensamos que o é. A vontade é uma corda
tecida de muitos desejos.
E no momento em que existe vontade, vontade de levar
até ao fim, ou vontade de negar, está-se num estado de resistência. E portanto
regressa-se outra vez a um estado de conflito.
Estamos a falar de uma mente amadurecida, que compreende o conflito. A
mente que compreende o conflito, que compreende toda esta questão de desejo, com
todos os seus problemas, está amadurecida, e só essa mente pode
compreender o que é real, o que é verdadeiro.
Só ela, e não a mente que
reprime o desejo, pode compreender a realidade. Porque para
compreender o que é verdadeiro, precisamos de paixão.
A paixão é uma energia extraordinária que nos impele e que não é estimulada,
nem movida pelo desejo.
É uma chama, e sem ela nenhuma transformação podemos
criar no mundo, porque o mundo está cheio de problemas.
E como fazemos parte do mundo, estamos cheios de problemas, os conflitos
entre marido e mulher, a desumanidade, o problema da fome, neste país, na
Ásia, em geral, etc.; os problemas da guerra; a chamada `paz´; o problema da
cooperação.
Há problemas, e não podemos evitá-los. Em nós,
existem a cada minuto, e consciente ou inconscientemente, estão a afectar a
nossa mente. E, ou os compreendemos quando eles surgem, quando tomamos
consciência deles, e compreendê-los é resolvê-los em nós, imediatamente, ou os
transportamos para o dia seguinte.
Transportá-los para o dia seguinte é o
verdadeiro problema, e não se resolveremos, ou não, os problemas. Porque quando
os transportamos para o dia seguinte, a mente torna-se insensível, entorpecida;
damos tempo ao problema para se enraizar na nossa mente. Portanto, submetemos
as células do cérebro a uma pressão, a uma tensão que as fatiga. Um cérebro
cansado não tem possibilidade de compreender. Precisamos de uma mente fresca,
em cada dia.
Assim, temos de compreender os problemas, e
não de os adiar.
E para compreender um problema, a primeira condição é não dizer `Tenho de o
resolver, tenho de encontrar uma resposta, preciso de descobrir uma saída; como
é que vou encontrar a solução correcta?´, não nos inquietarmos com o problema,
como um cão com um osso. Mas é só isso o que fazemos, e quanto mais nos
afligimos, tanto mais sérios nos julgamos.
Observai, por favor, as vossas mentes, a vossa vida, e não as palavras que se estão a dizer. Para resolver problemas, resolvê-los e não adiá-los, temos de olhar para eles; temos de ser bastante sensíveis, para observar as implicações, o significado, a natureza íntima de um problema.
Observai, por favor, as vossas mentes, a vossa vida, e não as palavras que se estão a dizer. Para resolver problemas, resolvê-los e não adiá-los, temos de olhar para eles; temos de ser bastante sensíveis, para observar as implicações, o significado, a natureza íntima de um problema.
Isso significa que temos de o
escutar, escutar todos os seus `murmúrios´, todo o seu significado, não apenas
verbalmente, mas ver, sentir, tocar o problema, com os olhos, nariz, ouvidos,
com todo o nosso ser.
Isso significa não ficar enredado na palavra que
aponta para o problema. Não sei se compreendeis que a palavra não é o problema.
A palavra `árvore´ não é árvore. Mas, para quase todos nós, a palavra é o que é
importante e não o que está por trás da palavra; o símbolo tem muito mais
significado do que o facto.
A mente tem, assim, de estar desperta, cheia de vitalidade, a observar, a
escutar cada problema. O problema existe, e não podemos negá-lo. Um
problema significa uma resposta a um desafio, e podemos
responder totalmente, completamente ou de modo inadequado.
Uma resposta inadequada ao desafio é que cria o problema. Não estamos sempre
despertos, não somos capazes de estar atentos, sensíveis, nas vinte e quatro
horas do dia; assim, as nossas respostas são inadequadas, e é isso que cria o
problema; além disso, não enfrentamos o problema imediatamente.
Enfrentar completamente o problema imediato, um pensamento, um sentimento, não
é tentar resolvê-lo, não é fugir dele, não é compará-lo, não é dizer: `Este é o
modo de o resolver´, todas as coisas vagas e absurdas de que a mente e o
cérebro se ocupam, na esperança de compreender o problema.
Encarar o problema de modo completo é escutá-lo,
estar sensível a ele. E não podemos estar sensíveis ao problema se estamos
a fugir dele, se o estamos a reprimir, se já temos para ele uma
`resposta´.
Começamos assim a ver que a mente tem de estar desperta e sensível. Estou a
usar a palavra mente para designar a interacção entre o cérebro e a `coisa´ que
controla o cérebro, pois a mente não é formada apenas pelos nervos, pelas
células cerebrais; ela é aquilo que não só é transcendente, mas também é
constituída por células, a coisa total.
A mente de quase todos nós está sobrecarregada de
inúmeros problemas, e em cada dia lhes juntamos outros. Assim, todo o nosso ser
se torna insensível, e perdemos toda a sensibilidade. E quando não somos
sensíveis, fazemos esforço.
Vejamos, por favor, o círculo vicioso em que
estamos enredados.
Assim, é necessário compreender o desejo. Temos de compreender o desejo, e
não de `viver sem desejo´. Se se mata o desejo, fica-se paralisado. Quando
olhamos aquele pôr-do-sol à nossa frente, o próprio acto de olhar é
um encantamento, se somos realmente sensíveis.
Isso também é desejo, o encantamento. E se não somos capazes de ver o pôr-do-sol e de nos encantarmos com ele, não somos sensíveis. Se vemos um homem rico num belo automóvel e não somos capazes de gostar de ver isso, não porque desejamos tal coisa, mas simplesmente por vermos alguém a guiar um belo carro, ou se, ao vermos um pobre ser humano, sujo, esfarrapado, inculto, desesperado, não sentimos uma pena imensa, afeição, amor, não somos sensíveis.
Isso também é desejo, o encantamento. E se não somos capazes de ver o pôr-do-sol e de nos encantarmos com ele, não somos sensíveis. Se vemos um homem rico num belo automóvel e não somos capazes de gostar de ver isso, não porque desejamos tal coisa, mas simplesmente por vermos alguém a guiar um belo carro, ou se, ao vermos um pobre ser humano, sujo, esfarrapado, inculto, desesperado, não sentimos uma pena imensa, afeição, amor, não somos sensíveis.
Como podemos então encontrar a Realidade se não
temos essa sensibilidade, esse sentir profundo?
Temos, assim, de compreender o desejo.
Temos, assim, de compreender o desejo.
E para compreender cada incitamento
do desejo, temos de ter espaço, e de não tentar preencher esse espaço com
os nossos pensamentos ou lembranças, ou com a preocupação de como
satisfazer ou destruir esse desejo.
Dessa compreensão nasce, então, o amor.
Geralmente, não temos amor, não sabemos o que ele significa.
Conhecemos o prazer, conhecemos a dor. Conhecemos a inconsistência do
prazer e, provavelmente, a continuidade da dor.
E conhecemos o prazer
sexual e também o prazer de alcançar fama, posição, prestígio, e o
prazer de exercer um enorme domínio sobre o próprio corpo, como os
ascetas, de manter um `record´..., conhecemos todas estas coisas.
Falamos
interminavelmente acerca do amor; mas não sabemos o que ele
significa, porque não compreendemos o desejo, que é o começo do amor.
Sem amor não há verdadeira moralidade; o que há é ajustamento a um padrão,
social ou supostamente religioso. Sem amor não há virtude, integridade.
O amor é espontâneo, real, vivo. E a bondade não é uma coisa que se
possa criar pelo exercício constante; é espontânea, como o amor. A virtude
não é uma lembrança de acordo com a qual funcionamos como ser humano
`virtuoso´.
Se não temos amor, não somos bondosos. Podemos
frequentar templos, levar uma vida familiar extremamente respeitável,
seguir as regras da moral social, mas não somos bondosos.
O nosso coração é estéril, vazio, está
insensível, entorpecido, por não compreendermos o desejo. A vida,
portanto, torna-se um constante campo de batalha e o esforço
só termina com a morte. Só termina com a morte, porque só sabemos
viver com esforço.
Assim, para compreender o desejo precisamos de compreender, de escutar, cada
movimento da mente e do coração, cada alteração, cada mudança do
pensamento e do sentir, precisamos de observar o desejo, de nos
tornarmos sensíveis, despertos a ele.
Não podemos tornar-nos sensíveis ao desejo se
o condenarmos ou se o compararmos. Temos de estar muito atentos ao
desejo, porque ele nos dará uma compreensão imensa.
E
dessa compreensão nasce a sensibilidade. Somos então sensíveis, e não
só fisicamente sensíveis à beleza, à sujidade, às estrelas, ao sorriso ou
às lágrimas, e sensíveis também a todos os murmúrios, a todos os
sussurros que nos povoam a mente, aos nossos secretos medos e
esperanças.
E desse escutar, desse observar, vem a paixão, esta paixão igual ao amor.
Só neste estado se é capaz de cooperar.
E porque se é capaz de cooperar,
também só neste estado se pode saber quando não se deve cooperar.
Assim com esta profunda compreensão e vigilância, a mente torna-se eficiente, lúcida, cheia de vitalidade e de vigor; e só uma mente assim pode viajar para muito longe."
Assim com esta profunda compreensão e vigilância, a mente torna-se eficiente, lúcida, cheia de vitalidade e de vigor; e só uma mente assim pode viajar para muito longe."
Jiddu Krishnamurti
"O despertar da sensibilidade"
t.
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