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domingo, 3 de abril de 2016

The end of Fear...








"Being and not‑Being, in argument, whether as ideas, or as things, are possessed of Being.

Materialism. When Materialism says that the natural argument of the immortality of the soul is wrong, it neglects to analyse what this argument contains. It contains these elements: idea of persistence, idea of a life beyond.

To say, as the materialists say, that man conceives an eternal life because of his horror of death, of extinction is to fall into error. Primarily, man might, as the animal, have an instinct of life without necessarily, say, from it to an eternal life.

When Materialism says man fears extinction does it consider the statement? 
Does it think that man stands of fear of nothing? Similarly with Idea of God."

Fernando Pessoa










The end
of

Fear...












"Nesta tarde, cumpre-nos considerar vários assuntos, entre os quais a importância de o ente humano transformar-se, num ambiente, sociedade ou cultura onde impera a corrupção e a desintegração. É bem visível a necessidade de alterar-se o ambiente, ou seja a sociedade, a religião, a cultura, etc., e esse problema torna-se bem mais importante porque pensamos que a estrutura social, a comunidade, o mundo que nos rodeia, não podem ser transformados por um só indivíduo, um só ente humano. 


Que importância tem um indivíduo, um ente humano transformar-se quando, em torno dele, há tanto caos, e aflição, e confusão, tanta loucura?





Esta é, a meu ver, uma pergunta errónea, porquanto o ente humano é o resultado da cultura em que vive. Já que ele mesmo criou a cultura, a sociedade, o ambiente, transformando-se a si próprio, estará transformar o ambiente. Ele é o mundo, e o mundo que o circunda é ele próprio. Não há divisão entre ele e o mundo. Esta é uma coisa que deve ser claramente compreendida, logo de início, ou seja que não há separação entre o indivíduo e a comunidade. 


A palavra indivíduo significa uma entidade indivisível. A maioria dos entes humanos estão divididos, fragmentados, e isso resulta, em parte, da sociedade e da cultura em que vivem.

Importa, pois, compreender o facto de que os entes humanos resultam do ambiente em que vivem. Vós, que nascestes neste país, sois hindus, muçulmanos, etc. Os nascidos no Ocidente são cristãos, divididos em católicos e protestantes, e respectivas subdivisões. 

Ora, logicamente, intelectualmente, pode-se admitir esse facto como ideia, matéria para raciocínio, mas daí não se passa, pois parecemos incapazes de traduzi-lo em acção. 

E, se possível, trataremos, nesta tarde, não apenas do conflito do homem e, portanto, do mundo, isto é, do conflito existente dentro do homem e nas suas relações com o mundo, o conflito entre os vários factores da fragmentação, cada fragmento contra os outros fragmentos que compõem o ente humano, mas consideraremos também se é possível o ente humano libertar-se totalmente desses conflitos, já que só assim poderá ele conhecer o significado do amor e também, talvez, compreender a pleno o significado da morte e do viver. Assim, em primeiro lugar precisamos compreender o que o conflito faz à mente humana.


Em todo o mundo os entes humanos estão em conflito, dentro de si mesmos, com os seus semelhantes, com o mundo, com o ambiente de que fazem parte. E enquanto não compreendermos este problema e por nós mesmos descobrirmos se há possibilidade de, definitiva e totalmente, pormos termo ao conflito, nunca conseguiremos viver em paz com nós mesmos nem com a sociedade.





Só a mente que está inteiramente em paz (mas não a dormir), a mente que não se põe hipnoticamente num estado que ela considera ser um estado de paz, a mente que está realmente em paz, só esta pode descobrir o que é a verdade, o que significa viver, o que significa morrer, e conhecer o amor em toda a sua profundeza e amplidão.


Vamos primeiramente investigar, em comum, porque o homem vive em conflito, porque viveis em conflito. Não sei se estais consciente, se vedes que interiormente estais fragmentado, dividido. Sois negociante e chefe de família; sois artista e, ao mesmo tempo, ávido e invejoso, buscais poder, prestígio, fama. Sois cientista e também um ente humano como os outros, insignificante e vulgar. Como entes humanos estamos fragmentados, interiormente divididos, e a menos que vos torneis conscientes de estardes realmente fragmentados, a menos que compreendais totalmente este facto, a vossa mente será incapaz de percepção.

Só a mente que não está a ser torturada, deformada, só a mente lúcida, livre de quaisquer marcas de conflito, pode ver o que é a verdade e, por conseguinte, ser capaz de viver. Ora, precisamos estar bem conscientes desse problema, desse conflito tanto individual como social. Qual a sua causa fundamental? 





Existe por culpa do ambiente, da educação que recebemos, da cultura em que vivemos? É por culpa do ambiente que vos vedes em conflito, constantemente, dia e noite, do nascer ao morrer? 
Se percebeis realmente que, em vós mesmos, estais fragmentado, dividido, em contradição, já deveis então ter perguntado a vós mesmos por que razão vive o homem nesse estado.


E fostes vós que criastes o ambiente, a sociedade em que viveis, as religiões e deuses que aceitastes. Os vossos deuses são projecções vossas. Sois, portanto, responsável pelo conflito, pelo ambiente, pela sociedade em que viveis, por todas as crenças, dogmas e rituais. Sois, total e absolutamente, responsável pelo ambiente e pela sociedade em que viveis. Assim, uma vez consciente, intensa e apaixonadamente consciente, e não apenas verbalmente, de que sois o mundo e o mundo sois vós, que acontece?



Não sei se já indagastes porque existe conflito no homem, em vós. Se já o fizestes, qual a resposta? Buscais a resposta no que outro disse, Sankara ou Buda, etc, buscais a resposta em alguma autoridade? É isso que fazeis ao vos interrogardes porque como ente humano responsável por toda a estrutura do ambiente em que viveis e do qual fazeis parte, existe em vós esse conflito? 
Pode alguém responder por vós a essa pergunta? 

Se outros vos responderem, tal resposta será mera descrição, mera explicação. Mas, nem a explicação, nem a descrição são a coisa explicada ou descrita.


Cabe-vos, portanto, desconsiderar de todo a autoridade. Cumpre-vos descobrir porque vos achais em conflito, e para o descobrirdes, necessitais de energia. Necessitais de abundante energia para descobrirdes por vós mesmos a razão por que o homem, vós, vive em conflito.






























Ora, ao investigar a causa do conflito, fazeis uso do intelecto, como instrumento de análise, não é verdade? Fazeis uso do intelecto como instrumento de análise, e por meio dele, esperais descobrir a causa do conflito. 

O intelecto é uma parte, um fragmento da totalidade. Esperais encontrar a solução de tamanha questão por meio de uma coisa fragmentária, chamada `intelecto´, o único instrumento que possuís. Assim, indagar a causa do conflito por meio do intelecto, só obtereis uma resposta parcial, pois o intelecto é fraccionário, não é, portanto, o instrumento adequado. E isso significa que deveis desfazer-vos já desse instrumento e achar outro de diferente espécie.

Até agora temo-nos servido do intelecto como meio analítico de descobrirmos porque o homem sofre, porque vive em conflito; e o intelecto é um fragmento do todo. O homem não é só intelecto; é também sistema nervoso, emoções, etc. E, com uma parte dessa estrutura, queremos descobrir a causa do sofrimento e conflito do homem. Quando se examina com um instrumento fraccionário, a compreensão será sempre parcial, e por conseguinte, incompleta.



E deveis ver, também, que necessitais de energia, não? 

Ora, a energia que temos está dividida, é também fragmentária. 
Na fragmentação há energia. 
Em cada fragmento há energia, assim como no calor há energia; e no controlá-la, há também energia.

Dividimos, pois, a energia em fragmentos, ao passo que a energia humana, a energia cósmica, toda e qualquer espécie de energia é um movimento unitário. 































Como dissemos, necessitamos de energia para compreendermos a estrutura e natureza do conflito e fazê-lo cessar. Necessita-se de intensa energia, e não de energia fragmentária, como quando dizemos: `Preciso libertar-me do conflito´.

Quem é o `eu´ que diz: `devo livrar-me do conflito´ ou `devo reprimi-lo´? É uma fracção de energia a falar de outra fracção de energia. São, portanto, energias em conflito. Estamos a indagar qual é a causa desse conflito. 


É bem fácil achá-la: a causa é o observador separado da coisa observada. Há, em vós, o `observador´, que olha aquela árvore com os seus conhecimentos, o seu condicionamento, trazidos do passado, e a olha como coisa separada de si próprio.




O `observador´ diz: `Faça isto, não faça aquilo´. 
O observador tem certos valores, certos juízos e é, em verdade, o censor, que está sempre a observar, a rejeitar, a controlar, e a separar-se da coisa que está a observar. 

Se, ao sentirdes cólera ou ciúme, vos observardes atentamente, vereis que existe o observador que diz: `Estou enciumado, encolerizado´. O dar nome à reacção, o chamá-la `cólera´, separa-o da cólera.

Sois capaz de olhar aquela árvore sem lhe dar nome, sem deixar interferir o pensamento, que é reacção da memória, sois capaz de observá-la simplesmente? 
A esse respeito falamos sumariamente na reunião anterior; dissemos que olhais para a árvore através da imagem que dela tendes, e portanto, não a estais a olhar realmente. 

De modo idêntico, se tendes uma imagem da vossa esposa, marido ou amigo, olhais para a pessoa através dessa imagem. Há, pois, dualidade. Essa divisão entre o observador e a coisa observada é a essência mesma do conflito, da divisão.


Quando sinto cólera, nesse momento não há observador. Prestai atenção: vou examinar esta questão passo a passo. Acompanhai-me, observem a vós mesmos, observem o que em vós mesmos está a ocorrer. Ao sentirdes cólera, nesse momento, nesse segundo, não há observador; um segundo após entra em cena o observador, diz:
`Estive encolerizado´. O observador se separou da cólera, deu-lhe nome, deu nome ao sentimento. Deu-lhe nome para reforçar a memória. A memória diz: `Estive encolerizado´. A memória é o censor que diz: `Não devia ter-me encolerizado; devo ser generoso, não reagir, dar-lhe a outra face´. A reacção da memória, como pensamento, se torna o observador separado da coisa observada e a dizer: `Tenho cólera, ciúme, inveja´. O observador procura, então, reprimir a inveja, e começa o conflito.


Assim, onde há observador e coisa observada, lá está a raiz do conflito.


Ora, é possível observar-se a cólera sem o `observador´? Esta é a questão imediata. No momento da cólera ou do prazer, não há observador; um segundo após, aparece o observador. O observador é o `censor´, o `registador´, as células cerebrais, em que se conservam as `memórias´, e por consequência, o observador diz: `Devo, não devo, quero mais, quero menos´. 
Assim, perguntamos: Pode haver observação sem o `observador´? Entendeis? Esta é uma questão imensa. 

Estamos condicionados para criar esse conflito que surge quando há um observador diferente da coisa observada. Tal é a nossa tradição, a nossa condição, o resultado da nossa cultura. 






E, se funcionamos com base no hábito, há desperdício de energia. E quando reagimos prontamente, isto é, quando o `observador´ reage imediatamente a uma emoção, a reacção provém sempre do velho cérebro. 
Estamos agora a perguntar se pode haver observação sem o `observador´. Para se pôr fim a um hábito, uma tradição, sem conflito, requer-se energia.



Simplificando: `Estou encolerizado´; neste momento não há `observador´, como `eu´, a dizer: `Estou encolerizado´. Um segundo após, surge a entidade `observador´. Essa entidade é o `censor´, que diz: `Não devo encolerizar-me´. A reacção do observador vem da tradição, do hábito, do velho cérebro, e dissipa energia, quando necessitamos da nossa energia total para observar sem o `observador´. 


Estais-me a seguir?



Formulemos de modo diferente a questão: O que é a vossa vida, a vossa vida de cada dia, não a vossa vida ideológica, a vida que gostaríeis de ter ou esperais ter: a vossa vida real de cada dia. 

`O que é´? O que é a vossa vida? Uma batalha, não? 
Com ocasionais lampejos de prazer, prazer sexual ou outras formas de prazer sensual. A vossa vida é uma constante batalha. Pode essa batalha cessar?


Para pordes fim a essa batalha, deveis olhar todo o campo da existência; não apenas uma parte dele: a sua totalidade. No nosso estado actual somos incapazes de observar o campo inteiro, o todo, porque dividimos a vida em vida de negócios, vida de família, vida religiosa, etc.; e como cada uma dessas fracções tem a sua própria energia activa, cada fragmento está oposto aos outros fragmentos, e assim, essas energias fragmentárias estão a dissipar a nossa energia total.






Pode-se olhar o campo inteiro, a nossa complexa existência, o seu aspecto económico, social, familiar, pessoal, comunitário, como um só todo, percebê-lo totalmente? 

Para percebê-lo totalmente, necessitamos de uma mente não fragmentada. Como consegui-la? 
Como pode a mente fragmentada sacudir todos os fragmentos, para ter uma percepção total? 
Entendeis esta pergunta? 


Não posso ver o inteiro e complexo campo da existência através de uma estreita fresta a que chamo `intelecto´. Não posso vê-lo, porque o intelecto é um fragmento e não posso servir-me de um fragmento para compreender o todo. Eis um facto muito simples. 






Deve haver uma diferente espécie de percepção e essa espécie de percepção só existe quando o observador está ausente, quando podeis olhar uma árvore sem nenhuma imagem, quando podeis olhar a vossa esposa ou marido sem imagem de espécie alguma, quando podeis olhar o muçulmano e o muçulmano poder olhar-vos, sem as respectivas imagens. 

Essas imagens são produzidas pelo observador, e se percebeis esta verdade, não como simples dedução lógica, porém como facto real e verdadeiro, como quando vedes a perigosidade de uma serpente, actuais imediatamente.






Assim, ao verdes a verdade de que há conflito sempre que há observador, e o observador é o produtor de imagens, é tradição, é a entidade condicionada, é o censor, ao verdes esta verdade, estareis então a observar sem observador e vendo a totalidade da existência.



Tem a mente, então, uma energia tremenda, porque a sua energia não está a ser dissipada. Nós dissipamos energia no controlar. Já observastes um sannyasi ou um monge que fez os votos de celibato e de pobreza? 
Quantas torturas não atravessa ele por causa da imagem que tem de que a Verdade só será descoberta se ele for celibatário, senão, diz ele, haverá desperdício de energia pela actividade sexual. 

Para encontrar a Realidade, ele necessita da sua energia total, mas acha-se, interiormente, empenhado numa batalha. Compreendestes? Tem ele, portanto, a imagem de que deve ser celibatário; essa imagem cria a divisão entre ele próprio e o que realmente é.








Ora,se puderdes observar`o que é´, sem o censor, haverá transformação de `o que é´. Sou violento; e esta é, aparentemente, a condição humana normal: ser violento. 

Sou violento; no momento da violência não há observador; este só aparece segundos após, diz:`Não devo ser violento´. Isso, porque tenho uma imagem, um ideal da `não violência´, que me impede de observar a violência. Assim, digo para mim: `Tornar-me-ei cada dia menos violento; dia por dia alcançarei o estado final de não-violência´.


Ora, o que implica este simples facto de que sou violento e um dia serei `não-violento´? 






Implica, em primeiro lugar, que existe `observador´ e `coisa observada´, e em segundo lugar que, antes de alcançar o estado de `não-violência´, o `observador´ estará a semear os germes da violência. E há, também, o factor tempo, ou seja o tempo que decorrerá até ele se tornar completamente `não-violento´, o espaço entre a violência e a `não-violência´. 

Nesse espaço, sobrevêm outros factores, de maneira que ele nunca ficará livre da violência. Observa-se que as pessoas que falam incessantemente sobre `não-violência´ são extremamente violentas; porque, alegando que, no fim de certo tempo, alcançarão o estado de não-violência, nesse intervalo continuam violentas.


O facto, pois, é a violência; `o que é´ é a violência. Esse facto posso observar, mas tal observação só é possível quando a mente não está ocupada com o ideal da `não-violência´. Então é capaz de observar `o que é´. 

Ora, como observais `o que é´? Com a vossa mente condicionada, que diz: `Não devo ser violento´? 
Com a imagem que tendes a respeito da violência?

Ou existe uma qualidade de observação sem a palavra, sem a imagem? Observar sem imagem requer abundante energia. 

Observar sem imagem, não desperdiçais energia, a reprimir ou a transformar o que observais (a violência) ou a seguir um ideal de `não-violência´.


Examinemos agora, pela mesma maneira, o problema relativo a isso que chamamos `amor´. 

Já vimos o que é que chamamos viver: uma coisa artificial, uma batalha; e investigar essa questão, vimos que é possível, não intelectualmente, porém realmente, livrar-nos desse conflito. 

Investiguemos, agora, a fundo, o que é o amor, não segundo a vossa opinião ou a opinião ou conclusão de alguém: o que ele realmente é. 
O que é o amor? 


É prazer, é desejo, é sexo, ciúme, posse, domínio, dependência? 



Se dependeis, estais na rede do medo. Se dependo da minha mulher, porque ela me proporciona prazer sexual, se dela dependo para ter conforto, companhia, essa dependência gera medo, essa dependência gera ciúme, ódio, antagonismo, espírito de posse, desejo de domínio. Isso é amor? Indagai, examinai, descobri. 
O prazer, associado ao sexo, é amor?


E porque se tornou o sexo tão desmedidamente importante na nossa vida? Porque, senhores, porque no mundo moderno, e também na antiguidade, fizémos do sexo uma coisa de colossal importância? Porque se diz que não podemos alcançar a realidade, o esclarecimento, se temos actividades sexuais? Vejamos.


Em primeiro lugar, cumpre investigar o que é prazer. Vedes uma bela árvore, uma nuvem formosa, o rosto encantador de uma criança, as belas feições de um homem ou de uma mulher; o que acontece então? 

Vedes os suaves raios da Lua a reflectir sobre as águas com tanta beleza, e logo a seguir, chega o pensamento, diz: `Que bela experiência! Preciso repeti-la amanhã´.
Estais a prestar atenção? O pensamento, que é reacção da memória, ao ter aquela bela experiência diz: `Quero repeti-la amanhã´.

No momento da percepção daquela luz espelhada na água, nada havia, nem prazer, nem o desejo de repetição. Era a plena e absoluta percepção da beleza. Veio depois o pensamento: `Vamos repetir isso amanhã; vamos olhar novamente aquelas águas´. Já se trata, pois, de prazer: a repetição de uma `experiência´ que o pensamento reduziu a prazer; é desse modo que o pensamento dá continuidade e força ao prazer. 
É preciso compreender isso. 

Na semana passada sofrestes uma dor física, uma terrível dor de dentes. Temeis que ela volte amanhã, na próxima semana; está em acção o pensamento.



O pensamento sustenta tanto o prazer como o medo. 






























Em tomo do amor, se ergueu uma estrutura de prazer, e por essa razão, os santos e as religiões dizem: `Não olheis uma mulher; reprimi, controlai o desejo´. 
E o que acontece é ficardes empenhado numa batalha, a dissipar energia. O que é, pois, o amor? É prazer, medo? 
O medo é ciúme, violência. Quando possuís a vossa esposa, quando a chamais `minha´, isso não é violência? E violência é amor?

Estamos agora a perguntar porque é que os entes humanos fizeram do sexo uma coisa tão importante. Já reflectistes sobre isso? 
Já observastes porque, na vossa vida, o sexo se tornou de tamanha relevância? 




Já notastes como a vossa vida é mecânica, trabalhar todos os dias, repetir, repetir sempre, e quanto sois mecânico, a citar os vossos livros religiosos, a praticar os vossos rituais, a vos denominar de hindus, muçulmanos, cristãos, comunistas e sabe Deus o que mais? Tudo hábito mecânico, tudo repetição!






Só uma coisa possuís fora dessa existência de competição e repetição: o sexo. Mas vós o reduzistes a um hábito que vos alivia do tédio da vida. Convertestes, pois, o amor numa coisa mecânica, numa fonte de prazer. Isso é amor?


Para descobrirdes o que é o amor, tendes de rejeitar tudo o que ele não é. Essa rejeição implica compreensão do que é o prazer. É necessário compreendê-lo, em vez de se dizer: `Devo rejeitar o prazer´, o que equivale a dizer:`devo rejeitar o desejo´. Para isso é que fostes educado, isto é, para aceitar a tradição de que o desejo é pecaminoso e que é necessário transcendê-lo.


Ao admirardes uma árvore, a beleza de uma folha, a dança da sua sombra, sentis grande deleite. 
Que mal há nisso? 
Porque negastes a beleza, a vossa vida se tornou mecânica. 


Nunca olhais as árvores; preferis derrubá-las; nunca olhais para o céu, as nuvens, a beleza da paisagem, porque, no fundo da vossa mente, entretendes a ideia de que, para ser verdadeiramente religioso, não deve o homem olhar para as coisas belas, porque a beleza pode lembrar a mulher. 
Eis o que chamais religião, eis o caminho que estais a trilhar para achar Deus. 


Para achardes a realidade, necessitais de uma mente livre, e não de uma mente torturada; necessitais de amor sem ciúmes nem temores. Ignorais o que significa amar, o quanto isso é belo, porque não sabeis o que exprime viver uma vida de beleza, livre de conflito: só conheceis o viver sujeito a tal ou tal padrão, e portanto, fragmentário. 





Separastes o viver do morrer. 
Vede o que isso implica.










































A morte lá está, à distância. Podeis afastá-la do pensamento, mas sabeis que qualquer dia ela chegará; por isso, inventamos teorias, como a reencarnação. Existe uma próxima vida? Se credes na reencarnação, se credes que o que sereis na próxima vida dependerá do que tiverdes feito nesta vida, então a vida presente é bem mais importante do que a vida futura, quer dizer, muito importa o que fazeis agora, a maneira como vos comportais agora é relevante. 

Mas, na realidade, não credes na reencarnação. É uma mera teoria que vos proporciona uma temporária consolação. 
Se nela crêsseis verdadeiramente, então, em cada minuto do dia teria peso, cada acção, significado. 

Portanto, agora é o momento de serdes virtuoso, e não na próxima vida. 




Não sei se estais a compreender bem. Tendes incontáveis teorias a respeito da morte, e nunca a olhastes de frente.


Tratai, pois, de descobrir a natureza da morte enquanto estais vivo, cheio de vitalidade e energia; não o deixeis para quando estiverdes prostrado pela doença, inconsciente ou cheio de dores e de aflição. Não é nesse instante que podeis descobrir o que é a morte, e sim, quando sois capaz de olhar, de andar, de observar, de estar consciente do mundo exterior e interior, de compreender o que é viver e o que significa amar.


O que é, pois, a morte? Os velhos fazem esta pergunta por medo, porque estão perto de morrer. A velha geração nada vos oferece senão teorias sobre a morte. Nada tem para vos oferecer de tradicional ou de actual. Que vos deram eles, cultural, social, economicamente? 


Vede, senhor, o que eles vos deram: uma estrutura social corrompida, cheia de iniquidade, uma estrutura que fomenta a guerra, o nacionalismo, etc. Qualquer homem inteligente rejeita totalmente tal estrutura, inclusive a respectiva moralidade. 

O que pode, pois, oferecer-vos a velha geração, que teme a morte? Nada, senão palavras e mais palavras, e medo. Não aceiteis, pois, o que outro homem disser sobre a morte. Tratai de descobrir o seu significado.






O que significa morrer, não de velhice, paralisia, doença, acidente, mas agora, aqui sentados, conscientes, despertos, a escutar com uma mente verdadeiramente séria? 



Estamos a perguntar o que é morrer, o que é não ter medo. Não sabeis o que significa morrer; só sabeis o que significa findar, isto é, o fim das coisas que conheceis, do vosso saber acumulado, das vossas esperanças, da vossa família, da vossa esposa, dos vossos filhos, que pensais amar; se deveras os amásseis, teríeis um mundo diferente. 

O que significa, pois, morrer? Temeis o fim do conhecido; não temeis a morte, porque dela não sabeis absolutamente nada. Que temeis, então? O fim do conhecido? E, o que é o conhecido? São as vossas `memórias´, todo o conjunto das vossas tribulações, dos vossos móveis, da vossa casa, ressentimentos acumulados, conflitos, tristezas; a tudo isso estais apegado e dizeis: `Não quero morrer´. É disso que tendes medo, de largar o conhecido, e não da morte? 




Ora, largai o conhecido, largai as vossas lembranças, largai todos os vossos prazeres, `memórias´ acumuladas, pesares, ânsias; morram por inteiro para tudo isso, para terdes uma mente de todo nova. Eis o que significa morrer: não levar para diante as vossas `memórias´, as vossas fúteis ou deleitáveis experiências. Vivei, em cada dia, sem acumulação, e sabereis o que significa morrer completamente, de modo que a mente seja amanhã nova, juvenil, `inocente´, cheia de energia. 

De contrário, não importa o que façais, se não tendes amor, se não tendes a compreensão da beleza desse morrer, jamais tereis acesso àquilo que é inominável."


Jiddu Krishnamurti
"O novo ente humano"

















t.



































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